O primeiro Guitar Hero iniciou uma revolução. Quanto a isso não há dúvida. Pela primeira vez, jogar deixava de ser algo completamente abstrato — já que o ato real de pular se parece muito pouco com apertar o botão “A” —, realmente se assemelhando, mesmo que meio de longe, à atividade real de se tocar um instrumento. De quebra, você ainda realizava aquele sonho recalcado de se tornar um rock star.
Tudo bem. “Mas isso já existia antes com o Guitar Freeks, da Konami! E antes dele com os jogos de dança!”, diriam os puristas. Mas os jogos rítmicos de dança sempre foram meio de “nicho” — sem contar com um apelo popular mais amplo, por assim dizer —, e a ideia de conceber instrumentos em forma de controles plásticos em terras ocidentais... esse mérito é todo da dupla Red Octane e Harmonix.
Para quem não conhece, vai um breve resumo: o primeiro Guitar Hero foi concebido pela dupla citada acima. Após isso, a Activision, percebendo o potencial criado pelo título, resolve então adquirir a RedOctane. Por sua vez, MTV Games ficou também com o seu quinhão, trazendo para as suas linhas de frente a experiente — e entusiasta musical legítima! — Harmonix. Bem, esta trouxe a luz o maior rival de Guitar Hero, Rock Band. O resto é história.
Entretanto, algo parece ter acontecido com toda a pirotecnia inicial. O ano de 2009 assistiu a um decréscimo considerável na venda de jogo rítmicos — algo em torno de 50%, algo que realmente não se pode desprezar —, e, de alguma forma, a impressão que se tem é que o fabuloso nicho estreado por Guitar Hero passa agora por um marasmo sem precedentes.
É claro, alguns argumentariam, corretamente, que as vendas de títulos são menores por que (a) existe uma grande base instalada de títulos já adquiridos e (b) grande parte da receita das publicadoras vem mesmo é da venda de músicas para os jogos já existentes. De qualquer forma, é impossível deixar de notar que a euforia inicial passou, e que muito “mais do mesmo” tem abarrotado as prateleiras ultimamente.
Paralelamente, edições mais recentes das duas franquias principais ainda trouxeram à luz um novo debate ético sobre os jogos rítmicos: quais são os limites do que se pode fazer com um grande ícone em sua versão “pixelizada”? Por um lado, tem-se o tremendamente respeitoso The Beatles: Rock Band, superlotado de restrições e letras miúdas. Por outro lado, a abordagem muito mais liberal de Guitar Hero 5, cuja abordagem permissiva traz bizarrices como Kurt Cobain tocando Bon Jovi ou ainda Johnny Cash mandando ver em Iron Maiden.
Dessa forma, parece ser tremendamente necessária uma reinvenção da promissora fórmula criada há cinco anos. Mas em que exatamente deveria consistir essa nova abordagem? Novas regras de comercialização? Novas regras éticas? É de fato complicado, já que hoje é difícil saber até mesmo se a discussão é, em última instância, sobre “música” ou “video game”. Mas vamos aos pormenores.
Uma nova plataforma de música
Dois vivas para a liberdade de escolha!
Em um artigo postado há algum tempo, o site IGN.com argumentava que a evidente necessidade de um novo fôlego por parte dos jogos rítmicos deveria passar, invariavelmente, pela elaboração de uma nova forma de comercialização músicas presentes nos jogos. Mas qual é mesmo o padrão corrente? Vamos a ele.
Hoje, quando você adquire uma nova música — ou pacote de músicas — para qualquer título de Guitar Hero ou Rock Band, os seus direitos sobre a mídia digital terminam quando é desligado o video game. Isso equivale a dizer que, caso você resolva desembolsar uma considerável quantia para adquirir Sgt. Peppers para The Beatles: Rock Band, os seus direitos se resumem a apertar botões coloridos enquanto as músicas tocam. E é só.
Mas, que tal se os seus direitos sobre o Sgt Peppers, ou qualquer outro álbum, fossem extensíveis? E se o álbum que você comprou para jogar em Rock Band ou em Guitar Hero garantisse também o direito de tocá-lo em um MP3 player ou algo que o valha? Afinal, o sucesso colossal do imaterial iTunes prova que isso é possível. Dessa forma, seria talvez um incentivo extra para que alguém gastasse seus preciosos tostões adquirindo novas músicas.
