Quem nunca se deparou com um personagem andando incessantemente contra uma parede, como se tentasse atravessá-la? Ou um adversário caminhando lentamente a seu lado em vez de atacá-lo? Ou ainda, um NPC aliado jogando fora um item de suma importância para o andamento da aventura?
Há uma semelhança entre todas as situações citadas acima. Todas são causadas por uma inteligência artificial mal programada, ou por bugs na programação deste tipo de recurso. Alguns dos efeitos causados podem até ser engraçados, mas, em certos casos, podem estragar completamente a experiência com um game.
Mas o que é inteligência artificial?Conheça o básico dessa tecnologia
Por definição, a inteligência artificial, ou simplesmente IA, é a forma como um computador é programado para resolver problemas (ou pelo menos tentar fazer isso) de forma racional. Basicamente, é programá-lo para reagir, pensar e se comportar da forma mais parecida possível com um ser humano.
Vista com muita descrença no início de seus estudos, em meados dos anos 50, a inteligência artificial ganhou reconhecimentos aos poucos e hoje é considerada uma ciência por si só. Nos games, ela é aplicada como uma das formas de simular uma experiência o mais próxima possível do real e é a principal responsável pelo desafio (ou a falta dele) proporcionado por um jogo.
Basicamente, uma inteligência artificial é criada por meio da programação de uma série de condições, às quais é determinada uma reação específica. Certos algoritmos, por exemplo, permitem ao computador buscar alternativas ideais para as condições pré-configuradas. Por exemplo, a IA é capaz de determinar se, em determinado momento, o ideal é saltar sobre um obstáculo ou dar a volta ao redor dele, de acordo com os movimentos efetuados pelo jogador e uma série de variáveis como terreno e nível de ameaça, apenas para citar alguns.
“Uma inteligência artificial deve ser como um ser humano jogando tênis com seu chefe: ganhar, mas não de muito, e perder sem parecer que está entregando o jogo”, afirma Tarqüínio Teles, presidente da Hoplon, em entrevista ao podcast do site Jovem Nerd. O estúdio é responsável pelo MMO Taikodom, um dos principais jogos desenvolvidos no Brasil.
Para Teles, programar a IA é fácil, mas isso faz com que a máquina seja perfeita e infalível. O desafio é balancear a programação de forma que o jogador possa participar da ação. “É um processo de tentativa e erro, que envolve reduzir a velocidade da CPU e torná-la menos perceptiva ao ambiente, por exemplo. É, basicamente, deixá-la mais burra.”
Bons e maus exemplosComo a inteligência artificial pode afetar o desempenho de um jogoDesde 2007, o site AIGameDev.com, dedicado ao desenvolvimento da inteligência artificial nos games, premia anualmente os jogos que se saíram melhor neste quesito. Em 2009, o grande vencedor foi Killzone 2, FPS desenvolvido pela Guerrilla.
O game de ação traz uma dinâmica muito boa entre os NPCs, que são capazes de trabalhar em grupo e reconhecer objetos pelo cenário. Outro aspecto interessante é que os personagens controlados pelo computador são capazes de reconhecer quando estão em perigo e quais objetos funcionam como bons esconderijos, utilizando-os para disparar contra o jogador.
Mas um game que sempre vem à cabeça quando se fala em boas inteligências artificiais é Left 4 Dead. Apesar de ter uma jogabilidade principalmente voltada para o online, o jogo conta um modo offline muito bom, principalmente devido à ótima experiência com os parceiros controlados pelo computador.
Os companheiros são capazes de detectar quando o jogador está passando por necessidades e ajudá-lo da maneira devida. Também são capazes de detectar estratégias inimigas e criar suas próprias, evitando ao máximo ser atacado. Quando estão em perigo, porém, os NPCs zelam apenas pela própria pele, mesmo que isso signifique deixar o jogador à própria sorte.
Apesar de existirem muitos games com usos muito bem feitos da inteligência artificial, os casos em que esta tecnologia é utilizada de forma insatisfatória são bem mais comuns. Um dos games notórios por falhar miseravelmente neste quesito é Resident Evil: Outbreak, ramificação online da série de terror da Capcom.
O fato do game ter sido pensado especificamente para a experiência online não é desculpa para deixar a IA de lado, como Left 4 Dead fez questão de provar. Em RE: Outbreak, não é comum ver companheiros atacando chefes de fase com uma faca, ou utilizando itens de cura ao sofrerem danos leves enquanto o personagem controlado pelo jogador está agonizando no chão.
