É bem verdade que o survival horror cresceu ao ponto de, hoje, se tornar quase uma instituição do entretenimento eletrônico. Também é verdade que as duas franquias que deram à luz todo um gênero hoje se encontram um tanto opacas — pelo menos do ponto de vista da crítica, vale dizer. Mas, ei! Trata-se de uma tradição construída ao longo de inúmeros títulos que com certeza merecem respeito, certo?
Afinal, esteja a maré alta ou baixa para Konami e Capcom é fato que o anúncio/lançamento de um novo Silent Hill ou de um Resident Evil inédito sempre faz mesmo o mais crítico dos jogadores parar para ouvir do que se trata — talvez garantindo ainda alguma horas. Isso para não falar nos fãs: fiéis quase completamente impermeáveis a críticas pouco lisonjeiras. Em suma? É Resident Evil. É Silent Hill.
Quer dizer, esquecendo-se momentaneamente de que Silent Hill: Downpour e Resident Evil 6 conseguiram abrir apenas sorrisos amarelos na mídia especializada, parece bastante razoável perguntar: afinal, como as escolas de video game criadas por ambas as franquias realmente se distinguem?
Uma cabeça mais simplória (a de um zumbi, talvez) poderia pensar, neste momento, que a ideia aqui é encontrar o “melhor” entre os dois. Naturalmente, isso não faz muito sentido — e seria também um despropósito óbvio, certo?
Na verdade, o que o TecMundo Games pretende descobrir ao longo dos próximos parágrafos é: em que pontos, exatamente, Capcom e Konami divergem na hora de contar suas histórias sobre abominações que espreitam na calada da noite? Talvez um bom ponto de partida seja encontrar as porções específicas do imaginário gamer que uma e outra publicadora consegue “acessar” com suas franquias milionárias.
TemáticaEntre o terror psicológico e a ciência descontrolada
Embora tanto Resident Evil quanto Silent Hill se ocupem de causar uma boa quantidade de calafrios na audiência, não se pode dizer que Capcom e Konami, respectivamente, lançam mão de recursos realmente idênticos. Ok, o sobrenatural e o oculto ainda permanecem como o lugar-comum em ambos os casos. Mas a distinção deve ir mais longe do que isso.
Uma experiência científica fora de controle
No livro “Nossos Deuses são Super-Heróis”, o quadrinista Christopher Knowles afirma que os dramas apresentados nas histórias em quadrinhos são sempre metáforas ou representações diretas do tipo de ameaça que aflige a sociedade — é só pegar as primeiras histórias do Capitão América, o despachador oficial de nazistas. Poderia ocorrer o mesmo com os video games? Bem, por que não?
De fato, em Resident Evil, a Capcom lança mão da velha temática do “cientista maluco” para manter você ofegante na ponta do sofá. Trata-se aqui do tradicional medo humano de uma ciência que finalmente acabou perdendo completamente o controle — utilizando-se de uma arma biológica de efeitos imprevisíveis no longo prazo.
Em termos psicológicos, entretanto, não se pode dizer que Resident Evil vá muito além dos tradicionais filmes de zumbis hollywoodianos — o que não necessariamente é ruim, é claro. Com perigos que visam mais uma dimensão física, RE pode utilizar, sem maiores problemas, os clássicos “Rambos” e “She-has” do cinema: sujeitos perfeitamente treinados e psicologicamente preparados para (quase) tudo o que possa aparecer pela frente.
Desbravando o inconsciente de um sujeito comum
Se os acontecimentos em Resident Evil assumem o clima apoteótico de destruição, explosão e perigos capazes de fazer a humanidade desaparecer do mapa, o mesmo não ocorre com a série da Konami. Na verdade, nenhum dos horrores aqui pretendem abocanhar a raça humana como um todo — esfacelar o psicológico de um único sujeito comum deve ser o suficiente.
