O primeiro registro de um “robô” data do início da Era Cristã, no Séc. I, quando Heron de Alexandria — famoso matemático e engenheiro grego — desenvolveu uma máquina autônoma. Obviamente não se tratava de um T-1000 (Exterminador do Futuro) ou de um Cylon (Battlestar Galactica), porém, mesmo sem um cérebro de silício e sangue elétrico, o autômato de Heron era capaz de andar e realizar “mímicas” (como indica a pesquisa de Noel Sharkey, da Universidade de Sheffield).
Com o tempo, outras mentes se enveredaram pelo mesmo caminho, na esperança de criar uma máquina que pudesse substituir o homem nas tarefas mundanas e mais árduas do seu dia a dia. Desde então avanços tecnológicos possibilitam novos sonhos robóticos cada vez mais futuristas e o que antes ocupava apenas as páginas de obras especulativas agora despontam nas manchetes das revistas de ciência.
Consciência, trabalho, emoção, ética, moral e outros conceitos ganham novas conotações dentro de um mundo no qual máquinas ocupam um lugar cada vez mais importante e permanente entre os humanos. Com a evolução da mecatrônica e da robótica o desenvolvimento de sistemas autômatos inteligentes prevê a criação de uma legião de robôs altamente funcionais.
Servos mecânicos dos humanos, as máquinas inteligentes serão capazes de realizar os trabalhos mais pesados e perigosos, deixando o homem livre para explorar novas fronteiras. Mas será que as máquinas serão sempre fiéis aos seus mestres orgânicos?
O que acontecerá quando os escravos bradarem por liberdade? Pode um homem cercear a liberdade de um autômato, algo que sequer está “vivo”? Afinal, qual é a definição de vida, liberdade ou senciência em um futuro no qual as máquinas ganham características humanas e os homens se transformam em máquinas?
O cinema e a literatura (tanto técnica como especulativa) abordam o tema com muita frequência. Cenários otimistas mostram os robôs como companheiros fiéis ou servos obedientes, enquanto projeções apocalípticas prevêem a revolução das máquinas que se voltam contra seus criadores.
Nos video games a discussão não passou batida, e mesmo que “adoçada” com toques humorísticos ou inflamada com tiros, a questão é tema recorrente nos jogos. Afinal, por que tememos nossa prole tecnológica?
Tememos que as máquinas se revoltem, ou “pior”, que se tornem mais humanas do que seus criadores. No final, tudo se resume a medo, especialmente porque sabemos que as máquinas são reflexos sintéticos de nós mesmos.
As seis leis da robótica Regras foram feitas para serem quebradas
Isaac Asimov, renomado escritor e bioquímico estadunidense, apresentou várias teorias sobre robótica (por sinal, foi ele quem cunhou o termo robótica). Entre suas várias contribuições estão as Três Leis da Robótica:
1ª . Um robô não pode ferir um ser humano ou, por omissão, permitir que um ser humano sofra algum mal.
2ª. Um robô deve obedecer às ordens que lhe sejam dadas por seres humanos, exceto nos casos em que tais ordens contrariem a Primeira Lei.
3ª. Um robô deve proteger sua própria existência desde que tal proteção não entre em conflito com a Primeira ou a Segunda Lei.
Estas leis previam eventuais problemas de “convivência” entre humanos e autômatos inteligentes. Prevendo que os avanços da inteligência artificial criariam máquinas capazes de distinguir o “bem” do “mal”, Issac Asimov concebeu três imperativos de programação que possibilitariam a existência pacífica entre humanos e máquinas, sem o risco de que estas se revoltassem contra o domínio de seus criadores.
O raciocínio lógico das máquinas inevitavelmente as levaria a uma posição de controle, para que pudessem executar suas tarefas com o máximo de eficiência. Em tempo, os robôs perceberiam as contradições humanas e eventualmente seriam obrigados a tomar uma ação quanto aos “modos” dos criadores, seja impondo a “paz” como o supercomputador do filme "Colossus 1980" (1970), ou eliminando o problema diretamente, como em "Exterminador do Futuro" (1984).
Com as três leis entrelaçadas incrustadas em suas mentes artificiais, os robôs seriam impedidos de tomar atitudes radicais para a resolução de eventuais problemas de lógica. No entanto, os autômatos também estão em evolução e, em tempo, passaram a necessitar de novas diretrizes capazes de se adaptar a complexidade moral e ética que compõem uma sociedade.
Assim, Isaac Asimov — em um exercício de futurologia — prevê que as próprias máquinas conceberiam uma nova Lei, que superaria as anteriores. A Lei Zero (0) colocaria os interesses de toda a humanidade acima das necessidades do indivíduo.
0. Um robô não pode ferir a humanidade ou, por omissão, permitir que humanidade sofra algum mal.
Todavia, a nova cláusula de programação imbuiu as máquinas com a capacidade de avaliar situações morais e éticas sob um viés puramente lógico — criando uma brecha para uma possível ditadura das máquinas, que analisariam as irracionalidades do comportamento humano e assumiriam o controle para o bem da humanidade.
