Anthem tem ideias boas, mas traz a cara de um game incompleto
A videoanálise de Anthem já está em produção e será adicionada em breve
Anthem marca uma quebra de tradição para a BioWare. Embora já tenha se aventurado em modos multiplayer e até mesmo no universo dos MMOs, a empresa nunca havia apostado suas fichas no sistema conhecido como “games como serviço” e no universo dos “loot shooters”, aquele tipo de game em que o final da história é somente o começo de uma busca incessante por equipamentos cada vez maiores.
O resultado é misto: ao mesmo tempo em que a qualidade de produção digna de um triplo A está aqui, muita coisa ainda parece incompleta. Para cada elemento gráfico impressionante, temos um problema de desempenho, para cada ideia bem implementada para a jogatina em grupo, temos outra que prejudica o entendimento da história — e assim em diante.
Jogar Anthem é como estar em um teste: tanto um do jogo em si, que pode ficar muito bom se a BioWare se dedicar a atualizá-lo, quanto um de paciência, por ter que lidar com questões que pareciam já ter sido superadas por outros títulos do estilo, como Destiny e The Division.
Universo incompleto
O universo de Anthem é um reflexo de sua estrutura de gameplay e história. Em um mundo deixado de lado por seus criadores antes de ser finalizado, a humanidade tem que lidar com cataclismas constantes e eventos possivelmente catastróficos desencadeados por artefatos misteriosos que mesmo os maiores sábios ainda não dominam totalmente.
Enquanto o jogo se concentra na região de Bastion, que abriga o Forte Tarsis — sua casa e base de operações —, o principal elemento se localiza em outra região, conhecida como “Cerne da Ira”. Esse local perigoso é fruto da invasão que uma força maligna conhecida como “Dominion” fez da cidade de Freemark, que foi destruída quando um artefato misterioso que estava escondido foi acionado.
Sua missão principal é encerrar as atividades do Cerne da Ira, garantindo que o Dominion não vai encontrar os meios para dominá-lo. No meio tempo, o jogador vai cumprir diversas missões paralelas, encarar traições e encontrar velhos colegas do passado em uma trama que, se tem seus momentos interessantes, peca um pouco pelo ritmo.
A BioWare falha ao estabelecer a linha do tempo de alguns eventos durante suas cenas principais
O problema principal é que, de tudo o que eu expliquei, boa parte só consegui compreender ao ler partes do extenso codex do jogo e de algumas wikis especializadas nele. A BioWare não somente falha ao estabelecer a linha do tempo de alguns eventos durante suas cenas principais, como também não é muito boa em explicar conceitos que se mostram centrais para o desenvolvimento da trama.
Somando isso a um vilão principal mal desenvolvido e a eventos importantes que acontecem fora da tela, temos uma história que pode ser considerada fraca para os padrões da desenvolvedora, mesmo que as conversas com os NPCs sejam bem escritas. Também não ajuda o fato de que a forma como ela é contada conflita totalmente com a intenção do game, que é oferecer uma experiência multiplayer.
A maior parte dos eventos acontece em Forte Tarsis, localização em que o game assume uma perspectiva em primeira pessoa e parece uma experiência single player. Lá, você vai estar essencialmente preocupado em interagir com NPCs e acompanhar seus diálogos, algo que não é muito fácil ou bom de fazer quando alguém está falando com você no Discord.
O resultado disso é que a melhor maneira de aproveitar a história de Anthem é jogando sozinho, algo que vai contra sua proposta de ser um game multiplayer para compartilhar com os amigos. A não ser que você não se importe com a trama, acaba sendo melhor encarar as missões com pessoas aleatórias até o momento no qual a história acaba e o endgame começa.
Gameplay com acertos e tropeços
Enquanto a trama de Anthem não é seu ponto forte, seu gameplay tem algumas ideias bem interessantes. A principal deles é a capacidade de voar durante tempo limitado, que garante uma verticalidade para a exploração e o combate que não é vista em outros games do estilo. Isso ajuda o combate a se tornar bastante dinâmico, permitindo que você se aproxime dos inimigos (ou fuja deles) com bastante facilidade.