Na verdade, eis algo que pode realmente passar batido: Silent Hill jamais conta histórias sobre especialistas ou qualquer tipo de caçador sobrenatural por profissão. O que há aqui, desde o primeiro título — em que um pai desesperado buscava sua filha na terrível cidade fictícia do interior dos Estados Unidos —, a série sempre colocou pessoas estritamente “comuns” em situações que dificilmente poderiam ser explicadas por futurologias científicas.
Algo muito diferente de de Resident Evil, sempre apoiado em questões de armas biológicas e decisões governamentais diabólicas. Sim, é verdade que, inicialmente, a Konami pretendia desenvolver uma franquia mais ancorada na tradição de filmes de suspense hollywoodianos. Entretanto, em uma era de orçamentos relativamente baixos, foi fácil para a equipe acabar se desviando um pouco da proposta.
JogabilidadeHeróis profissionais e amadores desesperados
Convenhamos: inicialmente, as jogabilidades apresentadas por Resident Evil e Silent Hill não eram realmente muito diferentes. Sim, SH sempre foi mais focado em armas de concussão, enquanto RE forçava você a verdadeiros exercícios de economia básica para que a parca munição durasse até o próximo save points — isso se você encontrasse a preciosa ink ribbon, naturalmente.
Entretanto, ao longo dos anos, é impossível deixar de notar que ambas as séries passaram a desenvolver abordagens bastante específicas em relação à forma como o seu azarado herói deve se movimentar durante o apocalipse (seja ele particular ou global). Talvez as linhas estejam muito mais claras, inclusive.
Corra, pule, economize munição!
Resident Evil 4 foi certamente um divisor de águas para a série. Também foi um divisor de opiniões, naturalmente. Foi nesse ponto que a Capcom resolveu aposentar os soldados de elite que se arrastavam e tinham dificuldade para mirar, trocando-os por algo mais condizente com o desenvolvimento da série.
E a tendência se manteve pelos jogos subsequentes. De fato, Resident Evil 5 foi considerado por muitos como “um bom jogo de ação com zumbis” — não necessariamente um survival horror. Bem, o que dizer? Mesmo lançando mão de recursos ligados à raiz da série, RE 6 também acabou caindo de cabeça em uma abordagem mais focada nos apocalipses zumbis dos anos 80 e 90. Cabe a cada um decidir se isso é bom ou ruim.
Apenas sobreviva!
Diferentemente de Resident Evil, Silent Hill sempre apostou mais em uma proposta do tipo: “O que aconteceria se nós colocássemos um sujeito absolutamente normal em um inferno ocupado por abominações de origem incerta?”.
Bem, desconsiderando-se algumas mudanças menores, pode-se dizer que Silent Hill permaneceu sempre o “mesmo” no que diz respeito a isso. Basta considerar o último sujeito cético jogado na tenebrosa cidade. Embora tenha ganhado alguns movimentos de esquiva e alguns ataques distintos, Murphy Pendleton ainda é o mesmo “O que diabos está havendo aqui?” dos outros games.
Cada macaco-zumbi no seu galhoEscolha o seu (e espere por uma maré melhor)
E então, uma trama religiosa permeada por pontos de interrogação em uma cidade mutante... Ou os desvarios da ciência moderna, frutos de uma busca descontrolada por dominação através da força? (Talvez o versus da Machinimia abaixo ajude na escolha).
Mas é bom tomar cuidado: reduzir o atual cenário do survival horror aos seus dois pioneiros seria, de certa forma, uma falta de respeito a um estilo que realmente gerou frutos. Afinal, a “batalha” poderia muito bem incluir mais de um “competidor”. Basta lembrar os novos clássicos como Dead Space ou Amnesia.
De qualquer forma, a escolha aqui, naturalmente, deve ser bastante pessoal — e, portanto, realmente não faz o menor sentido falar em “pior” ou “melhor”. A questão é: você prefere salvar o mundo da devastação... Ou a sua cabeça da mais completa insanidade?
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