Já faz algum tempo que o mainstream da indústria de games deixou de ser representado por títulos lineares, de apelo óbvio e com pouca duração. Trata-se de um conceito basilar entre praticamente todos os gêneros atualmente: se você quer realmente vender um jogo, ele deve incluir no pacote o maior número possível de desafios; motivos que levem um entusiasmado jogador a passar pelo menos 10 horas em frente ao console.
Em outras palavras, o tempo que um game é capaz de mantê-lo devidamente entretido tornou-se cada vez mais uma dimensão a ser avaliada na hora de empenhar alguns trocados. Afinal, por que alguém gastaria dezenas de reais em pífias quatro ou cinco horas de duração?
Sim, é possível encontrar por aí campanhas relativamente curtas — Modern Warfare 2, por exemplo —, mas certamente haverá alguma coisa que pelo menos tente inflacionar um pouco a experiência de jogo — no caso do blockbuster da Infinity Ward, trata-se certamente dos badalados modos multiplayer.
Embora a tecnologia atual tenha facilitado a vida dos desenvolvedores na hora de criar uma diversão devidamente extensa, títulos que fazem o sofá assumir o formato das suas partes baixas com certeza não são uma exclusividade das gerações mais atuais. Na verdade, desde os anos 80 os desenvolvedores já vêm aperfeiçoando técnicas para mantê-lo pelo maior tempo possível coletando armas, desenvolvendo histórias ou destroçando centenas de milhares de inimigos idênticos.
O pioneirismo dos anos 80 e 90Mate os inimigos, colete itens, junte dinheiro!
A maior parte dos títulos lançados para as primeiras gerações de video games lançava mão de uma fórmula bastante simples para mantê-lo jogando: jogos difíceis, beirando o impossível, embora a experiência de jogo em si não fosse assim tão polpuda. Se não, basta nomear o seu: Alex Kidd, Contra, Chakan e até mesmo alguns jogos da franquia Castlevania.
Entretanto, mesmo durante a pixelizada década de 1980 já existiam alguns jogos que abraçavam a ideia de fornecer uma experiência quase literária, cheia de reentrâncias e com horas e horas de duração. Aliás, algumas delas continuam famosas até hoje, certo?
- Final Fantasy
Além de ter livrado a Square da bancarrota eminente, Final Fantasy ainda criou uma verdadeira escola. Ao transportar para os circuitos eletrônicos dos video games uma experiência digna de uma mesa de jogo — afinal, foi aí que os RPGs nasceram, embora boa parte dos jogadores mais novos ignore o fato —, FF acabou encontrando a fórmula perfeita para se produzir um jogo extenso mesmo com as consideráveis limitações tecnológicas da época.
Em suma, embora a história principal por trás dos primeiros títulos da franquia pudesse ser resumida em algumas poucas páginas, você, o herói, tinha sempre pela frente uma árdua tarefa: não bastava encarar os verdadeiros vilões de cara — o que resultaria em uma morte rápida e pouco expressiva. Era necessário ganhar níveis, e para isso havia a necessidade de se destroçarem inúmeros inimigos. Também era preciso juntar dinheiro, encontrar itens raros e... Enfim. O resultado podia facilmente ultrapassar dezenas de horas de jogo.
- The Legend of Zelda
Explorar todas as reentrâncias da extensa floresta de Hyrule nunca foi uma tarefa rápida. Embora a franquia principal de “ação RPGística” da Nintendo se afaste um pouco da política de “tentativa e erro” lançada pela Square, The Legend of Zelda sempre foi, inegavelmente, um jogo extenso e cheio de objetivos.
Ok, você poderia simplesmente partir em disparada rumo ao final de uma história envolvendo magos diabólicos e armas lendárias. Mas também era possível batalhar por itens escondidos, fuçar para encontrar partes de coração (aumentando assim a barra de energia), etc. Enfim, as novas versões podem ser mais interativas... Mas fuçar a lendária Hyrule continua sendo uma grande diversão capaz de preencher várias horas.
- Pokémon
Se Final Fantasy lançou as bases de uma jogabilidade mais extensa e elaborada, foi em Pokémon que ela realmente encontrou a sua plena realização. Isso porque foi acrescentada à mistura uma motivação tão velha quanto andar para frente: a coleção.
No papel de Ash — ou qualquer outro nome que você quisesse dar ao seu treinador de Pokémons —, além de garantir passagem através de uma história razoavelmente extensa e combater inimigos para ganhar níveis, agora você também poderia colecionar centenas de monstrinhos diferentes; monstros que eram encontrados em locais distintos e em períodos do dia distintos. Enfim, a receita perfeita para consumir dezenas de horas da sua vida.
- Shadowrun
Provavelmente um dos títulos mais comentados da quarta geração de consoles. Também um dos mais extensos. Para quem não se lembra, trata-se de uma adaptação do RPG de mesa homônimo — este, por sua vez, baseado no livro Neuromancer, clássico de William Gibson.
Shadowrun é também um dos títulos pioneiros em exploração de cenário. Afinal de contas, o protagonista, Jake Armitage, acorda dentro da gaveta de um necrotério... Totalmente desmemoriado. Há uma cidade inteira pronta para responder a todas as suas perguntas.
Consoles da sétima geração e a ausência de vida social...Com mais tecnologia, a extensão torna-se uma escolha óbvia
Embora clássicos como The Legend of Zelda e Final Fantasy tenham lançado bases para além de jogos simples e com prazo de validade relativamente curto, foi nas gerações mais atuais que a extensão dos jogos começou a deixar o papel de exceção, transformando-se em um padrão altamente perseguido pela indústria.
