Dawn of Fear é uma amostra de como não se deve fazer terror
Dawn of Fear tem um apelo nostálgico muito forte. A intenção de conjurar os primeiros jogos da série Resident Evil, por si só, já abre brechas para a empolgação. Desenvolvido pelo pequeno estúdio espanhol Brok3nSite, o título foi concebido a partir de um incentivo do PlayStation Talents, da Sony Interactive Entertainment España, uma iniciativa que apoia o desenvolvimento de produções independentes.
Trata-se de um exclusivo de PlayStation 4 que tenta seguir à risca a cartilha de Resident Evil, especialmente dos dois primeiros. O game não mede esforços para homenagear a clássica franquia da Capcom: jogabilidade em terceira pessoa, câmera fixa, cenários pré-renderizados e mecânicas herdadas dos games de survival horror dos anos 1990. A ideia de reviver os tempos áureos do terror nos video games até que é boa, mas a execução é insatisfatória. Confira a nossa análise completa.
A Casa dos Mortos
Dawn of Fear é um daqueles games que, para o bem ou para o mal, não se incomoda em abraçar clichês do cinema e dos games. Afinal, quantas vezes o tema de casas assombradas foi explorado em produtos do entretenimento?
A história se desenrola depois que Alex recebe uma ligação inesperada informando o trágico falecimento de sua madrasta, 5 anos após a morte de John e Max, seu pai e seu meio-irmão, respectivamente. Após o ocorrido, ele parte rumo à casa da família, em um nebuloso domingo, para encontrar a papelada do local e decidir o que fazer com todos os bens.
A visita ao lar de sua infância não sai como planejado e, é claro, Alex acaba trancafiado em uma casa tomada por eventos sobrenaturais. Encarcerado e sem a opção de voltar, o protagonista se vê obrigado a investigar os acontecimentos do lugar e mergulha em paranoia.
Não me entenda mal: a história até desperta interesse, o problema é que ela é contada de um jeito muito amador, por meio de documentos espalhados pela mansão, mas que não são suficientes para dar muito contexto ao universo apresentado. Os raros momentos de conversa se resumem a diálogos toscos e sem grande relevância — é triste de ver.
Ao invés de ser o incentivo para progredir, a narrativa é tratada como algo secundário e nunca ganha a devida atenção. Quando você menos espera, a história encontra o seu desfecho sem sequer ter traduzido a atmosfera aterrorizante que tanto se empenha em impor.
Mecanicamente falando, um desastre
O apego a uma fórmula antiga não fez muito bem e tudo parece irremediavelmente obsoleto. A coisa se resume a explorar cenários, resolver puzzles e matar zumbis, sendo que esses dois últimos derrubam a qualidade da experiência.
Pelo lado positivo, é preciso exaltar a parte de exploração, já que o level design é bem construído e entrega ambientes variados baseados no que há de melhor nos clichês do gênero, desde câmaras de tortura e prisões até corredores claustrofóbicos. O level design, inclusive, é competente o bastante para eliminar a necessidade de um mapa. A estrutura da mansão foi projetada com o backtracking em mente, para que personagem retorne a áreas já visitadas com novos itens, assim como acontece nos games clássicos de survival horror.
Os pontos de salvamento são limitados e não permitem guardar o progresso mais de uma ou duas vezes no mesmo local, então cabe a você saber a hora certa de acioná-los. Conforme progride na história, percebe-se que alguns locais são pontos-chave para que o progresso não se perca, algo que favorece o clima de tensão.
Enquanto o jogo se sustenta em exploração, puzzles e combates são meros coadjuvantes e representam as partes mais frustrantes de uma jornada que pode durar até 6 horas. O sistema de puzzles é claramente inspirado em Resident Evil, porém inconstante. O problema maior é que a dificuldade não encontra um equilíbrio entre fácil e difícil e sempre oscila muito, o que pode tirar do sério até o fã mais empolgado do gênero.
