Porque se sujar faz bem, mas não é tão fácil quanto parece
O rally é, por si só, uma das categorias mais desafiadoras do automobilismo. Enquanto as corridas nos circuitos são aderentes e contam com grandes áreas de escape (pelo menos na maior parte das vezes), os percursos de terra do rally são em terrenos escorregadios, geralmente cercados por árvores, penhascos e outras coisas que fazem com que a margem de erro seja reduzida de forma drástica.
A Codemasters sabe muito bem disso. Desde ela 1998 trabalhou com esse nicho do gênero de corrida, quando lançou a série Colin McRae Rally, levando o nome da lenda do esporte que prestou a consultoria técnica de como um jogo de rally deveria ser realmente: desafiador, difícil, uma experiência para os persistentes e habilidosos.
Com o passar do tempo, a desenvolvedora aliviou a mão e tentou fazer com que desbravar trajetos sinuosos em velocidades super-humanas se tornasse algo mais acessível: foi o nascimento e desenvolvimento da série Colin McRae DiRT. Infelizmente, o ano de lançamento do primeiro título da nova linha também marcou a trágica morte do piloto escocês, dividindo o esporte em uma era pré e pós-Colin McRae.
A simulação deu espaço para a jogabilidade arcade, a "seriedade" do rally cedeu seu lugar para o show de entretenimento dos eventos de gymkhana. No ano passado, no entanto, a Codemasters – já por alguns anos à frente da franquia dos jogos da F1 – resolveu trazer os games de rally de volta às origens com DiRT Rally, lançado como early access para o PC, o santuário dos simuladores do gênero.
Isso se traduziu em um jogo extremamente sóbrio e fortemente enraizado na simulação. Ele é cruel, difícil e, declaradamente, não foi feito para os casuais. Mas, embora essa restrição seja algo ruim quando vista de um panorama mais abrangente, por outro lado ela permitiu que a Codemasters fizesse, sem sombra de dúvidas, o mais brilhante jogo de rally dos últimos anos.
Foi no dia 5 de abril de 2016, no entanto, que o título finalmente chegou aos consoles. A grande questão é: como ele se sai nos controles convencionais? Será que um simulador sisudo e que te pune sem dó pelos erros consegue se dar bem em plataformas que são majoritariamente compostas por jogadores casuais e que, na maioria das vezes, não dispõem dos pomposos volantes que os simracers têm?
A resposta simples é SIM – mas, assim como a categoria que lhe deu origem, DiRT Rally não é para qualquer um.
O Dark Souls dos jogos de corrida
É importante deixar claro que a pedra fundamental de DiRT Rally é a simulação. A Codemasters nunca escondeu isso desde que anunciou e lançou o jogo no mesmo dia. No entanto, eles conseguiram flexibilizar de forma genial uma jogabilidade que é costumeiramente punitiva para os controles do Xbox One e do PS4.
As diferentes composições de superfície dos eventos altera de forma significativa o comportamento do carro, e você precisa estar atento para se adaptar a isso: correr em um trajeto de calcário é bem diferente de correr no asfalto das sinuosas montanhas italianas, que nem se compara às estreitas estradas suecas cobertas de neve.
Existem, sim, as assistências que acompanham a maioria dos jogos de corrida, mas o intuito delas em DiRT Rally é um pouco diferente: elas não estão ali para tornar a experiência mais fácil para os casuais, só a fazem ser mais acessível para quem está disposto a aprender a jogar.
É como se fosse uma forma de atenuar a curva de aprendizado. Isso quer dizer que, embora ABS e controles de tração e estabilidade estejam lá, não existe uma linha de assistência, não existe frenagem nem direção assistida. Em outras palavras, o jogo não segura sua mão e te ensina a jogar – você precisa aprender na marra.
Para quem é novo no assunto e quer entrar de cabeça, os tutoriais contam com muito material técnico, que fala sobre conceitos como transferência de peso, interpretação de instruções do seu copiloto, técnicas de frenagem e aceleração – tudo em vídeos didáticos e de linguagem acessível.