Outro ponto em que acredito que a BioWare acertou foi em permitir que o jogador use todas as quatro lanças (que funcionam como classes) em um único save. Isso permite experimentar sem grandes problemas os diferentes estilos de jogo oferecidos por cada uma delas, que podem variar bastante dependendo do tipo de equipamento usado.
Anthem deixa de lado sistemas de níveis tradicionais, colocando em seus itens a responsabilidade de definir os tipos de golpes que você pode usar. Um interceptador (classe que mais usei), por exemplo, pode ter granadas que causam dano de veneno ou trocá-los por estrelas que causam dano de gelo.
Anthem deixa de lado sistemas de níveis tradicionais, colocando em seus itens a responsabilidade de definir os tipos de golpes que você pode usar
Da mesma forma, um ataque físico que transforma os inimigos em bombas-relógios pode ser trocado pela projeção de uma aura que causa dano físico a um máximo de três adversários. As opções disponíveis possibilitam criar estratégias de game variadas e que devem levar em consideração a maneira como o resto do seu time joga — certos elementos funcionam de forma sinérgica e, se combinados durante as batalhas, são capazes de causar imediatamente uma imensa quantidade de dano.
Infelizmente, essa dependência do loot prejudica o game em longo prazo devido à maneira como a BioWare configurou o jogo. Quando você pega um item, não há como ver suas características na hora: é preciso esperar que a missão seja completada para, somente após voltar à base, descobrir se ele vale ou não a pena.
Isso se torna especialmente frustrante durante o endgame, quando você descobre que o jogo não é muito generoso em dar itens de nível alto e, quando eles surgem, são grandes as chances de serem repetidos, com uma outra especificação variável. Somando isso ao fato de que não há muito motivo para acumular poder além de repetir as duas fortalezas disponíveis no momento e ao modelo repetitivo das missões, se torna difícil justificar continuar jogando o game após o final de sua história no momento atual.
Esta análise foi escrita após a atualização do dia 9 de março, que melhorou um pouco o loot para quem já atingiu o nível 30 e aumentar o nível geral dos equipamentos já disponíveis. Embora isso tenha ajudado a diminuir um pouco os problemas de Anthem, a solução não foi o suficiente para diminuir a sensação de que falta conteúdo para justificar a proposta do jogo de ser uma aventura ao qual você deve se dedicar constantemente.
Problemas técnicos de montão
Enquanto o gameplay de Anthem tem alguns problemas, que são compensados por algumas qualidades, fica mais difícil ignorar as diversas questões técnicas que o game apresenta. A BioWare pode até ter diminuído a duração dos loadings do game, mas a frequência com que eles surgem continua sendo irritante.
Desde o momento em que você inicia o game, é preciso encarar pelo menos quatro carregamentos antes de entrar em uma missão, se você pretende ajustar seu equipamento antes disso. Durante a missão, também é grande a chance de que você tenha que entrar em uma caverna ou outra área interna, o que implica em mais um carregamento (e outro adicional caso você tenha que sair do lugar posteriormente).
Outra questão frequente, que é tanto técnica quanto de game design, são os avisos que surgem quando você se afasta de seu grupo ou não segue o caminho determinado pela missão. Isso é irritante tanto pelo fato de que a BioWare não deixa que você explore o grande mundo que criou quanto pela maneira como o contador aparece: muitas vezes, você está literalmente do lado de sua equipe quando o aviso (que tapa o medidor de aquecimento de sua lança) surge.
Desde o momento em que você inicia o game, é preciso encarar pelo menos quatro carregamentos antes de entrar em uma missão
O problema se torna ainda maior quando você decide se unir a uma missão em andamento: em muitos casos, fui jogado em um lugar no qual não teria como chegar à minha equipe no tempo oferecido pelo contador. O resultado foi que, quando ele chegou ao fim, tive que encarar mais uma tela de loading antes de realmente conseguir jogar.
