Crash Bandicoot 4: It’s About Time é a gostosura com que todos sonhavam
Numa indústria em que shooters, multiplayers, mundos abertos e jogos como serviço tomam conta dos cofres e são bastiões da tendência, parecia improvável, ou quase impossível, que um novo Crash desse as caras. O mascote povoa o imaginário dos órfãos – eu incluso, obviamente – há muito tempo. Como o próprio subtítulo diz, “It’s About Time”, que seria, em bom português, Crash Bandicoot 4: já era hora!
Anunciado durante a Summer Game Fest em junho de 2020, o retorno triunfal do personagem era um objeto de desejo desde...Warped, talvez? Ou Crash of the Titans, para quem curte? Mind Over Mutant? Fato: o marsupial tem um tipo de charme diferente em relação a Mario, Sonic e outros. Um ar de inocência, uma atmosfera despretensiosa, que preza pela simplicidade de seu gameplay e um estilo de diversão noventista.
Maior, melhor e lotado de novidades: esses são os pilares prometidos por Crash 4. Será que ele consegue agradar os saudosistas e, ao mesmo tempo, conquistar uma nova audiência? Spoiler: sim.
Precisamos de um Crash novo?
A primeira e mais básica pergunta que você pode fazer a si mesmo é: eu preciso de um Crash novo? Eu realmente quero isso? Ou é um sentimento nostálgico movido por uma memória afetiva daqueles tempos áureos em que você jogava de maneira pura e orgânica, sem encheção de saco das redes sociais? Se você estiver com preguiça de pensar nisso, ligue Crash 4 e saia jogando. Porém, se esse questionamento estiver te perseguindo, o jogo tem a resposta na ponta da língua.
A jornada continua os eventos de Crash Bandicoot 3: Warped e segue esse cânone, desconsiderando os acontecimentos de outros títulos. Warped, que é um jogo com mais de duas décadas de existência (de 1998), foi revisitado recentemente na coletânea remasterizada N. Sane Trilogy.
Na história de Crash 4, os inimigos N. Tropy e Uka Uka, aliados ao vilão máximo da franquia, o Dr. Neo Cortex, aproveitam uma oportunidade para criar fendas que modificam o espaço-tempo, podendo, assim, conquistar todo o multiverso. Crash, Coco e outros personagens precisam usar máscaras quânticas para impedir que isso se alastre e bagunce a linha do tempo das dimensões. Esses itens são representados por guardiões dimensionais das realidades alternativas.
-Fonte: Activision
Dois públicos, um objetivo: experiência universal
É aqui que Crash 4 já mostra sua exímia capacidade de agradar a marinheiros de primeira viagem sem jamais desamparar os fãs da velha guarda. Sim: é um Crash totalmente novo, não uma extensão do que vimos na trilogia remasterizada.
Nas mãos do estúdio Toys for Bob, que também cuidou do retorno de Spyro, o marsupial foi redesenhado e reinventado em novas animações, novas caretas e movimentação reformulada – com direito a um venenoso pulo duplo. Trata-se de um trabalho construído do zero, e não um material reaproveitado.
Isso significa aproveitar as novas tecnologias com muito mais profundidade de cenários, enxergar coisas acontecendo ao fundo dinamicamente, sentir um pulo duplo mais venenoso e outros aprimoramentos. Tem um cadinho de Mario, um temperinho de Donkey Kong, uma pitada de Rayman e mais.
-Fonte: Divulgação/Activision
Gameplay igual, diferente e diversificado
Uma mesma fase tem diversas nuances diferentes de gameplay e não necessariamente segue o mesmo esquema do começo ao fim. Você transita do 3D para o 2.5D e, por fim, ao 2D, percorrendo diferentes obstáculos num mesmo espaço.
Num mesmo estágio, você patina em trechos deslizantes sobre pedaços de ferro, vigas ou troncos, no melhor estilo Tarzan; realiza uma fuga espetacular de uma criatura grotesca ou de um tanque correndo em direção à tela; transpira em seções de progressão lateral de rápidas pílulas, enfim, tudo que você viu nos antigos está ali, só que numa escala maior, sem necessidade de haver separação dos estágios para cada tipo de gameplay. Você percorre todas essas variantes num mesmo ambiente.
No modo 'N. Verted', você revisita estágios e faz todo o trajeto deles ao contrário, com uma nova rodada de diamantes, outro desafio de tempo e um desconfortável sentimento de dejá vu.
A dificuldade, que é marca registrada da série, foi levada a sério em Crash 4. Existe um novo tipo de desafio aqui: a fita cassete de flashback. Basicamente, são fases que mostram as etapas embrionárias de Crash, lá em 1996, quando ele estava sendo criado e testado pelo Neo Cortex.