Falando em linguagem acessível, o jogo está disponível inteiramente em português, inclusive com as narrações do copiloto – meio arrastado, como se fosse um gringo muito esforçado, mas estão lá e ajudam bastante.
Dica rápida: quanto menor o número, mais fechada a curva. Quando seu copiloto falar para não cortar, NÃO CORTE. É sério.
Fazendo uma comparação que pode facilitar a compreensão, é como se DiRT Rally fosse o Dark Souls dos jogos de corrida. Tudo envolve uma punição: você saiu da pista e quer reposicionar seu carro? Vai tomar mais de 10 segundos de punição (o que é MUITA coisa) – e, acredite, você vai cometer erros com certa frequência, principalmente em etapas mais desafiadoras, como na neve.
Você se atrapalhou em uma curva e bateu forte? Os danos estão lá e não podem ser retirados. Você tem que aguardar chegar na metade do evento (que geralmente tem quatro estágios distintos) e tem um limite de tempo que o força a escolher com cuidado o que será arrumado se não quiser ser punido.
Vale apontar que os danos são bem menos impactantes do que eles poderiam ser, já que o foco do jogo é simular a pilotagem, e não o assassinato do piloto, então pode acontecer de você abraçar uma árvore a 200 km/h e seu carro parecer intacto, apenas não ligando mais.
Sabe aquela história de "você vai morrer muito", do Dark Souls? No DiRT Rally é: "Você vai reiniciar muito".
O ponto é que, sim, é perfeitamente possível que um gamer casual consiga jogar – só é muito improvável que ele vá fazer isso bem o suficiente para aproveitar o game. Vencer as etapas no modo carreira exige que você minimize a quantidade de erros, o que, por sua vez, faz com que os reinícios sejam constantes.
Isso acaba travando um pouco o progresso do jogo – volto no assunto um pouco mais para frente –, já que é preciso vencer para ganhar dinheiro e comprar novos carros de outras categorias e evoluir no jogo.
Risco e recompensa
A grande sacada é que DiRT Rally, como a maioria dos simuladores de corrida, tem uma grande ênfase na jogabilidade. É um jogo extremamente objetivo e direto, no qual você vai se divertir pelo desafio de pilotar rápido e sem errar – e por nada mais, já que o modo de carreira não é altamente elaborado e a estrutura geral do game é bem simplista.
Junte isso ao fato de que o rally é disputado geralmente em eventos separados por estágios, que você deve percorrer sozinho para marcar o melhor tempo, e o resultado pode ser uma coisa "solitária demais". É claro que existem os eventos de rallycross – e eles estão em DiRT Rally –, que são em circuitos mistos e se parecem mais com as corridas convencionais, mas esse não é o foco principal.
Nesse ponto, o jogo acaba sofrendo com esse sintoma de que simuladores têm que ser sérios demais e não podem ter um modo carreira mais elaborado. Seu principal desafio é baixar mais e mais o tempo... E é isso: pouco mais é oferecido.
A beleza da sujeira
A fidelidade não se restringe à jogabilidade: os gráficos de DiRT Rally estão excelentes. O PC conta com opções mais abrangentes, mas os consoles também não fazem feio, apresentando um desempenho estável mesmo com todos os efeitos de iluminação e de poeira e partículas.
Os ambientes estão muito bem-feitos, nos mais diferentes climas que podem acontecer no jogo: o céu azul que mostra a vastidão das regiões montanhosas da Grécia, as densas florestas e a chuva dos percursos galeses ou o horizonte branco de neve dos trechos da Suécia ajudam a compor um ambiente muito crível para o jogo, graças à qualidade gráfica do conjunto. São mais de 70 estágios espalhados ao longo de seis países.
Seja nos cascalhos da Grécia ou na lama do País de Gales, DiRT Rally está belíssimo.
O nível de detalhes, inclusive, é replicado aos mais de 40 veículos que estão disponíveis, separados entre as mais diversas categorias: clássicos das décadas de 60 e 70, os monstros de 600 cv do grupo B, os icônicos modelos da década de 90, além dos inacreditáveis carros projetados para a subida de Pikes Peak.
