Crackdown 3 é uma aventura honesta derrubada por um multiplayer superficial
Revelado originalmente em 2014, Crackdown 3 é um game que, a partir do momento em que você começa a jogar, deixa claro que não tomou todo esse tempo de desenvolvimento. Entre mudanças de tecnologia e estúdios responsáveis, o título teve uma criação conturbada que fez muita gente decidir ter uma opinião sobre ele antes de ter uma chance jogá-lo.
Agora que finalmente temos o game em mãos, com versões para PC (com Windows 10) e Xbox One, o que fica claro é que algumas das ambições do passado não se tornaram realidade. Em contraponto, temos um game que, embora não se prove memorável, traz diversão e honestidade suficiente para atender ao público que gosta de uma aventura de ação simples.
Campanha divertida
Crackdown 3 é um game claramente dividido em duas partes que, embora teoricamente sejam complementares, nem sempre se comunicam. A principal delas, em minha visão, é a campanha que ficou nas mãos da Sumo Digital, que nos entregou o que pode ser considerada uma “recriação atualizada” do game que deu origem à série.
Na aventura, você assume o papel de um membro da Agência, organização paramilitar de elite que é chamada para colocar ordem na ilha de Nova Providência. Chegando lá você é recepcionado pela Terra Nova, corporação que manda no lugar e quase destrói seus planos antes de sua equipe ter a chance de agir.
A introdução, que não dura mais de 15 minutos, coloca você em contato com a força de resistência formada por habitantes de outros países que buscaram abrigo na região e que ajudam você a se recuperar de um ataque. Logo depois disso o jogador descobre que sua missão é matar todos os que mandam na ilha e, para isso, vai ter que sair distribuindo chumbo em tudo o que aparece em seu caminho.
É justamente isso que o jogador faz a maior parte do tempo nesse shooter bem old school, em que não é preciso se preocupar com arcos narrativos complexos ou sistemas de cover. O negócio é atirar em tudo e destruir as estruturas inimigas de forma a chamar a atenção dos tenentes da Terra Nova — quantos mais deles são derrotados, mais fácil fica a sua tarefa de derrotar a grande chefe da corporação.
O negócio é atirar em tudo e destruir as estruturas inimigas
Não há uma ordem específica para cumprir sua missão e, teoricamente, é possível enfrentar o chefe final logo de cara. No entanto, matar aqueles que estão em um nível abaixo é necessário tanto para garantir uma maior longevidade à aventura quanto para aprimorar suas habilidades — quanto mais você atira, dirige e soca inimigos, mais habilidoso se torna nessas questões.
A única área que não evolui naturalmente é sua agilidade, que garante pulos mais altos (que podem virar triplos) e impulsos no ar. Para aumentar seus poderes na área, você deve coletar as centenas de orbes verdes espelhados pelo cenário, em uma disposição que tira proveito da verticalidade do jogo e de sua mistura entre jogo de ação desenfreada e um título com bons momentos de plataforma.
Experiência superficial
Enquanto o núcleo de Crackdown 3 é divertido e tem ideias legais — o controle que você tem de seu personagem enquanto ele está no ar é muito gostoso, por exemplo —, o game sofre por sua superficialidade. A sensação é que a Sumo Digital se sentiu “forçada” a incluir alguns elementos cuja presença, no final das contas, entra em contraste com o que o jogo faz de bom e deixa clara a baixa qualidade de algumas de suas peças.
Os adversários têm pouca variedade e possuem animações bastante limitadas, bem como uma inteligência artificial que não é muito sofisticada. Da mesma forma, os chefes (com uma ou outra exceção) abusam da ideia de mechas gigantescos que, na prática, só mudam o tamanho do alvo que você tem que travar sua mira e descarregar todas as suas balas (ou raios de energia).
Também há problemas em questões como os objetos, que parecem não ter massa nenhuma — levantar uma pedra gigante não parece um grande feito de força quando ela parece ser feita de papelão. Outro ponto que não ficou legal são os veículos, cujos modelos contrastam em qualidade com o personagem controláveis e cuja dirigibilidade não é muito legal. E, para piorar, usá-los significa ter que abrir mão de coletar orbes de agilidade que, no final das contas, permitem que você se movimente de forma muito mais dinâmica pela cidade.
O game tem um bom desempenho no Xbox One X e no PC, mas deixa a dever um pouco em framerate no Xbox One convencional, que também apresentou um grave problema de textura durante nossos testes. A estética de Crackdown 3 é outro ponto de contraste: os neons e brilhos ajudam a dar uma identidade bem definida ao título, mas as ruas vazias e os NPCs que pouco contribuem para qualquer coisa dão a sensação de que o mundo é uma grande cidade feita de plástico.
as mecânicas de crossplay entre o PC e o Xbox One funcionam muito bem
Para os jogadores de PC, uma questão de desempenho deve incomodar um pouco: mesmo jogando com outra pessoa no Windows 10, o coop sempre fica travado a 30 quadros por segundo, contrastando com a fluidez da campanha principal (que pode operar sem limites de quadros). Em compensação, as mecânicas de crossplay entre o PC e o Xbox One funcionam muito bem e proporcionam uma conexão bem estável quando você quer jogar com um amigo.
Multiplayer fraco
Se em seu single player Crackdown 3 apresenta uma aventura com falhas, mas que garante uma boa dose de diversão, o multiplayer — conhecido como Área de Demolição — é uma história bem diferente. Diferente em parceria com a Elbow Rocket, ele traz a prometida “destruição baseada na nuvem” que ficou de fora da campanha, mas nem isso garante uma experiência que prende durante muito tempo.
