Control exagera nas firulas, mas traz bom mix na cartilha de luxo da Remedy
Fiquei absolutamente surpreso com o anúncio de Control na E3 2018. De todas as coisas que eu esperava ver numa conferência da Sony, um novo jogo da Remedy, àquela altura do campeonato, definitivamente não era uma delas. Quantum Break, afinal de contas, saiu em 2016, apenas dois anos antes, oriundo de uma parceria entre a Remedy e a Microsoft. Esse tempo de intervalo entre um projeto e outro é relativamente curto nos atuais parâmetros da indústria.
E agora, pouco mais de um ano após ser revelado – e três anos totais em relação a Quantum Break –, Control nasce com expectativas divididas e marketing moderado, sem o alarde que outras publishers/desenvolvedoras costumam fazer, quando enfiam, goela abaixo, as “inovações” de mecânicas que estamos carecas de ver – e que, paradoxalmente, acabam dando certo. Clichês existem e são usados aos montes porque costumam dar certo.
A tática da Remedy foi ousada: ela tinha o jogo pronto e, sem as amarras com a Microsoft, buscou uma distribuidora que fosse capaz de apresentar o apelo de seu produto em caráter multiplataforma. A escolhida foi a 505 Games, que assina a publicação de títulos como Bloodstained: Ritual of the Night, Sniper Elite 3, Payday 2, Brothers: A Tale of Two Sons, entre outros.
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O difícil mapa da inovação
Control se pauta em tudo que Max Payne, Alan Wake e Quantum Break fizeram, uma vez que a cartilha da Remedy foi construída nesses jogos. Não podemos nos esquecer de Death Rally, de 1996 – divertidíssimo, diga-se – e de Agents of Storm, um devaneio lançado em 2014 para iOS. O histórico do estúdio finlandês, portanto, conquistou seu merecido status de respeito.
A pergunta que eu me fazia antes de Control sair – e me faço agora, após tê-lo terminado – é: até onde essa fórmula cinematográfica pode ir em nome da inovação e da defesa do segmento multimídia? Consolidado pela Remedy (mas não inventado por ela), o “bullet-time”, mecânica que desacelera a ação, começou a dar sinais de desgaste há algum tempo, e a equipe viu que era hora de fazer novas experimentações para se manter relevante no mercado.
Control tenta retrucar essas demandas de maneira tão efusiva que a Remedy certamente se embananou muito no caminho para esgueirar seus limites. Sabe aquele aluno que ergue o braço para tentar responder a todas as questões do professor? Seja para contestar uma afirmação ou endossá-la? Ou aquele funcionário novo que tenta ser exageradamente prestativo em tudo que faz?
Dia desses, um amigo meu me falou sobre um mantra muito aplicado pelas startups: “Quanto você consegue gerar de impacto usando o mínimo possível?”. Tentar ser muitas coisas de uma vez vai na contramão do minimalismo, embora exista nobreza em ambos os processos. Control está em algum lugar no meio disso.
Narrativa multimídia e inspirações atualizadas – incluindo Hellblade
O gameplay de Control segue a cartilha de luxo da Remedy. Falar bem sobre isso é chover no molhado, mas, antes de dissecar essa porção, vamos à narrativa, que também faz parte dos princípios da desenvolvedora.
Sam Lake, diretor-criativo do estúdio (e também rosto do próprio Max Payne no primeiro título da franquia), mais uma vez escreve a história do novo projeto da Remedy, talvez o mais audacioso até aqui.
Menos Stephen King que Alan Wake e mais fictício que Quantum Break, Control apresenta uma história tão desconexa e viajada que, possivelmente, convida o jogador a dois caminhos de entendimento:
- Ou você embarca nessa viagem e curte e energia pitoresca dela;
- Ou tenta achar lógica em coisas desconexas e, nisso, pode falhar miseravelmente. Recomendo, portanto, a primeira alternativa. Assim você curte o jogo na guinada insólita que a Remedy compulsivamente quer durante as cerca de 15 horas de jornada.
