É hora do show!

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Eventos apoteóticos, comerciais com famosos, shows de bandas de rock correndo juntamente com os anúncios dos jogos mais quentes. Não, a indústria do entretenimento eletrônico não parece ser a mesma dos tempos em que encanadores e ouriços digladiavam e 32 MB era considerado um tremendo espaço para se alocar um jogo.

Isso fica claro quando se compara dois momentos distintos, duas formas características de se “vender o peixe”. De um lado, em uma época na qual o entretenimento eletrônico ainda engatinhava, estão pioneiros como Atari e Magnavox, com os anúncios publicitários ainda tímidos do que era considerado apenas uma curiosidade eletrônica. As abordagens não iam muito além da diversão em família ou da inovação que seria controlar uma figura na tela da sua TV.

Foto: David McNew / AFP
Já no outro extremo, há uma profusão de luzes e efeitos especiais, manobras circenses e beldades desfilando entre o público com a mais nova aposta da jogabilidade 3D. Coroando a coisa toda, atores gabaritados de Hollywood - Nicole Kidman, Billy Crystal e Jack Black, para citar alguns - emprestam seu nome e sua imagem a produtos que antes eram associados apenas a nerds, crianças ou ainda às compras de Natal.

Parece ser uma tendência irrefreável: as mecânicas e manobras próprias do show business têm se instalado inexoravelmente na indústria do entretenimento eletrônico. É fácil reforçar essa ideia com um exemplo bem recente: a infraestrutura espetacular utilizada pela Microsoft para o batismo da sua “menina dos olhos”. Conforme citou um repórter durante a cobertura do evento: “Algo grandioso está para acontecer. E esse algo é a première do Kinect!”

A apresentação do controle sensível a movimentos da Microsoft não foi nada menos do que apoteótica. Para a apresentação em um telão instalado a vários metros do chão, foram mobilizadas equipes de reportagem, artistas, figurinistas, coreógrafos e — o que coloca definitivamente o evento nos anais do show business — todo um regimento do badalado Cirque Du Soleil. Enfim, algo que fez campanhas como “É Nintendo ou Nada!” (anos 90) parecerem simples anúncios de supermercado.

Diante dessa nova forma de se mostrar os video games, o que se percebe é mais uma fábrica de shows, do tipo que sempre vendeu os produtos do cinema norte-americano. Talvez não fosse arriscado afirmar que a qualidade do jogo/tecnologia que é divulgado chega a ser quase irrelevante: o que vale mesmo é o quão ostensiva, pirotécnica e abrangente é a forma com que um produto pode ser apresentado ao público — nem que para isso seja necessário usar e abusar de recursos audiovisuais ou de presenças ilustres, o que nem sempre tem muita relação com o que é anunciado.

Será mesmo que os video games finalmente se aliaram à indústria do espetáculo? Será que, por trás das campanhas milionárias do Kinect, do hilário Kevin Butler, da improvável associação entre Pelé e Ubisoft — ou “ubiscóite”, como insistia a pronuncia do rei — e das propagandas de prédio inteiro de GTA, o que há, de fato, é o surgimento de uma nova forma de se vender video games? E mais: quais poderiam ser as consequências dessa nova pirotecnia gamer?

Games e show business no palco da E3Saem gráfico e estatísticas, entram bandas famosas, artistas e pirotecnia

Em sua coluna mensal para a revista britânica Edge, o escritor e consultor N’Gai Croal relata a experiência que teve ao participar das primeiras edições da E3 (Electronic Entertainment Expo), hoje tida como a feira mais relevante quando o assunto são games. “Não era raro ver executivos mostrando números de vendas, com direito a dúzias de gráficos criados no PowerPoint, trailer de jogos futuros com seis minutos de duração, ou demonstrações de jogos multijogador nas quais era difícil entender o que estava acontecendo”, afirma Croal.


Na mesma coluna, o escritor menciona que, à época (2000), “ainda faltava certa sensação de espetáculo para algumas empresas”. Mas isso mudou a olhos vistos. Sony, Microsoft, Nintendo, Activision, Electronic Arts, entre várias outras empresas finalmente aprenderam como se deve fazer um bom programa televisionado. O mandamento em 2010 parecia ser apenas um: mais conteúdo para o público e menos papo corporativo. Confira alguns momentos do “show” de 2010.

Kinect com stand up comedy

Para quê mandar um executivo sisudo fazer um anúncio quando você pode ter duas figuras carismáticas da TV? O anúncio das compatibilidades do Kinect com o canal de esportes ESPN foi certamente um dos pontos mais “showbiz” da E3 2010. Para comentar a parceria e explicar as funcionalidades do aparato, estavam lá os âncoras do canal, Josh Elliot e Trey Wingo, com toda uma carga de humor nonsense. Algo certamente impensável na época do International Superstar Soccer Deluxe...

As beldades da Nintendo

Outro ponto que deu o que falar durante a última E3 ocorreu durante o anúncio do aguardado 3DS. As dúvidas já se pronunciavam mesmo antes da feira: como, afinal, a Nintendo fará para demonstrar a todos os presentes no Nokia Theater as funcionalidades do seu revolucionário sistema 3D? Muito simples: basta levar dezenas de exemplares, para que todos pudessem ter o gostinho.É claro, o próprio Satoro Iwata poderia ter levado um exemplar do console de mãos em mãos. Mas a solução adotada foi, sem dúvida, mais... Impactante, por assim dizer.

