Assassin’s Creed Origins traz fôlego renovado para a série
Mesmo estando entre aqueles que gostaram de Assassin’s Creed: Syndicate, é difícil não admitir que a franquia estava um tanto estagnada quando ele chegou às lojas em 2015. Mesmo com diversas equipes espalhadas pelo mundo, a Ubisoft não conseguiu escapar do fato de que um ciclo anual de lançamentos trazia certas limitações para a evolução de sua fórmula.
Chegando após um “ano sabático”, Assassin’s Creed Origins cumpre bem a tarefa de contar a origem do conflito entre assassinos e templários, ao mesmo tempo em que dá a oportunidade de explorar o Egito antigo na época em que Cleópatra ascendeu ao poder — tudo isso enquanto apresenta um dos protagonistas mais carismáticos e humanos da série.
Acompanhamos a jornada de Bayek de Siuá, uma figura marcada por uma tragédia pessoal que parte pelo mundo em busca de vingança. Ele é um “medjai”, figura que se assemelha a uma espécie de xerife responsável pelo bem dos cidadãos egípcios — obrigação que leva o personagem a se envolver em uma história repleta de disputas de poder, traição e falsas esperanças.
Entre e fique pela história
Uma das maiores qualidades de Assassin’s Creed Origins é o fato de que, ao voltar para o ponto em que a disputa entre assassinos e templários, a Ubisoft conseguiu entregar um roteiro que se livra da grande quantidade de “bagagem” acumulada com o passar dos anos. Isso beneficia tanto os novos jogadores, que não tem que chegar “sabendo tudo” quanto aos veteranos que não aguentavam mais os longos trechos introdutórios explicando as atividades das duas facções.
Bayek e Aya
O maior acerto do jogo é focar na figura de Bayek, que rapidamente se torna um protagonista fácil de se importar. Ele não é somente uma “máquina de vingança” sem personalidade, que não liga para nada além de satisfazer seus desejos — em diversos momentos vemos nele um homem complexo que, mesmo afetado pela tristeza, não deixa de sorrir ao ver um amigo ou passar um tempo se divertindo com crianças.
Em outras palavras, o protagonista não deixa de “viver” para se encaixar em um papel pré-determinado. O resultado disso é um personagem com quem é fácil se relacionar mesmo quando levamos em consideração que nunca vamos escalar uma pirâmide ou adquirir habilidades suficientes para pular de lugares altos sem se machucar.
o protagonista não deixa de “viver” para se encaixar em um papel pré-determinado
Tão protagonista quanto Bayek é Aya, sua esposa: a proximidade entre eles é notável, bem como o distanciamento que aos poucos toma o relacionamento devido à influência de algo muito maior que rodeia a vida desses personagens. Embora os trechos em que dá para jogar com ela sejam curtos, eles têm grande impacto na história do título e devem ser especialmente apreciados por quem ainda se lembra de Assassin’s Creed 2.
Cleópatra
Mantendo a tradição da franquia, Origins traz em seu elenco algumas figuras históricas reais, como o imperador romano Pompeu, Júlio César e Cleópatra. Eles são importantes para o que acontece, principalmente nos momentos finais, mas tendem a desempenhar um papel mais secundário na trama — algo ótimo, já que permite que personagens criados especialmente para o game ganhem um melhor desenvolvimento.
O jogo também traz alguns trechos no futuro e referências à Abstergo, mas eles são bastante curtos e não dependem tanto da estrutura “gato e rato” vista nos jogos anteriores. A impressão que fica é a de que eles estão ali mais para agradar quem acompanha a história desde os tempos de Desmond do que como algo essencial para aproveitar o game.
Minha reclamação quanto à história é o fato de que ela fica um tanto “arrastada” em seus momentos finais, dependendo de um verdadeiro “telefone sem fio” para justificar a busca por novos vilões. A sensação que fica é a de que a própria Ubisoft sabe o quanto esse trecho pode ser desgastante, já que ela incluiu uma conquista chamada “Quase lá” que surge quando você acha que vai finalizar a história, mas ainda tem algumas horas de jogatina pela frente.
Assassin’s Creed: Wild Hunt?