Senão, basta lembrar do tempo necessário para se tornar o donatário de todo o reino de Albion em Fable, para terminar todas as missões paralelas em GTA ou ainda para atravessar a enorme e controversa trama de Demon’s Souls. Aparentemente, os jogos consomem hoje uma parcela muito mais significativa da nossa vida social...
- Grand Theft Auto
Caso você realmente queira fechar algum título da série GTA após a inclusão dos gráficos tridimensionais, é bom reservar um número considerável de horas. Desde que GTA III foi originalmente lançado em outubro de 2001, a série não apenas vem ocupando cada vez mais horas de jogo, como também tem se tornado cada vez mais imersiva.
Mas o segredo da Rockstar não parece ser o de simplesmente colocar dezenas de horas de jogo entre você e um final épico. Na verdade, explorar todas as possibilidades de Liberty City sempre foi um dos maiores chamarizes.
Há as missões principais, é claro. Mas também há missões paralelas, easter eggs — segredos ocultos dentro do mundo de jogo à espera de um jogador particularmente dedicado —, locais pra se visitar e, por fim, chacinas que podem ser iniciadas sem absolutamente nenhum motivo aparente.
Enquanto San Andreas possibilitava compras e musculação, GTA IV permitiu até mesmo encontros marcados pela internet. De fato, não é difícil acabar esquecendo a história principal durante algum tempo. O negócio é colocar a vida em stand by e mandar ver.
- Fable
Ok, a campanha principal do impudico título da Lionhead Studios não é das mais longas. Na verdade, Fable II pode facilmente ser “zerado” em pouco mais de oito ou 10 horas de jogo. Entretanto, qualquer um que tenha encarado quaisquer dos três títulos da franquia provavelmente sabe muito bem que a campanha principal guarda apenas uma pequena parte do potencial orgânico do reino de Albion.
Basta voltar a Fable II. Enquanto você, um herói nobre (ou não), parte pelo mundo juntando os heróis necessários para botar a baixo os planos do abominável Lucien, dezenas de possibilidades surgem.
Comprar uma casa? Claro. Iniciar uma família? Por que não? Iniciar uma segunda família? Ok, é controverso, mas também é possível. Isso para não falar em iniciar o seu próprio negócio no centro de Bowerstone — tornando-se, eventualmente, o donatário de todo o reino. E, bem, se sobrar tempo, fique sabendo que ainda existe um mundo para salvar.
- Demon’s Souls
Demon’s Souls é um título um tanto atípico caso se considerem os atuais padrões da indústria de games. Em primeiro lugar, trata-se de uma história que, embora seja bastante decente, é também perigosamente tradicional — trata-se de uma revisita ao universo criado por Tolkien em uma época na qual video games não eram concebidos nem como fruto de magia.
Mas Demon’s Souls também é difícil. Quase punitivo. E é nesse ponto que o título da FromSoftware garante seu quinhão de horas de gameplay. Trata-se de um recurso bastante semelhante ao utilizado durante as primeiras gerações de consoles: matar o protagonista dezenas de vezes. Seria ruim... Caso não se tratasse de um título verdadeiramente brilhante. As mortes constantes? Bem, você se acostuma.
- Fallout
Outra série notória por enviar o gamer até o pescoço no mundo de jogo. Considere Fallout 3, por exemplo. Caso você não resolva detonar de vez com o que restou do universo pós-apocalíptico criado pela Bethesda — basta lembrar que ainda existe uma ogiva nuclear por detonar... —, as possibilidades são bastante extensas.
Há uma boa dose de missões paralelas, bem como há uma considerável extensão para cobrir inteiramente a pé. Ao final, caso nada mais reste, caso você tenha esquadrinhado toda a vastidão da Wasteland e tomado todas as decisões morais possíveis... Ainda existem as expansões!
- Animal Crossing
Não há de fato um consenso sobre qual seria o objetivo mais extenso entre os jogos da série Animal Crossing. Na verdade, ao considerar estritamente, sequer é possível “zerar” Animal Crossing, já que novos itens são constantemente acrescentados.
Entretanto, coletar 99.999 moedas na versão para DS de Animal Crossing Wild World constitui-se como um belo desafio para boa parte dos jogadores. Mas não é o único: também é possível angariar todas as recompensas por donativos em City Folk, bem como completar as coleções dos museus e sair à caça de cada item, por mais singelo que seja. Considerando-se ainda que alguns itens tornam-se disponíveis apenas em períodos específicos do anos, o que se tem é um trabalho verdadeiramente hercúleo.
Maiores e mais complexosTem que valer o seu dinheiro!
Com o passar dos anos e das gerações de consoles, a impressão que fica não é apenas a de que a extensão das tramas e objetivos tornou-se progressivamente uma necessidade. Basta olhar pela janela do seu carro em um sandbox para notar que os universos criados para os jogos nunca foram tão imersivos quanto são hoje — e a extensão de objetivos e histórias parece ser apenas uma parte disso.
De qualquer forma, passa a fazer cada vez mais sentido aquela afirmação de que video games tem muito mais a ver com literatura do que com o cinema, já que o tempo de exposição a um personagem/trama/mundo de jogo é cada vez maior. Quer dizer, considerando-se o tempo necessário para extrair o máximo de alguns blockbusters atuais, não seria estranho encontrar por aí alguém que considerasse Niko Bellic ou Link como parte da própria família.
Categorias