Três classes de guardião e um despedaçado Viajante
Dizer que Destiny divide opiniões é um eufemismo. A recepção do público se polarizou entre aqueles que odiaram o jogo — por terem se frustrado com sua narrativa mal executada, intensa repetição de conceitos e um modelo de negócios injusto; e aqueles que encontraram no game um senso de comunidade e uma experiência prazerosa atirando em alienígenas.
No entanto, ame ou odeie, o shooter ganhou sua sequência — e foi apenas um ano depois da da última expansão. Com expectativas e sentimentos mistos, resta saber se aqui nós encontramos mais do mesmo, uma total redenção de todos os erros cometidos no título anterior ou algo completamente diferente.
Destiny 2 acabou de chegar no PC e a gente decidiu que pelo menos nossa review dos consoles, que tinha sido abandonada por causa da correria com a BGS, devia ir ao ar. Meu nome é Guilherme Dias, e essas são minhas impressões sobre Destiny 2.
Uma trama mais palpável
Os recém-chegados que me perdoem, mas é inevitável fazer comparações. Se o universo criado pela Bungie antes parecia frustrantemente confuso e cheio de menções vagas sobre coisas que nunca víamos, em Destiny 2 a trama é apresentada de um jeito mais palpável e admissível.
Seja na personificação de um vilão de carne e osso, que pensa e tem motivações, seja na tentativa de criar empatia por personagens que no jogo base anterior eram simples NPCs que delegavam missões.
A história não é perfeita, longe disso. O texto é permeado por clichês, inconsistências e problemas estruturais. O vilão Ghaul é mais interessante que qualquer outro inimigo visto em Destiny e suas expansões, mas ele é desperdiçado quando em 80% de suas aparições fica em uma sala, tendo conversas e monólogos superexpositivos que no fim da campanha contradizem tudo que o personagem acaba fazendo.
Há um desperdício também das cutscenes de qualidade excelente que ficam restritas a um mesmo ambiente, em que dois personagens de máscaras fazem grande esforço para transmitir emoções, sem contar que ficam condicionadas a uma bizarríssima transição com o logo da Legião Vermelha.
Tentando humanizar
Do lado dos mocinhos, existem outros furos e problemas, mas existem muitos acertos também. As falas do carismático Cayde-6, o líder dos caçadores, estão entre as que mais funcionam e divertem. E certos momentos com a Ikora expõem a nova realidade dos guardiões, misturando a coragem de resgatar o Viajante ao aterrorizante risco de morrer permanentemente de forma mais… humana.
Destiny 1 ignorava completamente o significado da palavra “humanidade”, enquanto Destiny 2 pelo menos tenta abordar o princípio — ainda que não tenha 100% de sucesso nisso. Nos primeiros momentos do jogo, em que eu fujo ferido e vulnerável da Cidade, eu pensei: “Eles finalmente entenderam”.
Mas minutos depois a condição original do guardião — que de uma expansão para outra se tornou um char mudo que faz caras e bocas — retorna e você é apenas uma máquina de matar sem personalidade outra vez.
Destiny 2 perdeu a oportunidade de mostrar o sofrimento das pessoas da Cidade. Tudo que sabemos sobre esse povo está nas reclamações da nova personagem Hawthorne, mas eu não sinto nada por essas pessoas porque o jogo simplesmente não me mostra seu sofrimento, o caos, o desamparo e o desespero. Eu só queria que a Bungie tivesse lembrado do seu trabalho com a invasão de Nova Alexandria em Halo Reach.
Belo mundo, plástico mundo
Rodeados por uma direção de arte incrível, o jogadores encontram em Destiny 2 um leve upgrade gráfico, com melhores texturas, efeitos, iluminação e elementos em tela. O game explora melhor o poder dos consoles atuais e está ainda mais bonito nesse novo capítulo. Entretanto, é uma pena que esse vasto mundo aberto seja tão vivo quanto um cenário falso de cinema.
Nos mapas, tudo que você encontra são inimigos e espólios. Não há nada tentando fazer do mundo em que você está um lugar vivo. E isso, infelizmente, fala muito sobre a franquia Destiny: a única forma de o jogador interagir com o mundo ao seu redor é atirando e pilhando.
