A relação entre jogos e violência é tão antiga quanto problemática. O assunto já gerava polêmica há mais de 30 anos, quando títulos de NES e Master System traziam conteúdos que muitas pessoas consideravam impróprios para seus filhos. Em um período em que as imagens eram um aglomerado de pixels de difícil compreensão, o medo com o que era visto na tela da TV já era presente.
No entanto, o tema voltou a ser discutido nos últimos meses após o governador do estado americano da Califórnia, Arnold Schwarzenegger, tentar criar uma lei contra esse tipo de material. A proposta apresentada proibia a venda e locação para menores de games considerados violentos, o que fez com que a mídia em geral novamente voltasse a atenção aos consoles e ao impacto que eles têm na juventude.
Contudo, não é de se estranhar tamanha preocupação. A valorização da violência nos títulos mais atuais é perceptível e muito mais recorrente – e fundamental – do que acontecia nas gerações anteriores. A brutalidade de Kratos, por exemplo, é a máquina de fazer dinheiro da Sony, enquanto a temática da vida criminosa é o que faz séries como Grand Theft Auto e Mafia serem o que são hoje: verdadeiros sucessos dos video games.
Os jogos citados são apenas pequenos pontos de um contexto muito maior em que, assim como o cinema, a temática deixou a inocência de lado para explorar assuntos mais sérios e pesados. Essa tendência, porém, pode ser determinante para a indústria do entretenimento, sobretudo a de games.
Enquanto as desenvolvedoras abusam da fórmula “atirar, cortar e matar” para gerar novos lucros, os títulos mais “ingênuos” perdem espaço. Isso significaria que a violência tornou-se indispensável aos jogos a ponto de ser a única forma de emplacar novos sucessos?
Violência como autoafirmaçãoPorque os video games também cresceram“Isso é coisa de criança!”. Se você é gamer, certamente já deve ter ouvido esse tipo de crítica de algum parente ou conhecido. Assim como os quadrinhos e as animações, os consoles ainda sofrem com o estereótipo de serem produtos destinados a um público infantil.
Dessa forma, títulos como God of War, Manhunt e o recente Splatterhouse utilizam a violência exagerada para mostrar que os jogos também são entretenimento para adultos, como uma espécie de autoafirmação. Basta lembrar o polêmico vídeo divulgado durante o lançamento de Call of Duty: Modern Warfare 2, em que um grupo terrorista invadia um aeroporto e matava civis desarmados de maneira brutal.
Porém, já na época do NES era possível perceber uma tentativa de conquistar o público mais maduro. O jogo Contra, por exemplo, trazia dois personagens que enfrentavam alienígenas com uso de armamento bastante pesado. Além disso, a capa trazia em sua arte a figura dos protagonistas caracterizados como dois ícones do cinema de ação da época: Sylvester Stallone e Arnold Schwarzenegger.
O realismo das novas plataformas apenas favorece esse aspecto e mostra que jogos e cinema estão cada vez mais parecidos. O que difere as cenas de batalha vistas em Modern Warfare e no longa-metragem “Guerra ao Terror”, ganhador do Oscar de melhor filme em 2010?
Porém, a relação entre realismo e violência neste caráter autoafirmativo não é exclusividade dos consoles desta geração. Desde a época dos arcades isso já era presente, sobretudo com títulos como Mortal Kombat e Killer Instinct, que mais tarde chegaram ao SNES e conquistaram uma legião de fãs por trazer confrontos com muito sangue.
Por mais que o gênero luta sempre tivesse o combate como foco principal, esses dois jogos se diferenciavam por trazer um visual muito mais próximo do real e cenas de extrema brutalidade. Tanto que a série protagonizada por Scorpion e Sub-Zero ficou marcada exatamente pela presença dos “Fatalities” e “Brutalities”, em que os inimigos eram destroçados das mais variadas formas.
Com o surgimento do Playstation e dos gráficos tridimensionais, a utilização da violência passou a ser ainda mais recorrente. Games como Legacy of Kain: Soul Reaver e Carmageddon aumentaram sua popularidade, mas sempre indicados para maiores de 17 anos pelos órgãos de classificação etária do mundo inteiro.
Já com o lançamento de Grand Theft Auto, um novo tipo de violência passou a ser destacada nos jogos: a social. Problemas presentes (e escondidos) em todas as sociedades viraram o tema principal da série e conquistaram uma grande parcela do público, como se fosse uma forma de dizer que nem todo o conteúdo é desenvolvido para as crianças e que adulto também joga video game.