O jogo coloca você na pele da agente Jesse Faden, que explora um departamento de investigação em busca do irmão, desaparecido 17 anos atrás, num caso que, aos olhos da protagonista, foi encoberto pela agência. Tomadas por uma entidade sobrenatural denominada “Ruído”, as forças da instituição são capazes de possuir aqueles que não usarem uma proteção específica.
O problema é discutido abertamente durante o jogo; as pessoas tratam o “Ruído” com seriedade e temeridade. Em tons de “Arquivo X”, “Twin Peaks”, “O Iluminado” e até mesmo “Matrix”, a história, pincelada por inspirações de Stanley Kubrick, Stephen King e o próprio trabalho da Remedy em jogos anteriores, é expandida nos arquivos que você encontra ao longo da aventura, incluindo vídeos em projetores e TVs – com atores reais, filmados (não apenas digitalizados), naquele estilo multimídia presente em todos os títulos da Remedy.
Jesse, aliás, quebra a quarta parede em diversos momentos ao conversar com o jogador enquanto atravessa conflitos da própria mente, com direito a vozes internas e outros devaneios, exatamente como vimos em Hellblade: Senua’s Sacrifice, clara inspiração para a vertente psicológica (ou psicótica) que permeia a jornada da investigadora.
Gameplay brilhante, mas literalmente pausado por problemas técnicos
A Remedy fez algumas escolhas de design interessantes para oferecer um gameplay à altura de seu portfólio. O estúdio ainda teima em não implementar um sistema de cobertura tradicional, com a robustez de um Gears of War ou Uncharted, mas, aqui, os superpoderes de Jesse compensam essa ausência.
A ação de Control é espetacular e absolutamente dinâmica: você precisa estar em movimento o tempo todo durante os tiroteios e deve fazer uso das habilidades à disposição, numa troca constante entre sua arma de fogo e seus dons paranormais, que se alternam entre levitar, erguer rochas que servem como escudo e atirar objetos com telecinésia – Jesse daria orgulho a Eleven, de “Stranger Things”, e aos plasmids de BioShock.
Galeria 1
Outro recurso que existe em prol do dinamismo é a recarga de munição: ela acontece automaticamente, e não a partir de um comando do jogador. É como se fosse uma mecânica de “resfriamento”: se você esvaziar um pente, a recarga demora mais; se souber intercalar entre os tiros e os poderes, sempre terá um cartucho cheio de balas. Control, portanto, quer que você use todas as perícias da agente.
A arma, aliás, funciona como uma espécie de “tentáculo” da protagonista. Trata-se de um único aparato que, ao longo da jornada, ganha novas formas, que se traduzem em metralhadora, lança-granadas, pistola, shotgun e mais. Trata-se de um objeto metamórfico e multiuso que também serve como chave para ativar determinados dispositivos em puzzles ocasionalmente apresentados ao jogador.
O único tempero para amargar esse sabor tão gostoso do gameplay é a queda de quadros por segundo, que, em alguns momentos, passa da barreira de mera diminuição de velocidade e escala aos incômodos gargalos, decorrentes do famigerado “stuttering”, isto é, quando o jogo sofre de rápidas travadas – algumas chegam a durar segundos com a tela toda congelada. “Stuttering”, só para constar, significa “gagueira” em inglês.
Exploração à la metroidvania
Jogos como Diablo, Destiny e The Division fizeram um bem danado à indústria, mas essa mania de enfiar elementos de RPG em tudo, na minha singela percepção, está começando a cansar – ou, trazendo a informação aqui do meu subsconsciente, já cansou há algum tempo. Control, feliz ou infelizmente, não escapou disso.
Sou e sempre serei a favor de experiências que consigam, dentro de um pacote hermeticamente fechado, extrair o que há de melhor no gameplay, mesmo que ele seja roteirizado. Games como Uncharted, Quantum Break e Alan Wake respondem a isso com a medida de equilíbrio que tanto respeito, sem a necessidade de botar firulas que mais enfeitam do que agradam.
Para mim, uma experiência honesta e digna de aplausos é aquela que, dentro do seu pacote, por mais simples e roteirizado que seja, ofereça um grande impacto. É aquela que absorve o mantra contado pelo meu amigo: “Quanto você consegue causar de impacto usando o mínimo possível?”. Menos é mais.