Tanto por fora quanto na parte de dentro, a Codemasters caprichou e fez um trabalho excelente nas reproduções virtuais dos bólidos de rally. Os interiores são muito bem detalhados em todos os modelos.
O ótimo trabalho não se restringiu ao visual: a parte sonora também está excelente, com sons de motores bem convincentes e efeitos gerais, como as pequenas explosões nas reduções, o barulho das turbinas e os pneus gritando em busca de aderência, tudo mantendo um altíssimo nível que ajuda bastante no fator imersão.
Para quem gosta MESMO de rally
O progresso de DiRT Rally é um dos pontos críticos: como o game te pune de forma pesada pelos erros, você vai se ver reiniciando as corridas com frequência – o jogo não conta com a função "retroceder" que estava presente nos títulos anteriores. Isso faz com que você tenha que investir bastante tempo, primeiro para pegar a mão da jogabilidade e depois para vencer todas as corridas até ter grana suficiente para comprar outros carros.
Para se ter uma ideia, o primeiro campeonato conta com seis etapas, cada uma delas com quatro estágios que têm, em média, quatro minutos de duração. Faça a matemática, acrescente uns reinícios e uns tempos de loading – que são relativamente longos – e você chega à conclusão de que vai passar bastante tempo na frente da TV ou do monitor para finalmente terminar o PRIMEIRO campeonato.
Rallycross: o único modo que permite corridas multiplayer de forma direta
É claro que, se você gosta realmente da coisa – como é o meu caso –, isso é simplesmente espetacular. Para quem não está muito familiarizado, no entanto, pode ser chato. Com exceção dos eventos de rallycross, tudo pode ser um pouco repetitivo, já que o terceiro modo de jogo, hillclimb, é basicamente um estágio único realizado numa subida de montanha – a mais conhecida, no caso, em Pikes Peak.
Para os mais competitivos, DiRT Rally conta com um sistema de desafios online, no qual são comparados os seus tempos com os de outros jogadores ao redor do mundo. É claro que o formato em que o rally é disputado dificulta um bocado a jogatina multiplayer, mas ainda assim é possível correr contra seus amigos nos eventos de rallycross.
É possível também criar sua própria liga utilizando o sistema Racenet: você define o número de estágios, os climas e o tipo de carro que pode participar e outras pessoas podem competir no seu campeonato – é um dos modos multiplayer mais populares, diga-se de passagem.
A experiência definitiva em rally?
DiRT Rally foi o responsável pelo retorno forte do subgênero de rally mais voltado para a simulação: títulos como WRC 5 e Sébastien Loeb Rally Evo tentaram seguir os mesmos passos. No entanto, a Codemasters soube aplicar muito bem sua longa história com o gênero e conseguiu criar aquela que é, até agora, a experiência definitiva em termos de rally.
É claro que, sendo um simulador, tudo fica mais divertido com um bom volante, que conta com um sistema de compatibilidade excelente e opções abrangentes de customização, mas o trabalho feito para os consoles tornou o jogo significativamente mais acessível e igualmente desafiador com o controle.
Se você chegou até aqui assustado, calma: não se trata de um jogo impossível, mas é preciso ter em mente que este é um título difícil e meio linear, feito com foco no ato de pilotar, e não no entretenimento geral, e de certa forma espalhafatoso, como em games anteriores.
Mesmo com uma estrutura voltada quase que inteiramente para valorizar a jogabilidade e que conta com um modo carreira meio sem sal, DiRT Rally é obrigatório para quem é fã de automobilismo e, especialmente, para quem gosta de rally e da aura desafiadora e punitiva da categoria – além de ser um dos mais belos tributos velados que a Codemasters poderia ter feito para Colin McRae.
Categorias
- A melhor experiência de rally dos últimos anos
- Ótimos gráficos e efeitos sonoros de alto nível
- Jogabilidade desafiadora que pode ser aproveitada com um volante ou controle
- É um jogo difícil, o que pode acabar afastando os mais casuais
- Variedade de estágios e países ainda é relativamente pequena
- Modo carreira poderia ser mais elaborado
Nota do Voxel