Jogos consagrados também sofrem com problemas de inteligência artificial que, se não tornam a experiência risível, pelo menos fazem com que ela passe longe de ser realista. O principal exemplo disso é a série Metal Gear Solid e seus soldados. Baseado em movimentação furtiva, o game exige que o jogador passe discretamente pelos locais, sem ser visto pelos guardas.
Caso Snake seja encontrado, alarmes soam e diversos soldados aparecem para matar o espião. Quando o personagem se esconde e não é mais localizado, porém, o alerta chega ao fim e os esquadrões voltam a sua rotina normal, como se nada tivesse acontecido e o problema estivesse resolvido. Só que o agente continua ali, rondando a área.
Batman: Arkham Asylum resolveu este problema em partes, adicionando uma espécie de sistema de stress aos guardas. Apesar de ainda voltarem aos seus postos normalmente após um alerta sobre a presença do Morcego, os inimigos se tornam mais atentos e, muitas vezes, chegam a atirar apenas ao enxergar de relance a presença do herói.
Evoluindo a inteligência artificialComputadores cada vez mais humanosUma das grandes promessas de inovação do conceito de inteligência artificial foi FIFA 11, game de futebol que prometeu emular o comportamento dos atletas em campo de maneira fiel, investindo em IAs individuais. A mesma coisa foi feita em F1 2010, em que os pilotos se comportam exatamente como nas pistas do mundo real. Esta é uma tendência crescente no mundo dos games, mas, apesar disso, não é o principal foco de desenvolvimento para as produtoras.
A ideia agora é aprimorar a forma como os parceiros controlados pelo computador interagem com o jogador, tornando os jogos ainda mais consistentes. “Os usuários não são previsíveis”, afirma Remco Straatman, líder de desenvolvimento em IA da Guerrilla, em entrevista ao Gamespot. Segundo ele, os comportamentos de um gamer são erráticos e não há um padrão definido para jogabilidade.
Quando se conta com a ajuda de um parceiro controlado pelo computador, as expectativas em relação a ele são bem maiores em comparação com um inimigo. Enquanto espera-se que o oponente apenas atire no jogador, um aliado deve se manter longe da linha de fogo, auxiliar quando for preciso e lutar de forma consistente contra os adversários.
Para Matt Titelbaum, um dos engenheiros de software responsáveis pelo desenvolvimento de F.E.A.R. 2, o objetivo não deve ser criar inteligências que se comportem mais como seres humanos, e sim, que se relacionem com estes de forma mais adequada. “NPCs devem mostrar emoção e motivação não apenas por meio de diálogos, mas também interagindo com o ambiente, outros personagens e com o próprio jogador”. A afirmação também foi feita em entrevista para o Gamespot.
Segundo ele, as IAs devem agir de maneiras plausíveis, de acordo com o papel que possuem no game. “Elas podem até ter a capacidade de agir como um humano, mas não precisam necessariamente executar tarefas como e quando uma pessoa faria o mesmo.”
Adrian Laubisch, presidente da Aiyra, empresa que está prestes a lançar o título Guardião para Xbox 360, discorda dessa visão. Para ele, o desafio real é fazer com que a máquina pense exatamente como um ser humano, tornando-a verossímil. Segundo ele, a evolução da inteligência artificial não está no aumento da quantidade de condições possíveis programas, e sim em uma maior diversidade na quantidade de reações possíveis.
Também em entrevista ao podcast do site Jovem Nerd, Laubisch apostou em um conceito chamado de rede neural. O sistema funciona por meio de ligações e permite ao computador aprender com as próprias ações, como erros e reações que funcionaram. Assim, a máquina seria capaz de tomar as decisões seguintes com mais propriedade, e agir de forma cada vez mais acertada.
O conceito funciona basicamente como a mente humana, que assimila de forma intuitiva o que deu certo ou não, e armazena essas informações para futuras referências. Leigos (ou não) chamam isso de “experiência de vida”. A tarefa, porém, não é simples. Segundo Laubisch, o desafio é a criação de uma máquina capaz de analisar as situações de maneira profunda e complexa como um ser humano.
Seja qual for o caminho, em uma coisa todos os desenvolvedores de games devem concordar: se existe a perfeição em termos de inteligência artificial, ainda estamos bem longe de atingi-la.
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