Desde que se lançou pela primeira vez com um console caseiro — o hoje obscuro SG-1000 —, a trajetória da SEGA no segmento teve, é claro, altos e baixos. Entretanto, ninguém negaria que, até a sua curiosa saída do mercado, a antiga “Service Games” (sim, é daí que vem o nome) era um verdadeiro colosso; um jogador de peso, do tipo que mantém os inimigos atentos, esperando pelo próximo movimento.
Senão, que o diga quem viveu durante a ferrenha batalha pela quarta geração de consoles. Super Nintendo de um lado, Mega Drive (Genesis, no Japão) de outro. Ambos constantemente ganhando títulos exclusivos, campanhas publicitárias das mais criativas/agressivas e mesmo periféricos curiosos — muitos deles se transformaram em piadas ao longo dos anos, é claro.
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Entretanto, quando se evoca a história da SEGA hoje, a primeira coisa que vem à mente de muitos jogadores com mais de 20 anos é: “O que exatamente aconteceu com o Dreamcast?”. Afinal, tratava-se da porta de entrada para a sexta geração de consoles.
Não apenas isso: o aparelho trazia consigo diversas propostas inegavelmente originais. De fato, boa parte delas acabou gerando padrões que pautam a indústria até hoje. O que dizer do inovador VMU (o cartão de memória/mini game do console)? Ou, por outro lado, que tal se nós nos lembrássemos do modem 56k incorporado ao console, o que turbinava a experiência do primeiro MMORPG caseiro da história — Phantasy Star Online?
A despeito das inspirações visionárias da SEGA, entretanto, fato é que as configurações de mercado da época — leia-se: o lançamento do PlayStation 2 — acabaram inevitavelmente jogando a primeira pá de terra sobre o Dreamcast.
E se...
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Não apenas isso. Na verdade, juntamente com o aparelho, findava também toda uma era, liberando o campo de batalha para outros competidores. Entretanto, neste ponto, cabe imaginar: o que teria ocorrido se a SEGA tivesse se mantido no mercado de consoles? E mais: o que seria da indústria, hoje, se o formato trazido pelo Dreamcast tivesse pavimentado todo o futuro caminho da indústria?
Games em focoCentrais de entretenimento teriam demorado mais tempo para surgir?
Para quem não se lembra — ou jamais ficou sabendo —, a última aposta da SEGA no mercado de consoles, o Dreamcast, utilizava uma mídia bastante particular para armazenar os seus jogos. Trata-se do GD (Gigabyte Disc), um formato proprietário com espaço de armazenamento considerável, mas que trazia uma particularidade digna de interesse: você não encontraria filmes encaixotados ali.
Essa escolha reforça um direcionamento que sempre esteve presente nas escolhas da SEGA: o foco deveriam ser os jogos. Em suma: a empresa sempre acreditou que um jogador compraria um video game para... Bem, para jogar video game. Ledo engano, naturalmente.
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Conforme mostrou o crescimento exponencial do PlayStation 2, as pessoas buscavam, sim, por centrais capazes de agregar diversas formas de entretenimento — músicas, filmes etc. Vale lembrar ainda que a sexta geração era incrivelmente dependente de formatos físicos de mídia. Dessa forma, a inclusão de suporte a DVD fazia absolutamente toda a diferença.
Entretanto, imaginando-se, por um momento, que o Dreamcast realmente tivesse vingado, parece natural supor que, afinal, a visão da SEGA se justificaria. Dessa forma, é provável que os atuais consoles caseiros fossem hoje muito mais específicos — diretamente focados em jogos e no público que busca aparelhos caros para jogar, exclusivamente.
Resumindo: a indústria provavelmente teria dado continuidade ao ritmo apresentado na década de 1990. Jogos são jogos, o restante é o restante. Isso seria pouco prático para quem busca sempre gadgets multifacetados, é claro. Mas os reflexos, sobretudo na produção de jogos, seriam evidentes.
A pioneira SegaNetVocê teria iniciado a jogatina online mais cedo?
Diante das dimensões tomadas pela Xbox LIVE e pela PlayStation Network, é provável que a singela SegaNet não chamasse muita atenção. Na verdade, tratava-se apenas de um serviço ainda incipiente, com pouco suporte, apenas alguns jogos e conexão baseada em um modem de 56k. Mas isso em 1999.
Phantasy Star Online e os primeiros DLCs
Na verdade, se o Dreamcast tivesse se desenvolvido, é bastante provável que a ideia de juntar jogatina online e consoles caseiros tivesse ocorrido muito antes. Basta considerar Phantasy Star Online, por exemplo. Com suporte para a SegaNet — uma das poucas utilidades desta, na verdade —, o game foi simplesmente o primeiro MMORPG lançado para um console.
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Caso o movimento ali tivesse continuado, parece razoável supor que não teria sido necessário esperar tanto tempo pela consolidação de um mercado online. Quer um exemplo? A SegaNet fornecia downloads gratuitos para os jogadores, a título de “acréscimos” para os jogos... Isso são DLCs, certo? É claro que os conteúdos ainda eram pouco expressivos, mas a semente estava lançada — embora tenha germinado só muito tempo mais tarde.
Uma era de badulaques exclusivosVocê teria mais periféricos na sua estante
Embora nenhum dos periféricos exclusivos do Dreamcast tenha causado qualquer tipo de estardalhaço, é fato que a boa criatividade da SEGA insinuada, já no final da década de 1990, mostrava que uma era de acréscimos plásticos começava a despontar no horizonte.