O meio termoBraços nem sempre precisam ser arrancadosUm dos principais argumentos de quem vê a violência como elemento obrigatório é de que sempre há um inimigo a ser derrotado. Assim, independente da forma com que isso é apresentado, a queda do adversário pode ser vista como uma agressão.
O problema, contudo, não está no ato de vencer, mas na forma com que isso é feito. Basta comparar um jogo da franquia Super Mario Bros. com God of War. Enquanto no primeiro os Goombas viram fumaça ao serem pisoteados, Kratos faz questão de dividir os monstros mitológicos em várias partes com as próprias mãos.
Por mais que o game traga batalhas e a morte de inimigos, a presença da violência só é perceptível (e incômoda) se a intenção for realmente evidenciá-la. Lembre-se dos desenhos animados antigos, em que os personagens faziam perseguições com facas e armas, mas sempre em um tom “infantilizado” e que tornava aquilo secundário e banal.
Um exemplo bastante significativo disto é a franquia Dragon Quest. Sucesso absoluto no Japão, ela traz os protagonistas armados, mas com um visual próximo do cartoon para os protagonistas e vilões. Assim, por mais que haja um espaço para o uso da brutalidade, ele é apagado pelo modo com que tudo é apresentado.
É o que também acontece com The Legend of Zelda. Mesmo que Link ataque sempre com uma espada, a violência é praticamente inexistente, pois a forma com que os combates são apresentados dispensa o exagero de sangue. Além disso, os gráficos realistas adotados nos últimos games da série também mostram que a agressividade não é regra neste quesito e que ainda é possível trazer conteúdo “inocente” nas novas gerações.
Outro título que se encaixa neste quesito é Final Fantasy, que utiliza enredos sérios para substituir o banho de sangue. Por mais que os personagens estejam equipados com lâminas e armas de fogo, a intensidade dramática ainda é o grande foco. A morte de Aerith, em Final Fantasy VII, é o maior exemplo disso. Mesmo tendo sofrido um golpe fatal no decorrer da trama, sua queda e a reação de seus amigos têm muito mais destaque do que a espada atravessando-lhe o peito.
Para a família todaAinda existe esperança para os games?Isso significa que, mesmo em menor escala, a violência é obrigatória em qualquer jogo? Pelo contrário. Sem contar os títulos desenvolvidos voltados exclusivamente para diversão casual (esportes, danças e mini games), ainda há espaço para títulos que abusam da inocência para cativar públicos de todas as idades.
Mario e Sonic ainda são exemplos disso. Desde a época dos games 8-bits, as duas mascotes trazem aventuras livre de elementos agressivos e ainda hoje fazem sucesso. Os recentes Kirby’s Epic Yarn e Donkey Kong Country Returns apenas corroboram isso, assim como os Sackperson de LittleBigPlanet, que conseguiram criar um universo incrivelmente divertido sem cortar ou matar ninguém.
Porém, com exceção dos jogos de plataforma, ainda é complicado encontrar uma alternativa totalmente livre de violência, mesmo quando ela é representada de maneira branda. Entretanto, isso não significa que não exista.
É o caso de Flower, título lançado na PSN em que você controla pétalas de flores carregadas pelo vento com o sensor de movimento do joystick. O jogo foi considerado um sucesso exatamente pela proposta inédita e prova que é possível desenvolver ideias criativas para os consoles livres de qualquer tipo de brutalidade.
A série Pokémon também é famosa por oferecer diversão a pessoas de todas as idades sem apelar para a violência. Apesar de existirem batalhas no contexto da história, a animação utilizada é leve e ameniza os ataques, tanto que em muitos momentos você esquece que eles estão lutando de verdade.
Além disso, para provar que nem sempre sangue é sinônimo de dinheiro, basta ver o sucesso que cada um desses jogos e franquias obteve. Em tempos em que a violência é tão valorizada, as desenvolvedoras que optam por games mais leves apostam em alternativas inovadoras.
O maior exemplo disso talvez seja Braid. Produzido por um estúdio independente, o título trouxe ao gênero de plataforma um enredo muito mais intenso e com elementos de jogabilidade que chamaram a atenção até mesmo dos jogadores mais hardcores. Tudo isso sem derramar uma gota de sangue.
Sendo assim, ainda que a violência nos video games tenha se tornado um elemento quase onipresente em propostas mais realistas, ela não é obrigatória para determinar se um jogo será ou não um sucesso. No entanto, é preciso lembrar que o inverso também é verdadeiro, ou seja, a brutalidade não transforma qualquer projeto em um best-seller.
Por fim, o que realmente deve ser considerado é a diversão proporcionada. Seja para adultos ou crianças, a proposta de todo game é entreter, independentemente de termos ou não braços voando pela tela.
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