Sejamos francos: a pirataria é um problema maior do que queremos assumir. A falsificação de jogos é algo tão antigo quanto a própria indústria, mas a situação parece ter chegado a um nível realmente crítico nos últimos tempos.
A recente notícia do desbloqueio do Playstation 3, por exemplo, foi vista com alegria por muita gente na comunidade gamer, enquanto o Wii e o Xbox 360 já sofrem desse mal quase que desde quando foram lançados. Porém, nos portáteis isso se mostra ainda pior.
Se nos consoles de mesa a luta contra os piratas parece estar longe do fim, os aparelhos de bolso já demonstram que a batalha está prestes a ser declarada como perdida. Tanto a Sony quanto a Nintendo já tentaram criar diversas formas para conter a expansão desses games “alternativos”, mas nenhuma obteve o sucesso esperado. A principal razão para que muitos usuários optem pelo caminho da pirataria no PSP e DS é uma só: jogar de graça. Todavia, ao adquirir um título desse modo, poucos pensam nas consequências do ato. Afinal, qual o tamanho da ferida que os games ilegais deixam na indústria de jogos?
Vazamentos, prejuízos e descontentamentoA dor é maior quando atinge o bolsoVárias desenvolvedoras já se pronunciaram em relação à atual situação dos portáteis. A principal alegação é a dificuldade em produzir um novo projeto sabendo que ele será baixado por milhares de usuários, o que prejudica enormemente as vendas.
Outras empresas já foram mais radicais e já pensam em desistir de investir em títulos para PSP e DS. É o caso da Ready at Dawn, responsável pelo recente God of War: Ghost of Sparta, que sofreu ao ver sua maior aposta para o fim deste ano sendo oferecida gratuitamente uma semana antes de chegar oficialmente às lojas.
Segundo o diretor criativo da companhia, Ru Weerasuriya, a situação chegou a um ponto em que não há mais sentido em criar games para portáteis, pois a pirataria não para de avançar e consegue até mesmo se antecipar aos lançamentos. Para ele, o caso dos consoles de bolso está pior do que nos PCs, já que estes conseguiram criar uma forma de impedir que usuários piratas acessem servidores online por meio de um registro que somente quem adquiriu o produto original possui.
Para se ter uma ideia do tamanho do rombo que a prática causa dentro do mercado de jogos, nada melhor do que números. A Computer Entertainment Suppliers Association (CESA), uma consultoria japonesa especializada em entretenimento digital, fez um cálculo para apontar o prejuízo causado pela pirataria entre os anos de 2004 e 2009.
O resultado apontou que cerca de US$ 42 bilhões deixaram de ser arrecadados pelas empresas por conta de sites que disponibilizam o conteúdo ilegalmente, sem contar os famosos torrents. O mais impressionante, entretanto, é que esse valor corresponde apenas aos títulos de PSP e DS.
Dessa forma, fica fácil compreender o porquê de várias desenvolvedoras verem uma queda significativa nos lucros, como foi noticiado diversas vezes nas últimas semanas. Por mais que haja mais uma série de outros fatores envolvidos, é inegável que a pirataria também possui uma grande parcela de culpa.
Porém, antes que você acuse as empresas de “mercenárias” e de só estarem “preocupadas com o lucro”, lembre-se de que é somente assim que outros grandes jogos são produzidos. Um novo título só é criado com o dinheiro proveniente da venda de outros games. É uma grande engrenagem que precisa rodar, mas que a pirataria insiste em querer impedir.
Pequenos no tamanho, grandes em problemasPor que os piratas adoram tanto os portáteis?Se a pirataria está presente em quase todos os consoles, por que a situação dos portáteis desponta como a mais crítica de todas? O que existe de tão especial nos pequenos que justifica a transformação dessas plataformas em verdadeiras terras sem lei?
O primeiro fator que facilita a ação de piratas nos video games de bolso é a facilidade existente para o chamado “desbloqueio”. Ao contrário do que aconteceu com o Playstation 3, tanto PSP quanto DS praticamente nasceram com as portas abertas para a entrada de jogos “alternativos”.
O portátil da Nintendo é o maior exemplo disso. Não é preciso conhecimento em tecnologia muito menos habilidade em programação para conseguir rodar títulos baixados da internet. Basta que o usuário compre um cartucho especial (conhecido como flashcard) para ter acesso à gigantesca biblioteca de games disponível.
É claro que a Big N não ia deixar barato. A venda desses cartões já foi proibida em vários países, como Reino Unido, e os jogos mais recentes já vêm com bloqueios que os impedem de serem rodados caso sejam baixados da internet. O problema é que há hackers espalhados por todo o mundo, prontos para quebrar essas travas.