Aliás, tirar do sério é uma técnica que Dawn of Fear domina como poucos. O game está repleto de quedas bruscas na taxa de frames, tão frequentes que deixam o gameplay em câmera lenta (até no PS4 Pro) — e bugs, muitos bugs.
Em um dos puzzles, eu precisava usar um alicate para quebrar as correntes que estavam bloqueando uma porta. Depois de utilizar o item a partir do inventário, a porta não se abriu e eu acabei perdendo um item crucial da missão, visto que sem ele eu não era capaz de progredir. Em outro momento, logo depois de terminar de exterminar um chefe, o troféu simplesmente não pipocou. E o pior: a porta da saída permaneceu trancada, como se o personagem ainda estivesse no meio da batalha.
O combate é, de longe, o que há de mais aterrorizante. Mecanicamente falando, ele não é ruim pelo simples fato de ser inspirado em jogos com mais de 20 anos e que estão, convenhamos, desatualizados. Resident Evil e Silent Hill sempre funcionaram bem, mesmo com as limitações de hardware da época. A movimentação de Alex é travada, os comandos são imprecisos e o sistema de mira é um dos piores que já vi.
Como em qualquer jogo de terror que se preze, munição não existe em abundância. E é justamente por isso que perder balas por conta de uma mira instável é decepcionante. O melhor a fazer é usar a faca de combate, um dos equipamentos mais fortes e que pode ser obtido logo no início. Por incrível que pareça, uma faca é mais eficaz do que uma pistola.
Além disso, a inteligência artificial é falha e não consegue manter um padrão. O mesmo inimigo pode matar com um único golpe ou com três, ainda que a sua barra de vida esteja cheia em ambas as situações. Tudo vai depender da sua sorte e da boa vontade do sistema.
As lutas contra chefes, que não são frequentes, também não agregam valor à experiência e são insuportáveis, já que não propõem qualquer tipo de desafio. Pelo contrário, a movimentação das criaturas é tão truncada e tosca quanto a de seu personagem. No fim das contas, o menos bugado é quem leva a melhor.
Instável até no visual
No quesito técnico, Dawn of Fear deixa evidente que é um jogo de menor orçamento, que se contenta em ser apenas uma versão um pouco mais atualizada — ou ao menos tentar ser — dos jogos de survival horror dos anos 1990.
A ressalva que não passa despercebida é em relação à qualidade gráfica irregular, ora com cenários detalhados, ora com ambientes poligonais à la PS1. Tenho a impressão de que os ambientes foram produzidos em estágios totalmente diferentes do desenvolvimento, o que talvez justifique o salto de qualidade entre uma área e outra.
Sem exagero: a diferença às vezes é tão grande que é como trocar de um jogo de PS1 para um de PS4 em questão de segundos, você só precisa abrir uma porta. O estúdio Brok3nSite fez algumas péssimas escolhas de design, e o resultado natural não poderia ser outro: personagens e criaturas — não, não há somente zumbis — genéricos, com cara de duas ou três gerações passadas.
Veredito
Eu realmente me esforcei para gostar de Dawn of Fear, mas confesso que foi uma árdua tarefa seguir firme e forte até sua conclusão. Se você desconsiderar o level design, o único aspecto notável, não sobra nada.
Do início ao fim, Dawn of Fear proporciona uma experiência inconstante, com gameplay carente de diversão e sem a atmosfera intimidadora e desconfortante que o gênero exige. Não cometa o erro de jogá-lo no estágio em que se encontra. Eis uma amostra de como não se deve fazer terror e eu já antecipo aqui: trata-se de um dos piores games do ano.
Dawn of Fear foi gentilmente cedido pela Brok3nSite para a realização desta análise.
Fontes
Categorias
- Level design competente
- Pontos de salvamento limitados favorecem o clima de tensão
- Puzzles inconstantes
- História não desenrola e é tratada como algo secundário
- Péssima inteligência artificial
- Bugs que inteferem na progressão
- Visual irregular
- Batalhas cômicas contra chefes
Nota do Voxel