Compartilhando os mesmos agentes e algumas das armas vistas na aventura single player, o modo se difere por ter uma identidade visual ligeiramente alterada, que deixa de lado o acabamento em cell shading dos personagens. Também não há qualquer sistema de evolução, e seus personagens sempre possuem habilidades no máximo e acesso imediato a todo o arsenal disponível.
Infelizmente, a destruição de cenários não é tudo aquilo que nos foi prometido. Sim, é possível destruir paredes, tetos e outras superfícies, mas isso parece mais uma curiosidade do que algo que realmente surpreende ou pode mudar o rumo de uma partida. O efeito em si não é feio, mas parece somente uma evolução do que vimos nos antigos Red Faction e não algo digno de ser considerado revolucionário ou, ao menos, surpreendente.
A jogatina online, em seu núcleo, consegue ser ainda mais superficial e direta do que a campanha principal. Oferecendo somente uma seleção limitada de armas, o game traz dois modos de jogo: Caçador de Agentes, um mata-mata tradicional em que vence quem coletar antes 25 insígnias inimigas, e Territórios, onde você deve proteger alguns pontos do mapa e evitar que seus adversários os dominem.
Infelizmente, as partidas revelam uma total falta de estratégia, se limitando a ser um confronto louco em que vence quem conseguir travar antes a mira no inimigo — muito disso devido ao fato de que você sempre é colocado em times com formação aleatória. A trava usada pode fazer sentido dada a grande mobilidade dos personagens, mas facilita demais o jogo e dá a sensação de que você não venceu pelo mérito de suas habilidades, mas por ter a sorte de estar mais bem-localizado.
O multiplayer também perde pontos ao não permitir que você crie grupos com seus amigos e force o matchmaking a ser refeito no final de todas as partidas. Como se isso não fosse suficiente, não há qualquer sistema de evolução ou recompensa por seus esforços — não que novas skins ou armas fossem melhorar o gameplay, mas poderiam ser elementos que estimulam a voltar ao modo.
O multiplayer também perde pontos ao não permitir que você crie grupos com seus amigos e force o matchmaking a ser refeito no final de todas as partidas
Outro problema, específico ao PC, é o fato de que o jogo costuma “congelar” durante alguns segundos sem nenhum motivo aparente. Em mais de uma ocasião isso custou minha vida em um confronto direto com um adversário, o que me obrigou a concentrar meus testes na versão do Xbox One X que, felizmente, não apresenta o mesmo problema.
Juro que tentei, mas não consegui encontrar muito valor no multiplayer de Crackdown 3. Matar inimigos não é algo muito satisfatório, e morrer parece muito mais uma questão de falta de sorte do que algo merecido. A sensação é a de que os desenvolvedores só estabeleceram a base de um modo, mas esqueceram de adicionar camadas a ele que recompensassem os jogadores por seu investimento de tempo.
Vale a pena?
Crackdown 3 me lembra a época em que ainda existiam empresas como a THQ (em sua forma original, não no ressurgimento associado à Nordic) e títulos desenvolvidos com orçamento mediano tinham seu lugar no mercado. Ele está longe de ter o investimento de um grande Triplo A, por mais que o material promocional da Microsoft possa ter enganado um pouco nesse sentido — e essa pretensão limitada não é nenhum problema.
O game é daqueles que proporciona um belo divertimento de fim de semana, em que você senta em frente à televisão conversando com os amigos ou escutando uma música, sem se preocupar muito em acompanhar a história. Ele, principalmente em sua campanha, é um jogo de ação honesto e bem direto que nunca aspira a ser algo que vai marcar gerações — e não há nenhum problema com isso.
O que derruba a nota são as questões técnicas e os contrastes entre as diferentes partes do jogo — para cada bom modelo de personagem, temos um carro mal-acabado com dirigibilidade estranha. Também contribui muito para isso o multiplayer, que considero fraquíssimo e excessivamente superficial, deixando a dever até mesmo coisas básicas como a possibilidade de jogar com amigos e ter um matchmaking minimamente razoável.
Sai de Crackdown 3 com a mesma impressão que saio de muitas séries da Netflix: ele é uma boa diversão de fim de semana, mas não algo que se esforça para ser além do mediano (na melhor concepção possível da palavra) ou que vou lembrar em detalhes daqui alguns meses. Em resumo, ele é um bom game para aproveitar se você já tem o Game Pass, mas não sinto que ele vale o preço cheio cobrado pela Microsoft.
Categorias
- Combate direto e sem firulas que traz um ciclo de gameplay bem recompensador
- Bons desafios de plataforma que aproveitam da verticalidade criada pela Sumo Digital
- Um mundo aberto com bastante liberdade e que não fica segurando sua mão ou guiando seu caminho
- A jogatina cooperativa é divertida e demonstra como o crossplay entre o PC e o Xbox One funciona bem
- Detalhes técnicos mal-acabados, como NPCs inexpressivos e carros com modelagem preguiçosa e gameplay pouco envolvente
- Cenários que se provam vazios e um tanto artificiais mediante uma investigação mais aprofundada
- Inimigos pouco desafiadores e com animações evidentemente limitadas
- Multiplayer superficial e que sequer possui opções de grupo, matchmaking dinâmico ou sistemas de evolução
- Problemas que vão de congelamentos no PC até texturas que falham em aparecer corretamente no Xbox One básico
Nota do Voxel