Isso não acontece no modo de exploração livre, no qual todo o mundo está aberto para navegação sem nenhum loading. No entanto, ao entrar aqui parece que temos em mão um universo vazio, no qual você vai ficar voando durante vários minutos antes que um evento especial surja. Nesses casos, é bom ter confiança em sua habilidade de jogar sozinho, já que os outros navegantes do mapa geralmente vão estar bem distantes quando o perigo surgir.
Outros problemas técnicos mais graves se referem ao desempenho do game: joguei ele primariamente em um PC com especificações atualizadas (Core i5 8600K, GeForce RTX 2080, 16 GB de RAM) e instalação em um SSD, e nem mesmo isso garantiu uma experiência estável. Embora tenha conseguido manter uma taxa de frames acima de 60, ela variava em 20 a 30 quadros dependendo da cena — a feira principal de Forte Tarsis foi uma área constantemente problemática para o desempenho.
Também tive problemas de ser desconectado em meio a uma missão (algo raro, felizmente) e do som do jogo simplesmente desaparecer até que ele fosse reiniciado. Também foi bastante comum entrar em uma missão para descobrir que não haveria como progredir nela, pois o indicador do próximo passo não havia sido carregado corretamente.
Quando tudo isso se torna frequente o bastante a ponto de ser esperado, se torna compreensível que alguém não tenha a paciência necessária para continuar insistindo no game. Enquanto a BioWare não corrigir isso (e aprimorar o desempenho nos consoles), entendo o motivo para muitos compradores não terem vontade de entrar no game e para que aqueles curiosos decidam adiar uma compra diante de tantos relatos negativos.
Um game incompleto
Ao jogar Anthem, a sensação que fica é a de que temos em mão um game que tem o potencial de ser muito bom daqui há um ano — mas é somente pouco além do mediano agora. O game tem ideias legais e alguns acertos, mas, em geral, parece ser um produto que não aprendeu muito com as lições que games como Diablo 3, Destiny e The Division trouxeram ao mercado.
Tudo bem, a BioWare e a Electronic Arts prometeram atualizações e já ofereceram um plano de 90 dias para aprimorar a história e a estrutura de missões. No entanto, por mais que seja possível arrumar algumas questões (embora algumas, como a presença dos loadings, sinto que sejam integrais à forma como o jogo foi construído), não estamos avaliando o game como ele pode ser no futuro, mas sim no momento atual.
Ao jogar Anthem, a sensação que fica é a de que temos em mão um game que tem o potencial de ser muito bom daqui há um ano — mas é somente pouco além do mediano agora
Diante disso, o que tenho a dizer é que Anthem é um game que saiu incompleto. Faltam atividades atraentes para seu endgame, a caçada por loots cada vez mais poderosos não é muito atraente e há problemas técnicos demais em todas as plataformas. Diante de um cenário no qual há competidores mais ricos em conteúdo e com menos questões de desempenho, fica difícil justificar porque você deveria jogar o game da BioWare e não eles.
No futuro, essa pode ser mais uma história de um game com lançamento problemático, mas que, daqui há 6 meses ou 1 ano, pode se tornar realmente bom — algo que até No Man’s Sky conseguiu. No entanto, no momento atual, somente os fãs mais hardcore da desenvolvedora vão encontrar motivos para continuar voltando ao jogo após finalizar as partes de história disponíveis atualmente.
- Uma apresentação com visual extremamente atraente que testa os limites da geração atual
- Personagens com diálogos bem escritos que compensam as opções limitadas dadas aos jogadores
- Uma verticalidade de exploração e combate que não havia sido vista anteriormente no gênero
- A ideia de condicionar habilidades aos equipamentos é interessante
- Podemos usar todas as lanças com um único save, o que facilita experimentar as classes oferecidas
- Desempenho instável tanto no PC quanto nos consoles de mesa
- Sistema de loot pouco recompensador
- Pouco conteúdo de endgame, que é marcado pela repetição de poucas missões
- A história é interessante, mas é contada de maneira confusa e tem propensão a não contar detalhes importantes
- Diversos problemas técnicos, que vão de desconexões a missões que não carregam os próximos objetivos
- Loadings frequentes que quebram bastante o ritmo do game
- A maneira como a história é contada conflita com a intenção de oferecer uma experiência multiplayer
Nota do Voxel