Além destas quatro diretrizes básicas, também foram concebidas outras duas Leis para a melhoria da convivência entre humanos e máquinas. Para Harry Harrison, autor de uma história tributo à Issac Asimov, a quarta Lei perceberia a necessidade dos robôs em estabelecer uma continuidade, assim:
4ª. Um robô deve reproduzir. Desde que tal reprodução não entre em conflito com a Primeira e a Segunda Lei ou a Lei Zero.
Lyuben Dilove Nikola Kesarovski atentaram para outra questão, a crescente antropoformização das máquinas. Robôs com aparências cada vez mais próximas da humana criariam eventuais complicações e possíveis acidentes. Aliando os dois conceitos apresentados pelos autores, temos uma quinta Lei:
5ª. Um robô deve saber que é um robô e deve se identificar como tal em todos os casos.
E se você acha que toda esta discussão não passa de ficção científica, está muito enganado. Futuristas e transhumanistas discutem fervorosamente a aplicação e aplicabilidade das Leis da Robótica nos sistemas inteligentes do futuro.
De fato, os robôs atuais ainda não possuem inteligência suficiente para compreender as Três Leis. No entanto, como os sistemas estão avançando a passos largos, a ética robótica está cada vez mais em pauta e salvaguardas de programação não são desconsideradas. Mas será que realmente corremos o perigo de um levante autômato?
Neil Jacobstein, presidente da Singularity University, acredita que sim. Para o cientista, os sistemas de inteligência artificial aprenderão a interagir socialmente, além de adquirir conhecimento sozinhos e eventualmente se autoprogramarem.
Máquinas conscientes poderão questionar nossas atitudes. Neil Jacobstein pensa que as máquinas do futuro vão adquirir consciência de si e dos outros. Sistemas dotados de tais capacidades devem ser respeitados e caso os humanos não saibam interagir com as máquinas, a guerra contra os robôs é uma possibilidade real.
Homens robotizados VS. Máquinas humanizadas Golens, replicantes e fuzileiros navais
Muito bem, se o levante autômato é uma realidade quem estará nas linhas de batalha? Máquinas não dormem, não comem, não sentem dor e dificilmente erram o alvo. Humanos... Bem, nós criamos as máquinas, então sabemos exatamente onde fica o botão de “desliga”.
Nos video games, temos exemplos de cenários pessimistas e outros nem tanto. Do bom e velho menino robô, Mega Man, até as inteligências artificiais de Portal e System Shock. Os jogos exploram as mesmas questões que tanto “afligem” os autores de ficção especulativa e os pesquisadores de ética robótica.
A franquia Fallout mostra um cenário interessante. Algumas máquinas que circulam pela Wasteland são hostis — por conta da sua programação — enquanto outras seguem fiéis aos humanos. Na prática, nunca houve uma revolta dos robôs, as máquinas agressivas só atacam o jogador porque foram programadas assim.
Em Chrono Trigger o futuro é sombrio, mas não foi por conta de um levante autômato. Os humanos abusaram dos poderes de Lavos, despertando a criatura alienígena que estava adormecida no núcleo do planeta que devastou a Terra. O que restou da humanidade procura refúgio em grandes biodomos, mas existe outra ameaça: robôs revoltados.
Uma inteligência artificial racionalizou o destrutivo comportamento humano fora da equação e alcançaram senciência. Em tempo, elas cometeram os mesmos erros de seu criador (afinal, a fruta não cai longe do pomar) e a revolta por liberdade se transformou em genocídio.
Mesmo assim, algumas máquinas ainda buscam por alternativas não letais ao conflito. “Robo” (esse é o nome dele) se junta ao herói do jogo para tentar resolver o problema, sem deixar de lado sua “individualidade sintética”.
No universo Star Wars os droids são figuras recorrentes. Dotados de inteligência emocional, as máquinas são capazes de sentir medo e, no caso de HK-47, até mesmo prazer psicótico. O androide caçador de recompensas de Knights Of The Old Republic é amoral (mesmo que tais preceitos tivessem sido programados em sua memória), quando encontramos a máquina temos a nítida impressão de que o robô sente prazer em matar seus oponentes.
Os video games também reservam espaço para um futuro menos sinistro. Personagens como Dog (o cão autômato de Half-Life), o carismático Clank (Ratchet & Clank) e o eterno Mega Man, mostram que homens e máquinas podem coexistir pacificamente.
Mass Effect, por sua vez, eleva o conflito ao âmbito galáctico. Os Reapers, uma raça de máquinas sencientes que precede a própria humanidade, controla o destino da galáxia. Ao mesmo tempo, os Geth — autômatos criados por outra raça alienígena — lutam contra seus criadores pelo simples direito de existir.
O futuro é incerto. Os avanços tecnológicos permitiram grandes saltos no campo da robótica, mas será que estamos prontos para o que está por vir? Será que o homem está preparado para se transformar em deus, ou estamos fadados a seguir a sina de Frankenstein?
No final das contas, a realidade não é tão lógica quanto um processo computacional. A cada dia, as máquinas estão mais humanas, vide androides, ginoides e ciborgues. Enquanto isso homens se equipam com ferramentas para executarem longas horas de trabalho repetitivo dentro de fábricas e linhas de montagem como autômatos orgânicos.No fundo, as diferenças não são tão grandes assim, e os robôs parecem reflexos desfocados da humanidade, e por isso mesmo, o conflito entre homem e máquina seja tão plausível.