Não apenas isso, na verdade. Trata-se aqui de periféricos exclusivos, algo que seria apenas mais tarde inaugurado pelo primeiro Guitar Hero — com sua guitarra plástica com três quartos do tamanho de uma Gibson SG. Vale lembrar, por exemplo, das maracas de Samba de Amigo e do molinete de SEGA Bass Fishing.
E se a tendência ali continuasse? Em primeiro lugar, é provável que a sua estante estivesse hoje recheada com todo tipo de badulaque. Em segundo, é de se imaginar que, em algum momento, a SEGA acabasse expandindo o conceito, criando graus ainda maiores de imersão (ou não).
Um periférico para a oitava geração
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Até não parece exagero (ou será que parece?) estender a parceria entre SEGA e Microsoft — que desenvolveu o sistema operacional do DC — para certa patente surgida recentemente... Por que não? É claro que isso ainda jogaria um ponto de interrogação sobre a entrada da companhia no mercado com o primeiro Xbox. Mas isso é assunto para outra ocasião.
Uma vida mais digna para ícones engavetadosHoje a maior parte das pessoas conheceria Shenmue e Jet Set Radio?
Sim, a relutância da SEGA em enterrar o seu glorioso ícone é realmente comovente. Entretanto, embora o emblemático Sonic ganhe novos jogos de tempos em tempos (boa parte de qualidade duvidosa), é fato que grande parcela das franquias exclusivas que embalaram jogadores durante a década de 1990 acabaram em um sono criogênico por tempo indeterminado.
Se o Dreamcast tivesse realmente vingado? Bem, é de se imaginar que hoje você estaria jogando Shenmue IV ou disparando manobras com um Jet Set Radio renascido — talvez o spray fosse hoje um periférico em formato de aerosol. Simultaneamente, clássicos de períodos anteriores, como Virtua Fighter e Crazy Taxi, seriam baixados na novíssima versão da SEGA Net.
Isso ainda evitaria aquele destino vergonhoso reservado aos heróis fora de moda. Trata-se do modus operandi comum que consiste em jogá-los todos para dentro de karts ou pequenas espaçonaves para corridas divertidas mas completamente desprovidas de sentido.
Uma porta aberta para novos heróis
Além de badulaques e jogatina online, o último estágio da SEGA no mercado de consoles foi também bastante rico em novos ícones em potencial. Naturalmente, o desaparecimento do Dreamcast acabou jogando-os todos a um semiesquecimento. Mas isso provavelmente seria diferente se o aparelho tivesse conquistado seu lugar ao sol.
Em outras palavras, é provável que hoje marcas como Space Channel e Billy Hatcher significassem algo mais do que símbolos em uma página virada. De quebra, isso ainda daria alguma folga para o superexplorado Sonic The Hedgehog — que tem feito mais papéis secundários do que ex-ator de sitcom.
Integração entre portáteis e caseirosO seu controle seria um Neo Game Gear?
Eis um ponto em que a SEGA e o seu Dreamcast foram inegavelmente inovadores: os VMUs. Para quem não se lembra, trata-se de um conceito absolutamente sem precedentes fundindo memory card, interface adicional e mini game — chegando mesmo a se tornar um bichinho virtual em alguns casos (Sonic Adventure).
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Em outras palavras, além de salvar os seus jogos (os consoles ainda não haviam incorporado o disco rígido), o VMU ainda podia exibir informações extras em alguns títulos. Quando retirado do belo e anatômico controle do Dreamcast, o aparelhinho virava um mini game com muitas possibilidades — algo que, obviamente, dependia do jogo que estivesse rodando. Basicamente, a SEGA ensaiou ali uma integração que Sony e Nintendo esboçariam apenas muito tempo depois.
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Bem, é de se imaginar que, caso o Dreamcast não tivesse naufragado, em algum momento um sucessor seria produzido. Parece natural acreditar ainda que o “Dreamcast 2” traria consigo um VMU melhorado — não mais com tela monocromática e assumindo grande parte da superfície do controle.
Quanto ao futuro...O que um novo console da SEGA poderia trazer?
Especular sobre o que seria da próxima geração de consoles caso a SEGA ainda estivesse na briga parece algo bastante arriscado. Em primeiro lugar, porque, sendo bastante realista, isso provavelmente significaria que as gerações até o momento teriam sido substancialmente diferentes — e isso, é claro, teria ocorrido apenas se um enorme terremoto tivesse varrido a Sony e o PlayStation 2 da face da terra.
Entretanto, quando se considera o momento em que a SEGA se encontrava quando abandonou a briga e os traços que haviam construído o império da produtora até aquele momento, pode-se imaginar onde a coisa poderia ter chegado — para onde ela ainda poderia ir.
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Designs arredondados, com um estilo bastante particular? Faz sentido. A inevitável incorporação de tecnologias de entretenimento mais abrangentes? É claro. Apostas em realidades aumentadas, sistemas tridimensionais — incluindo uma forma de você acompanhar o próprio Sonic no seu tradicional circuito em “Green Hill Zone”? Isso seria ótimo.
Simultaneamente, pode-se imaginar que, já com um histórico de 30 anos desenvolvendo consoles, a SEGA resolvesse também resgatar nomes e formas que construíram suas primeiras gerações.
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É claro que tudo isso, hoje, parece altamente improvável — mesmo com a profusão de rumores que surgem de tempos em tempos (como a patente bastante bizarra acima). Mas não custa imaginar, certo? Afinal, nunca se sabe...
Ilustração & Design: Nick Mancini, André Tachibana e Homero Meyer
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