Não pensem que é exagero quando eu digo que a música de Destiny 2 faz a maior parte do trabalho. Até os momentos mais medíocres são incríveis, embalados por temas emocionantes e bem arranjados, se tornam grandiosos.
São faixas tão boas que conseguem superar a impecável trilha sonora original do jogo anterior, mostrando que Michael Salvatori, mesmo sem Marty O’Donnell, seu colega de longa data, consegue ser um dos melhores compositores da indústria de jogos.
Prazer em atirar
Se tem algo que a Bungie sempre fez bem foram mecânicas de tiro e isso não muda em Destiny 2. A fluidez do primeiro game retorna, com uma nova habilidade para cada subclasse e algumas mudanças no sistema de armas.
Primárias, Secundárias e Pesadas agora são Cinéticas, Energéticas e Potentes. Agora, o que vai em cada espaço acaba mudando um pouco, por conta de uma reorganização dos itens e da chegada das submetralhadoras e lança-granadas.
As espadas, que foram introduzidas durante as expansões de Destiny, estão presentes, e as escopetas estão mais raras. De todo modo, o uso das armas continua satisfatório, ainda que o sistema de progressão do jogo obrigue você a abrir mão de algumas que você realmente gosta depois de pouco tempo.
Novas missões, velhos inimigos
O gameplay infelizmente é limitado pela ausência de novas raças de inimigos. Decaídos, Vex, Colmeia e, é claro, os Cabais estão de volta. Mas exceto por poucas inclusões de novas classes, o jogador é obrigado a atirar por dezenas de horas nos mesmos alienígenas em que gastou dezenas de horas atirando anteriormente.
Felizmente, existe mais diversidade na estrutura das missões no novo jogo. Se as missões de Destiny usavam apenas uma ou duas fórmulas, em Destiny 2 os objetivos são mais dinâmicos. Além das missões da campanha, estão de volta as sidequests, chamadas agora de “aventuras”; as patrulhas; os assaltos…
Sem contar os eventos públicos, que você pode fazer enquanto está concluindo outras dessas missões. Durante o tempo em que joguei, na primeira semana de outubro para fazer esta review, a Incursão Leviatã ainda não estava disponível, mas como vocês devem saber: as raids estão de volta também.
Grinding para os mais casuais
O conteúdo de Destiny 2 é razoavelmente mais diversificado, o que acabou causando a sensação de que a campanha desta vez tinha mais conteúdo, mesmo sabendo que a média de tempo para finalizar a história principal é quase igual à do jogo original.
Se o grinding, que é ficar realizando tarefas repetidamente para subir de nível e conseguir itens, era um problema terrível em Destiny 1, a variedade nas missões de Destiny 2 faz parecer que o trajeto é menor — ou menos entediante, pelo menos. Existe muita coisa para se fazer.
Na coleta de espólios, o famigerado “loot”, também foram feitas mudanças e melhoramentos. Os engramas funcionam de forma diferente e sobre os itens derrubados pelos inimigos e encontrados em baús… os veteranos, amantes da intensa repetição e dificuldade em obter itens de Destiny 1, podem se frustrar em como ficou mais prático conseguir boas armas e armaduras aqui.
Além disso, os pardais, que são os veículos que vinham por padrão em Destiny 1, agora precisam ser adquiridos. Se por um lado é legal encontrar um tipo de item que realmente seja útil, é estranha a decisão da Bungie em deixar durante toda a campanha os jogadores a pé em mapas gigantescos que foram claramente feitos para serem explorados em veículos. Porque, olha, você só consegue um pardal depois de concluir a campanha ou atingindo o nível 20.
Classes com habilidades únicas
Agora, uma mudança bem positiva em Destiny 2 foi como as classes passam a se diferenciar. Era uma crítica frequente ao primeiro jogo que as três classes não fizessem nada de muito especial. Mas desta vez, o Caçador funciona como batedor, desviando do fogo inimigo; o Titã cria uma barreira para proteger o time e o Arcano dá um boost de dano para os colegas da equipe que estão próximos.