Para quem não sabe, Crash é um objeto laboratorial que, graças ao destino, deu errado. Os estágios oriundos das fitas são excepcionalmente difíceis e requerem que você atravesse longos precipícios usando só caixas para se sustentar.
-Fonte: Divulgação/Activision
Espelho, espelho meu...o que diabos você me deu?!
Outra novidade de Crash 4 é o modo espelhado, batizado de “N. Verted”, um trocadilho deliberado com a palavra “invertido”. Por meio desse recurso inédito, você revisita estágios e faz todo o trajeto deles ao contrário, com uma nova rodada de diamantes, outro desafio de tempo, outra fase bônus e um desconfortável sentimento de “dejá vu” – a falsa sensação de familiaridade.
Geralmente, resulta em frustração mesmo, no melhor sentido que essa palavra tem para o caráter desafiador que a experiência se propõe a entregar. As seções em ponta-cabeça são pérolas do gênero.
Crash 4 é lotado de conteúdo. Se você quiser concluir a aventura sem buscar os colecionáveis, é possível ver o desfecho em 6 ou 7 horas. No entanto, se você almeja os 100%, considere 20 a 30 horas na conta, a depender unicamente da sua habilidade e do seu faro para encontrar itens escondidos.
-Fonte: Divulgação/Activision
Máscaras quânticas: nova camada de gameplay
As máscaras quânticas, para quem acompanhou as divulgações de Crash 4 até aqui, implementam uma nova camada à jogabilidade. Alternar entre dimensões para fazer plataformas sumirem e reaparecerem não é inédito; já vimos a mecânica bem aplicada em títulos como Guacamelee, Strider, Ori, Outland e outros, mas, em Crash, dentro de tudo que ele já tem, a vontade de arremessar o controle pela janela só vai aumentar.
Isso vale para todos os efeitos criados pelas máscaras, incluindo a “matéria escura”, que permite girar e saltar com muito mais ímpeto, como se fosse um tornado controlável mesmo.
Por falar nisso, sim, outros personagens, além de Crash e Coco, podem ser controlados. Tawna, a paquera do protagonista nos antigos, está de volta em vistosa aparição, sem poupar estilo, num moicano colorido e com suas próprias características de gameplay – e direito a um imponente gancho.
-Fonte: Divulgação/Activision
Dingodile, lembra dele? Esse imenso réptil híbrido pode usar sua geringonça para planar, sugar inimigos e combinar ataques giratórios devastadores. São mudanças bem-vindas para sair um pouco da mesmice de Crash e Coco, sabe?
Gargalinhos
Crash 4 apresentou alguns problemas bizarros no áudio em momentos pontuais, principalmente quando você usa a matéria escura da máscara roxa: o áudio sai engasgado, mastigado e mal compilado. Alguma correção na engenharia de som se faz necessária por meio de atualização.
Também notei algumas quedas ocasionais na taxa de quadros por segundo e rápidos sufocos de “frame-time” em uma ou outra cinemática, quando há travadinhas constantes impedindo a fluidez da cena.
-Fonte: Divulgação/Activision
Veredito
Fiquei agradavelmente surpreso com Crash Bandicoot 4: It’s About Time. Colocando todas as cartas na mesa, eu já alimentava boas expectativas por tudo que havia sido divulgado e por confiar no trabalho da Toys for Bob, mas também estava com uma pulga atrás da orelha por imaginar que poderiam “requentar” algumas coisas da trilogia remasterizada, mas não: tudo é novo, refeito, reconstruído e bem aplicado dentro dos pilares que ergueram a franquia.
Crash 4 consegue atingir o almejado “sweet spot”, ou, em bom português, aquele “ponto doce” de agradar o fã da velha guarda, inclusive este que vos escreve, e uma nova geração de jogadores. É tudo leve e gostoso de acompanhar, especialmente quando regado à bela dublagem em português.
A dificuldade pode fazer algumas pessoas estranharem, mas verdade seja dita: isso está no sangue da franquia, certo? Crash 4 é um rodízio de pizza infestado de conteúdo, com muitos sabores à disposição e o principal: autenticidade.
O jogo foi gentilmente cedido pela Activision para a realização desta análise.
Nota: 90
"Crash Bandicoot 4: It’s About Time mistura o velho e o novo em excelente sintonia. É a melhor ponte possível para o futuro da franquia".
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- Gameplay exuberante, repleto de mecânicas novas que não ferem o material de origem
- Um Crash novo mesmo – e não uma versão “requentada” da última aparição do mascote
- Lotado de conteúdo e alto fator replay
- Visual charmoso, modernizado, em sintonia com o presente
- Outros personagens controláveis e máscaras quânticas trazem diferentes nuances ao gameplay
- Áudio engasgado em determinadas habilidades
- Gargalos em algumas cinemáticas e taxa de quadros por segundo
Nota do Voxel