Contudo, a pirataria não chega a prejudicar a Nintendo da mesma forma com que atinge a Sony. Isso acontece porque muitos dos proprietários do DS são casuais e não procuram soluções alternativas para a compra de seus jogos, optando quase sempre pela versão original. No caso do PSP, que é mais voltado a um público mais hardcore e antenado nas novidades, a ação de piratas é mais frequente e nociva.
A facilidade para encontrar os games para download na internet também é um dos motivos que simplifica a vida de quem não quer pagar para jogar. Os títulos para Playstation Portable, por exemplo, não ultrapassam 1,6 GB de tamanho e podem ser facilmente hospedados em alguns sites. O mesmo acontece com o Nintendo DS, cujos jogos não chegam a 512 MB.
Além disso, o tamanho dos jogos para portáteis também simplifica a distribuição por torrent, outro grande responsável pelas dores de cabeça das empresas. Existem sites específicos para o compartilhamento de games e muitos deles conseguem ser mais rápidos do que a própria indústria, oferecendo para download títulos que ainda não chegaram às lojas, como aconteceu com o novo God of War.
O problema é tão crônico que é possível encontrar lojas de jogos vendendo consoles desbloqueados e flashcards como se isso não caracterizasse pirataria, ou seja, algo ilegal. A lógica é simples: como os títulos originais são caros, a procura é baixa. Então eles vendem um PSP com a firmware alternativa por um valor mais alto do que o “intocado” e ainda conseguem fazer com que o usuário volte para adquirir “pacotes de jogos” baixados da internet.
A razão de tudo isso é o preço cobrado pelos jogos para portáteis. O jogo Pokémon HeartGold, por exemplo, foi lançado custando US$ 40 (cerca de R$ 68 no câmbio atual), porém era encontrado por até R$ 200 nas lojas brasileiras. Essa diferença é um dos principais motores da pirataria nos portáteis, apesar de não justificar o crime.
A caça às bruxasManeiras de impedir a ação de piratasÉ claro que Sony e Nintendo não iam deixar os piratas tomarem conta de seus portáteis, tanto que criaram diversas formas de combater a prática ilegal. O problema é que a maioria das ações desenvolvidas apenas impedem que os usuários utilizem jogos baixados da internet em vez de trazê-los para o “lado correto” do mercado.
Um exemplo disso são as atualizações de firmware, feitas para corrigir falhas no sistema que possibilitam o desbloqueio dos portáteis. Essas melhorias são bastante comuns no PSP (a Nintendo adotou esse sistema somente após o lançamento do DSi), mas elas apenas retardam a ação dos hackers.
Sempre que há uma nova versão disponível, um time de usuários caça erros de programação para encontrar falhas que permitam o desenvolvimento de uma versão alternativa capaz de rodar games ilegais.
Por anos, o maior pesadelo da Sony era o espanhol conhecido como Dark_Alex. Ele foi responsável pela criação de inúmeras versões alteradas de firmware e outras ferramentas que permitiam que os jogadores desbloqueassem seus PSPs. Sua influência no cenário hacker era tão grande que, de acordo com vários boatos, ele foi forçado a abandonar seus projetos após receber diversas ameaças da companhia.
Além disso, há também uma intensa caça aos sites que disponibilizam jogos ilegalmente. A Nintendo é campeã quando o assunto é acabar com páginas que oferecem títulos de portátil para download, como aconteceu com o Romulation e o Espalzone, cujos proprietários foram presos por violação de direitos autorais na metade deste ano.
Contudo, fechar esses endereços ou caçar hackers é como cortar a cabeça de uma hidra: para cada site encerrado, surgem dois novos, o que torna esse tipo de ação um tanto quanto inútil. Portanto, qual a melhor forma de trazer o pirata para a legalidade?
Soluções inteligentesQuando assustar não resolveComo dito anteriormente, o principal fator que leva muitos usuários brasileiros à “marginalidade” da pirataria são os altos preços cobrados pelos títulos de portáteis. Então, nada mais lógico do que reverter essa situação para fazer com que os jogadores voltem a escolher o produto original.
Por outro lado, há uma série de empecilhos burocráticos e até mesmo políticos que dificultam essa mudança, principalmente referentes aos impostos cobrados para video games no país. É por isso que o crescimento do comércio digital se mostra como a principal arma contra a pirataria nos portáteis.
Tanto a Sony quanto a Nintendo já perceberam isso. Basta ver o crescimento da PSN e a DSiWare, lojas virtuais para que os jogadores possam adquirir seus títulos via download de maneira correta. Por meio delas é possível comprar os mesmos games encontrados nas lojas e por um preço livre das taxas que os encarecem.