A série Assassin’s Creed já havia flertado com elementos de RPG no passado, mas nunca abraçou tanto as mecânicas do estilo quanto em Origins. Em alguns momentos lembrando títulos como The Witcher 3: Wild Hunt, o título dá grande importância ao nível de seu personagens, suas estatísticas de ataque e defesa e ao dano causado aos inimigos — que agora é representado de forma numérica.
Isso não significa que a Ubisoft se esqueceu dos elementos que marcaram a série, mas sim que eles foram transformados e adaptados para se encaixar no novo molde. Ou seja, você ainda vai escalar estruturas e preparar emboscadas para atacar furtivamente seus inimigos — só que agora eles podem não morrer “de primeira” caso você não tenha evoluído bem sua lâmina oculta.
Felizmente, o game possui um sistema de progressão bastante recompensador e que cumpre bem o papel de fazer com que você sinta que está evoluindo constantemente. Conforme o jogador mata inimigos, abre baús e cumpre objetivos, armamentos mais fortes surgem por seu caminho, bem como recursos que podem ser usados para fortalecer o que você já tem.
o game possui um sistema de progressão bastante recompensador
Nos ferreiros espalhados pela cidade é possível evoluir o nível de suas armas, garantindo que não será preciso abrir mão daquela espada com poder de envenenamento que você tanto usa. No entanto, esteja preparado para investir uma bela quantidade de moedas caso deseje evoluir os equipamentos considerados raros ou únicos.
Como aconteceu em outros jogos da série, Assassin’s Creed Origins também apresenta um sistema de microtransações baseado na moeda “Helix”. No entanto, isso não chega a ser exatamente um problema: o game só fala sobre isso uma única vez e nunca obriga você a ter que “abrir a carteira” para conseguir passar de alguma parte difícil ou para sentir que tem itens bons o suficiente.
Um combate mais exigente
A Ubisoft também promoveu mudanças radicais no sistema de combate e na maneira como seu personagem evolui. As batalhas não estão com um nível de dificuldade “impossível”, tampouco tem tanta profundidade quanto aquela famosa série de aventura da From Software — no entanto, esqueça a possibilidade de depender daquele velho esquema de “apertar o botão de contra-ataque várias vezes até ganhar”.
Embora a maior das lutas seja resolvida no esquema “bata com sua espada/machado/lança até o adversário cair”, há certo grau de versatilidade na maneira como você pode lidar com certas situações. Você pode criar uma verdadeira “máquina de combate” capaz de derrubar vários inimigos rapidamente, ou apostar em um personagem mais furtivo que usa corpos envenenados como armadilhas para destruir grandes grupos.
No meu caso, preferi apostar em uma mistura entre habilidades furtivas e aqueles que me possibilitavam atirar flechas com precisão a longas distâncias. No entanto, fora algumas habilidades essenciais (como a de passar o tempo rapidamente), sinto que não há um “caminho certo” a seguir e a aposta em diferentes caminhos proporciona doses similares de diversão.
Muito a fazer
Assassin’s Creed Origins é um jogo imenso e dá para gastar alguns dias (ou semanas) só explorando tudo o que ele tem a oferecer. Apesar de existirem aquelas “atividades-padrão” que se repetem em todas as cidades (encontre o pergaminho no templo ou mate os guardiões da guarnição local, por exemplo), há variedade suficiente para evitar que você se sinta que está somente riscando itens de uma lista de tarefas.
Nas minhas 30 horas de jogo (dedicadas principalmente a terminar a história principal), me deparei com opções que incluem corridas de biga, caçadas em busca de recursos (malditos leões), momentos de exploração de tumbas e quebra-cabeças envolvendo o alinhamento de estrelas — e muito mais.
Também há trechos de batalhas navais (menos abrangentes que os de Assassin’s Creed 4, infelizmente) e batalhas contra inimigos especialmente poderosos que estão caçando Bayek pelo mapa. Mesmo após chegar ao fim da história, ainda havia muito a fazer e cantos do mapa que sequer havia explorado — ou seja, quem gosta de fazer 100% em seus jogos tem material suficiente para dedicar pelo menos o dobro do tempo necessário para finalizar a história.