Criando o seu próprio “setlist”
A outra aposta defendida no artigo se refere à possibilidade de se evitar os pacotes de músicas prontas. Quer dizer, se é possível adquirir músicas novas em um rápido download, por que exatamente eu tenho que pagar por dúzias de músicas que não correspondem ao meu gosto no jogo original? Sim, existem mais de 80 músicas disponíveis em Guitar Hero 5; mas quantas delas realmente são do seu gosto?
Tudo bem que 10 ou 20 músicas iniciais são necessárias para dar algum apelo ao jogo. Mas não parece haver necessidade alguma enfiar no mesmo pacote algo próximo de 100 músicas contendo discrepâncias tão grandes quanto “The Spirit of the Radio” (Rush) e “Hungry like the Wolf” (Duran Duran)! Parece muito mais razoável permitir um modelo em que cada jogador construa a sua lista de músicas de acordo com os próprios gostos.
Video game + aula de música
Que tal aprender de verdade?
Há algum tempo, a desenvolvedora Game Tank anunciava um projeto no mínimo audacioso. Aproveitando-se do viés aberto por Guitar Hero, Guitar Rising propunha o seguinte: “e se nós retirássemos os controles de plástico e incluíssemos guitarras de verdade?” Tudo bem, o jogo até hoje jaz no mesmo limbo que abriga coisas como Alan Wake ou Duke Nukem Forever — a justificativa vem de problemas no reconhecimento de notas. Mas a ideia não é de se jogar fora.
Prova disso foi a recente declaração de Dhani Harrison, filho do finado beatle George Harrison, que atualmente engrossa as fileiras da Harmonix. Quando perguntado sobre uma possível sequência para Rock Band 2, ele diz: “eu estou trabalhando em Rock Band 3 e tornando os controles mais reais de tal forma que as pessoas possam aprender como tocar músicas enquanto jogam video game”. Quanto tempo para isso? “Me deem dois anos”, afirma Harrison.
Embora certamente fosse um apelo extra, parece existir dois pontos que se deve considerar antes de transformar um jogo rítmico em uma potencial escola de música. Em primeiro lugar, o “balanço” correto entre o tutorial e o jogo propriamente dito — quer dizer, é de se esperar que você aprenda sem perder a noção de que aquilo é um jogo.
Em segundo lugar, cabe averiguar quantas pessoas realmente estão dispostas a aprender um novo instrumento. Quer dizer, sem dúvida alguns jogadores, após debutarem com os botões coloridos, acabam também se envolvendo com instrumentos reais e bandas reais. Isso é bom, é claro. Mas algumas pessoas — talvez a grande maioria que compra os títulos hoje — espera apenas encontrar um atalho entre o anonimato e o estrelato; um atalho que, justamente, ignore a parte “penosa” do aprendizado necessário para se tornar um bom músico.
Limites éticos para a indústria
Liberdade ou respeito histórico?
Conforme mencionado anteriormente, pela primeira vez na história dos jogos rítmicos o tema “ética” aborda mais que os direitos autorais das obras contidas em um jogo. Quando The Beatles: Rock Band foi lançado, muita gente achou verdadeiramente ultrajante o fato de não se poder jogar músicas da banda em outros títulos da franquia, e também o fato de não ser possível alterações cosméticas nos avatare. Mas isso, afinal, é bom ou ruim?
O infame vídeo divulgado recentemente no Youtube, no qual Kurt Cobain aparecia tocando músicas um tanto, digamos, “fora” da sua idelogia, talvez ajude a responder essa questão. Quer dizer, até onde é lícito utilizar e modificar a imagem de um ícone ou um acontecimento histórico dentro de um jogo?
Isso mostra ainda que, se Guitar Hero deu o seu disparo inicial ainda no âmbito dos video games, o legado do jogo, hoje, parece ultrapassar deliberadamente esse espaço. Tem-se hoje, verdadeiramente, um produto musica; com direitos autorais; com possibilidades de comercialização e, por fim, com ícones e com toda uma história própria. Dessa forma, a escolha da Harmonix em restringir The Beatles: Rock Band não parece assim equivocada.
Mas, afinal, quais são os verdadeiros limites para esse verdadeiro colosso já com cinco anos? São os video games, conforme Guitar Hero acrescenta novas possibilidades de competição e compartilhamento — boa parte deles rompendo a barreira do logicamente aceitável, como a possibilidade de bandas com três bateristas ou 4 baixistas? Ou será que o flerte cada vez mais evidente de Rock Band com a indústria da música seja a resposta? Novamente, senhores, façam suas apostas.