Apesar de existirem alguns problemas na forma com que as empresas utilizam esses serviços (como a não disponibilidade de certos jogos), a venda de conteúdo digital é tida como a grande tendência de combate à pirataria, principalmente nos portáteis. O lançamento do PSP Go, por exemplo, foi uma tentativa de impor esse novo formato, mesmo não tendo sido alcançado o sucesso esperado.
O principal problema das estratégias adotadas pela Sony e Nintendo nesse quesito se dá exatamente pela dificuldade que o brasileiro tem em adquirir os créditos para as lojas virtuais. Ao contrário da Microsoft, que anunciou a chegada oficial da LIVE ao Brasil, elas só permitem compras feitas com cartões de crédito internacional e com endereços falsos (geralmente de residências nos EUA), já que a PSN e a DSiWare não possuem versões tupiniquins.
Experiência completa somente no originalMostrando que a pirataria não resolveQuando nem mesmo a queda nos preços faz com que os piratas parem de agir, é preciso atacar por outra frente para fazer com que o jogador volte a comprar o produto original. Sendo assim, as empresas passaram a apostar em material exclusivo que somente quem adquiriu corretamente pode obter.
Um exemplo disso é o que a Sony fez com God of War: Ghost of Sparta. Quem comprou o game pôde baixar um conteúdo exclusivo que permitia jogar com Deimos, o irmão de Kratos, em God of War 3. Já quem optou pela versão pirateada não teve o mesmo privilégio.
A Nintendo fez algo semelhante com Pokémon HeartGold e SoulSilver. Um acessório que acompanhava o jogo transportava seus monstrinhos para todos os lugares, tirando-os do DS. Além disso, o Pokéwalker (nome do aparelho) expandia a experiência do título e oferecia dezenas de possibilidades extras, como novos mapas e itens raros.
Essas duas situações ilustram outra forma eficiente que as empresas estão usando para combater a pirataria nos portáteis. Impedir que as versões para download façam uso de todos os recursos ofertados é uma maneira eficaz de fazer o usuário comprar o game original.
Isso faz com que a pessoa que opte pela pirataria sinta-se fora de um contexto maior. Por mais que ele baixe o jogo ilegalmente, ele sabe que está deixando de aproveitar o jogo em sua totalidade, pois somente quem possui a versão legal pode fazer uso do material completo. É mais ou menos o que a Microsoft fez com a LIVE e tem apresentados ótimos resultados.
O que esperar da próxima geraçãoA solução está no futuro?A nova geração de portáteis já está aí. O 3DS já foi anunciado oficialmente pela Nintendo e as imagens de um possível sucessor do PSP já deram as caras na internet. Entretanto, os novos consoles vão acabar com a pirataria ou herdarão esse problema?
Ao que tudo indica, a segurança dos próximos video games de bolso está mais do que reforçada. O vice-presidente da THQ, Ian Curran, explicou que a tecnologia utilizada pela Big N para combater a execução de jogos ilegais em seu novo portátil são fantásticas e muito sofisticadas, o que deve impedir o desbloqueio.
Já a Sony não apresentou nenhuma informação sobre as medidas antipirataria adotadas no “PSP 2”, mas é certo que podemos esperar algo muito mais avançado do que encontramos no Playstation Portable atual. Isso porque a empresa tem noção do tamanho do rombo que os downloads ilegais causaram nos lucros provenientes do console.
Além disso, a nova geração de consoles vai investir ainda mais em conteúdo digital. De acordo com Satoru Iwata, presidente da Nintendo, o suporte a downloads do 3DS está aprimorado e permitirá que os usuários baixem jogos completos sem problema.
Outro elemento a ser melhorado é em relação às atualizações de firmware. Ainda segundo Iwata, os próximos portáteis já utilizarão um método automático para instalar a versão mais recente do sistema operacional, ou seja, a nova versão é baixada sem a autorização do usuário.
Isso serve para impedir que piratas se aproveitem de falhas em sistemas antigos para fazer com que jogos baixados ilegalmente rodem. Assim, ao ser detectado alguma brecha, o próprio console já faz o download da correção.
Por fim, esperamos realmente que a nova geração de consoles consiga se recuperar da ferida causada pela pirataria. O dinheiro arrecadado com a venda de games é o que faz a indústria andar e criar novos títulos. Por isso, antes mesmo de novas soluções serem criadas, é preciso que o usuário de títulos “alternativos” perceba que ele está ajudando a matar o mercado de que tanto gosta.
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