Os dois anos de desenvolvimento fizeram bem tanto à variedade oferecida pelo título quanto para a sua apresentação
Os dois anos de desenvolvimento fizeram bem tanto à variedade oferecida pelo título quanto para a sua apresentação visual. Esse é o mundo aberto mais bonito que a Ubisoft já construiu em toda a sua história, e não é preciso ter um PC de última geração ou o novo Xbox One X para perceber isso.
Jogando em um PlayStation 4 normal (o primeiro modelo FAT), já deu para notar a grande quantidade de detalhes que a Ubisoft colocou nos personagens e em cada cenário pelo qual você passa. Tudo bem, há algumas estruturas repetitivas e NPCs reaproveitados, mas isso não chega a incomodar quando levamos tudo em consideração.
Problemas sempre existirão
Infelizmente, a atenção dada aos ambientes e ao desenvolvimento de personagens não se reflete na qualidade da dublagem em português. Os atores que trabalharam no game até parecem ter se esforçado, mas o resultado final não é nenhum pouco agradável: frases são ditas em ritmo estranho ou com uma tradução mal feita, gerando um estranhamento.
Essa sensação de que algo está errado é ainda maior quando você tem a oportunidade de ouvir o trabalho de voz original. Em português, Bayek perde qualquer sinal de seu sotaque e muito da emoção necessária à sua construção como personagem — sim, a tradução faz com que ele se transforme em uma figura um tanto diferente daquela que a Ubisoft planejava apresentar.
O mais estranho disso tudo é que a empresa havia se tornado conhecida por fazer bons trabalhos de adaptação, o que torna a situação ainda mais estranha. A não ser que você não goste mesmo de legendas, recomendo jogar com o áudio original para não se irritar com a baixa qualidade do trabalho realizado.
Origins também traz alguns bugs bastante característicos de experiências em mundo aberto, mas eles surgem de forma tão pontual que não se tornam realmente um problema. A única vez que me irritei com algum deles foi quando falhei numa missão porque os diálogos que levavam a ela não iniciaram — felizmente, ainda era possível carregar o checkpoint anterior para tentá-la novamente.
Também me deparei com inimigos que desistiram de me perseguir e com um chefe que ficou preso em uma moita, se tornando um alvo fácil para minhas flechas. Mesmo que isso tenha incomodado, o fato de que só consigo me lembrar desses exemplos após 30 horas de jogo mostra que, no geral, a Ubisoft fez um trabalho competente e que não é prejudicado pelas falhas técnicas que apresenta de vez em quando.
Vale a pena?
Tirar um ano de folga fez muito bem para Assassin’s Creed, que apresenta um fôlego renovado em Origins. A Ubisoft cumpriu bem a missão de manter os elementos que ajudaram a popularizar a série ao mesmo tempo em que abandonou mecânicas que não funcionavam mais e “emprestou” elementos que se mostravam atrativos em outros games.
Tudo bem, o game dá uma “forçada de barra” com algumas figuras históricas e tem um final arrastado, mas o resultado final é bastante positivo. Quando você acha que as missões estão ficando repetitivas, o game coloca em seu caminho uma tarefa totalmente diferente ou uma cena legal que faz você redobrar a vontade de conseguir a vingança de Bayek.
Origins é a prova de que a franquia está “de volta aos eixos”
Há um ou outro bug aqui e ali, mas há tanta variedade de coisas a fazer e lugares para visitar que você vai se esquecer disso rapidamente. Quem procura uma bela experiência de mundo aberta repleta de conteúdos e personagens interessantes não precisa procurar em outro lugar: Origins é a prova de que a franquia está “de volta aos eixos”, se mostrando um bom ponto de entrada para novos jogadores e uma experiência recompensadora para quem se considera um veterano na franquia.
Categorias
- Ótimos protagonistas
- O Egito é muito bem aproveitado pela Ubisoft
- Um mundo aberto bonito e repleto de atividades
- Roteiro envolvente e que mostra personagens complexos
- Sistema de combate mais desafiador e interessante
- Os momentos finais do jogo se arrastam um pouco
- Alguns bugs impediram o avanço em missões
- A dublagem nacional decepciona pela baixa qualidade
Nota do Voxel