Esse é um dos maiores desafios de qualquer jogo no atual modelo da indústria: oferecer uma progressão orgânica, que justifique a exploração, e não redundante
E não estou, de maneira alguma, dizendo que Control é desonesto, apenas que exagerou na dose. Itens com cor de raridade, looting, áreas com backtracking à la metroidvania: a Remedy exagerou nas firulas e nesses clichês da indústria, com direito a “eventos temporários” que surgem na agência, loot redundante e pouco recompensador. O mapa, aliás, por vezes demora a ser carregado na tela quando você aciona o comando de exibição. Não espere plantas muito bem ilustradas: pode ser que os desenhos mais confundam do que orientem.
Exaustiva, a exploração geralmente resulta em documentos com palavras riscadas por uma marca preta (?) e mods repetidos para as armas – sim, você vai pegar MUITA coisa repetida ao longo da jornada, e isso vai lotar seu inventário, obrigando o jogador a fazer, de tempos em tempos, um pentelho gerenciamento de espaço - por motivos banais, e não por uma causa nobre.
Em outras palavras, você dificilmente vai querer retornar a áreas visitadas e estender sua exploração para ganhar recompensas tão pobres. Esse é um dos maiores desafios de qualquer jogo no atual modelo da indústria: oferecer uma progressão orgânica, que justifique a exploração, e não redundante. É preciso promover bons incentivos para que o jogador sinta vontade de ir além das fronteiras, e Control não acerta em cheio nesse quesito. Há um acerto parcial da fórmula.
É por isso que eu acho que o jogo poderia ser muito mais autoral se não tivesse medo de seguir um esquema roteirizado, e é claro, mantendo a amplitude dos ambientes, também convidando à exploração, também escondendo itens e segredos, também aguçando o senso de curiosidade do jogador. Se às vezes a gente fala em jogo sem sal, Control tem sal demais. Pode ser que você goste dos elementos de RPG e das firulas oriundas de Destiny e The Division, mas eu prefiro um pacote mais fechado e robusto, que seja capaz de me dar um impacto sustentado pelo brilhante gameplay e pela narrativa esmiuçada em mistérios.
Veredito
É até estranho dizer isso, mas Control poderia ser apenas mais...simples. A árvore de habilidades, por exemplo, não é um acréscimo agressivo, mas sim um recurso bem-vindo para qualquer senso de progressão da personagem – é o mínimo necessário, e aqui o jogo faz certinho o dever de casa.
A Remedy tem, como princípio, a competência de saber unir aqueles que, a meu ver, são os dois principais pilares de qualquer jogo: gameplay e narrativa. Control consegue atender a ambos, mas poderia ser mais despretensioso para isso. O estúdio finlandês, talvez preocupado demais em observar os padrões da indústria, quis abraçar muita coisa ao mesmo tempo. E olha só: não precisava, Remedy! Você sabe criar experiências incríveis sem se render a essas soluções preguiçosas da atualidade.
De qualquer forma, Control tem todas as nuances de um jogo assinado pela Remedy – o que inclui visual lindaço, aliás – e, como tal, merece ser experimentado por qualquer fã. Se por um lado houve exagero de sal, por outro há ingredientes que só esse estúdio sabe usar.
Control foi gentilmente cedido pela 505 Games para a realização desta análise.
- Narrativa mais “confusa” do que “complexa”, num bom sentido, e envolta por mistérios contemplados pelo selo de qualidade da Remedy
- Ação espetacular: ótima mistura de tiros e uso dos superpoderes em gameplay cinematográfico
- Apresentação vistosa, elegante, com arte estilizada e conceitos modernos
- Jesse Faden, a protagonista, rapidamente puxa a empatia do jogador
- Quedas de fps com problemas de “stuttering”, isto é, enormes gargalos que às vezes paralisam o jogo por segundos
- Por vezes, o mapa mais confunde do que ajuda e demora a ser carregado na tela
- Recompensas baixas e repetidas não justificam a exploração à la metroidvania
Nota do Voxel