Um caminhão de sorvetes... Em pleno palco?

Fonte: gametrailers.com

A conferência da Sony durante a última E3 com certeza também teve a sua parcela de show. Depois de vários anos, o lendário Twisted Metal estava de volta, dessa vez em toda a sua glória HD. Mas mesmo os jogadores mais antenados não teriam suspeitado de uma réplica do icônico caminhão de sorvetes de Sweet Tooth ali, em pleno palco, e dirigido por um sujeito que parecia não ver banho há algum tempo. É de se perguntar: o que causou mais impacto, o jogo ou o caminhão?

Activision e seu Woodstock particular

Entre outras coisas, a E3 deste ano serviu para mostrar o respeitável poder de fogo da Activision. Nada de conferências clássicas com o alto escalão da empresa mostrando números e planos para o futuro. Em vez disso, a produtora fechou uma enorme arena ao lado do LA Convention Center. Entre os vídeos demonstrativos com os lançamentos mais aguardados - Call of Duty: Black Ops, Guitar Hero: Warriors of Rock e DJ Hero 2 -, subiam ao palco artistas de peso como Soundgarden, Usher, Eminem e Rihanna. De um jeito ou de outro você tem que prestar atenção ao jogo, certo? Enfim.

Lucha Libre e uma boa dose de constrangimento

A Konami também resolveu se arriscar pelas raias do entretenimento puro durante a última E3. O resultado, entretanto, é um tanto mais ambíguo do que o de outras conferências. A fim de chamar a devida atenção para um de seus lançamentos, Lucha Libre AAA: Heroes of the Ring, a produtora colocou no palco, juntamente com o apresentador, três luchadores a caráter. Até aí tudo bem.

O problema é quando os sujeitos começam a se “estranhar”, o que acaba envolvendo até o próprio apresentador. É fácil imaginar os presentes tossindo ou olhando para o lado. Afinal, nem tudo sai como se espera no showbiz.

A generosa Microsoft

A ideia de apostar no entretenimento e agradar o público tem levado a Microsoft a um expediente curioso: distribuir, gratuitamente, exemplares de alguma coisa “a todos os presentes”. Uma forma rápida e fácil de ter uma forte base instalada? Pode ser.

Fato é que a empresa já bancou a “pródiga” em duas ocasiões. Uma delas foi durante a demonstração do novo modelo do Xbox 360: todos os que estavam presentes no LA Convention Center levaram para casa um exemplar do modelo alcunhado como “slim”. Mais recentemente, a empresa resolveu dar mais uma mostra de generosidade ao garantir para cada um dos presentes no talk show da apresentadora Oprah um exemplar do Kinect. Política do “pão e circo”? Quase isso.

Celebridades dão o tom na era show dos gamesPara quê um anunciante genérico quando se pode ter a Nicole Kidman?

O que são shows sem personalidades famosas? Exatamente. Não que os sujeitos criativos das campanhas publicitárias dos anos 80 e 90 não tivessem seu apelo – como se pode ver na já mencionada campanha “É Nintendo ou Nada!”. Mas, que tal se aquela sua obra de arte em pixels pudesse ser apresentada pela belíssima Nicole Kidman ou pelo inconfundível Ozzy Osbourne – desde que o cantor consiga articular as frases da propaganda?

Confira alguns exemplos de artistas que emprestaram seus nomes a algumas das campanhas publicitárias mais bem pagas de que se tem conhecimento.

Nicole KidmanBrain Age

Ozzy OsbourneWorld of Warcraft

Jack BlackBrütal Legend

Kaká e Wayne RooneyFIFA 11

BeyoncéRhythm Heaven

William ShatnerWorld of Warcraft

Girls AloudMario Kart DS

Patrick Stewart e Julie WaltersBrain Age

Mr. TWorld of Warcraft

O futuro do Game ShowCom tradição e investimentos polpudos, o show deve continuar

Shows, diversão e caras facilmente reconhecíveis. Ao reparar na indústria de games atual, é impossível deixar de perceber que se vive hoje o momento mais “show” da coisa toda. Não que algo semelhante não tivesse sido tentado antes (confira abaixo).

Só que esse espetáculo comercial parece ser uma consequência natural da ascensão dos games como entretenimento de massa. Uma conclusão óbvia das vultosas somas de dinheiro que tem sido constantemente injetadas em marcas famosas como Call of Duty, Mario e Halo.

E tudo indica que essa tendência só pode continuar e se expandir. Senão, basta conferir: a Microsoft anunciou recentemente uma injeção de US$ 500 milhões para a campanha publicitária do Kinect. A Nintendo colocou o preço do seu próximo console portátil, o 3DS, nas alturas com base na reação do público durante a E3 — é de se perguntar o que teve mais influência nesse impacto: o renascimento de Kid Icarus ou as moças voluptuosas que, mui gentilmente, ofereciam alguns momentos de vídeo em 3D aos presentes.

Enfim, o que dizer? O futuro dos games parece ser um grande espetáculo focado no seu bolso. Dessa forma, uma boa dica seria: consuma com moderação.

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