As mudanças poderiam ter sido menos sutis, mas já é um bom começo para criar uma dinâmica no esquadrão, fazendo com que cada membro tenha um papel único. Ah, e claro, existem novas subclasses, com novos supers, assim como o retorno de algumas subclasses de Destiny 1.
Mudanças no multiplayer
Destiny é uma franquia essencialmente multiplayer. Mesmo que jogar sozinho em Destiny 2 seja menos enfadonho do que no game anterior, seu potencial de divertimento só é realmente aproveitado em grupo.
No PvE, a Bungie tentou facilitar colocando o sistema de clãs dentro do jogo e outro sistema chamado Jogos Guiados, que ajuda você a encontrar colegas para os Assaltos e as Incursões.
Já o PvP, continua a acontecer na área conhecida como Crisol, mas traz algumas mudanças curiosas. Não é mais possível escolher o modo de jogo, eles aparecem de forma aleatória, inclusive o novo “Sobrevivência”.
O que você pode fazer é escolher entre duas playlists: Jogo Rápido, que traz um matchmaking menos restrito e modos para quem não tá exatamente buscando uma experiência super séria; e o Competitivo, que tem um matchmaking baseado na habilidade de cada jogador, e que traz apenas duas modalidades.
Pessoalmente, eu achei o PvP de Destiny 2 mais agradável do que o do primeiro jogo. Em parte porque as classes dão toda uma nova dinâmica para os combates. É importante observar que as equipes de seis jogadores foram reduzidas para quatro. Isso tornou as partidas menos caóticas, mas senti falta de um modo que comportasse times maiores e veículos.
Melhor ou pior que o primeiro?
Os mais entusiastas de Destiny vão sempre dizer que a gente esqueceu de algo. Eu poderia falar da ausência de batalhas espaciais tão bem usadas pela Bungie em Halo Reach; ou de criticar como a narrativa falha em abordar o conceito de luz e trevas, sem conflito ou tons de cinza; ou comentar sobre como a Treva, o mais importante inimigo de Destiny 1 que nunca chegamos a ver sequer é citado na nova trama; ou a polêmica inclusão de microtransações e cosméticos que se gastam… Mas a verdade é que fica impossível mencionar tudo em um único texto ou vídeo.
Um jogador casual poderia facilmente confundir Destiny 2 com uma nova expansão do primeiro jogo, mas é justo dizer que a sequência corrigiu muitos erros do game original — menos erros do que poderia, mas corrigiu.
O importante é saber que Destiny 1 surgiu como um frankenstein de conceitos que queria ser tanto um FPS quanto um MMORPG e acabou não sendo nenhum dos dois. E por incrível que pareça, não foi a Bungie ou a Activision que parecem ter resolvido essa crise de identidade, mas a própria comunidade de fãs, que de alguma forma se afeiçoou ao jogo e mostrou que ele tem espaço no mercado.
Destiny 2 continua sendo uma experiência que não vai agradar a todos os públicos — definitivamente não é para mim —, mas a maioria dos destinymaníacos que investiram centenas de horas no primeiro provavelmente vão adorar.
Se o terrível modelo de negócios usado no game anterior, com expansões caríssimas que limitavam o acesso dos jogadores que não tinham todas os DLCS, não for aplicado, Destiny 2 tem grandes chances de ser aquilo que seu antecessor deveria ter sido.
- Trama mais palpável do que no jogo anterior, com personagens mais críveis
- Mais formatos de missões, deixando a campanha menos repetitiva
- Grinding menos entediante
- Gameplay fluido e responsivo
- Uma das melhores trilhas sonoras originais dos últimos anos
- Direção de arte impecável
- Ajustes nas classes, dando a cada uma delas um papel mais único
- Desperdício de potencial na narrativa
- Falta de novas raças de inimigos
- Falta de modos diferenciados no PvP, como batalha de veículos
- Ainda muito similar a Destiny 1; faltou ousadia para trazer para a sequência mudanças mais radicais
Nota do Voxel