Poison: qual o mistério por trás da personagem?

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Um corpo repleto de curvas, trajes mínimos e movimentos que esbanjam sensualidade. Em meio a tantos marmanjos, é praticamente impossível permanecer indiferente à presença de Poison em Street Fighter X Tekken. Apesar de ter sido criada como uma das vilãs de Final Fight, a personagem conseguiu se destacar e seguir um caminho próprio em outros títulos de destaque da Capcom.

Porém, mais do que simplesmente provocar os jogadores, ela também é sempre o centro das discussões por onde quer que passe. Basta ler os comentários da análise do game aqui no BJ e da recente galeria de cosplays para perceber que, apesar de sua sensualidade, a polêmica sobre sua identidade de gênero sempre volta à tona: ela é realmente uma transexual?

Entendendo a questãoUm retorno aos rumores e confusões de décadas passadasPara entender a polêmica, é preciso retornar ao ano de 1989, quando o jogo Final Fight chegou pela primeira vez aos fliperamas japoneses. Entre os diversos membros da gangue Mad Gear que os heróis tinham de enfrentar, havia uma que se destacava. Como poderia haver uma mulher envolvida com bandidos tão barras-pesadas e, ainda por cima, apanhando de alguém do porte de Mike Haggar? A resposta é simples: ela não era uma "mulher de verdade".

De acordo com o rumor mais famoso sobre a identidade de Poison, essa foi a solução encontrada pela Capcom para evitar que o movimento feminista dos Estados Unidos trouxesse uma imagem negativa do game quando ele fosse levado para o Ocidente. A história ganhou força após os sprites de Poison e Roxy terem sido trocados na versão americana do jogo por personagens masculinos, chamados de Sid e Billy.


Desse modo, a explicação encontrada por fãs era bastante simples: originalmente ela era uma mulher e foi transformada em um travesti apenas neste lado do mundo para que o título não fosse censurado. Uma lógica simples, mas nem por isso correta.

Um vídeo postado recentemente no YouTube resgata alguns documentos do game japonês e mostram que Poison, desde o início, foi concebida como uma transgênera. Isso pode ser constatado no manual do jogo, que a descreve como uma “Newhalf”, um termo utilizado para se referir a homens com corpos femininos, mas que mantêm o órgão genital masculino. Essa ideia também é comprovada por uma arte conceitual feita no final da década de 80 — anos antes da famigerada localização — que também traz a mesma expressão.

Fonte da imagem: Reprodução/MegatonStammer

A transgeneridade da personagem ainda é comprovada no perfil existente dentro do jogo Capcom Classics Collection, lançado para PlayStation 2. O texto a descreve como “um homem que se veste de mulher” e diz que sua companheira, Roxy, não apoia a decisão do amigo de virar um crossdresser.

O que os produtores falam sobre isso?

Se, por um lado, os documentos oficiais da Capcom comprovam que Poison sempre foi uma transgênera desde sua concepção inicial, do outro, os produtores dos jogos nos quais ela aparece trazem declarações que apenas tornam o debate sobre sua identidade ainda mais confuso.

Fonte da imagem: Reprodução/MegatonStammer

Um dos principais designers de Final Fight, Akira Nishitani, declarou que cabe ao jogador chegar a uma conclusão — uma saída fácil para escapar de uma questão tão complicada quanto a transgeneridade. Já Christian Svensson, vice-presidente de planejamento estratégico do estúdio, revelou que o gênero de Poison sempre foi propositalmente ambíguo.

Contudo, a grande bagunça veio a partir de uma declaração de Yoshinori Ono, produtor da série Street Fighter. Em uma entrevista ao site 1UP, ele definiu que a identidade sexual da lutadora é alterada de acordo com a região. Enquanto, no Japão, ela é uma travesti, sua versão norte-americana já é considerada uma transexual que realizou a operação de troca de sexo.

Embora a ideia tenha sido esclarecer a questão, Ono apenas deixou-a mais complicada. Essa diferenciação, em conjunto com o mito da censura, fez com que muita gente continuasse a acreditar que Poison só virou transgênera por causa da localização nos Estados Unidos, algo que não é verdade. A preocupação com o feminismo aconteceu, mas não é o motivo pelo qual Poison é uma “newhalf”.

Uma questão de identidadeTravesti ou transexual?

A partir desse ponto, podemos chegar à conclusão definitiva de que a personagem sempre foi uma transgênera. Contudo, a nova dúvida gira em torno de sua condição atual: ela é uma travesti ou uma transexual?

A discussão sobre a diferença entre os dois termos traz toda uma questão mais complexa que não será discutida neste artigo. Portanto, usaremos o senso comum de que travestis são aquelas transgêneras que se sentem bem com o seu órgão sexual, enquanto a transexual é a mulher que se vê presa dentro de um corpo masculino.

Como dito anteriormente, o termo “newhalf” presente nos conceitos iniciais de Poison a descreve exatamente como uma travesti. Contudo, o livro “All About Capcom Head to Head Fighting Games” aponta que o final da personagem no jogo Final Fight Revenge, para SEGA Saturn, sugere uma mudança de sexo feita para conquistar o coração de Cody após ele perder Jessica.

Embora isso não seja o suficiente para comprovar sua transexualidade, basta olhar os recentes games em que a lutadora aparece para perceber que, apesar de ter nascido biologicamente um homem, Poison vive como uma mulher, o que caracteriza seu lado transexual.

Importância e preconceito

Mais do que discutir sua identidade sexual, Poison tem um papel muito mais importante dentro de todo o universo gamer. Ela faz parte de uma minoria e consegue ser muito bem representada dentro dos jogos. Como discutido em uma Coluna BJ, a apresentação de homossexuais e transgêneros nos video games é sempre caricata e repleta de preconceito, servindo mais como alívio cômico do que uma parcela da sociedade que merece ser respeitada.


Poison se destaca exatamente por fugir desse triste panorama. Sua transexualidade não é escrachada, pois ela se reconhece como alguém do sexo feminino e vive como tal. Com suas curvas exageradas e movimentos sensuais, é impossível encontrar qualquer ponto de masculinidade. Longe de estereótipos, ela é, definitivamente, uma mulher.

Contudo, isso não isenta a Capcom de cometer seus erros. Repare como há um tom sarcástico na descrição existente em Capcom Classics Collection. O mesmo acontece nos próprios diálogos de Street Fighter X Tekken, que negam o gênero de Poison. Embora frases como “Não cairei em suas armadilhas” e “Parece que lutei com um homem” não soem preconceituosas para a maioria de nós, esse tipo de comentário é extremamente agressivo para alguém que quer ser reconhecido pela forma com que ela se apresenta.

Essa questão pode até passar despercebida para alguns, mas é sentida por quem também sofre do mesmo preconceito. Se você domina o inglês, a jornalista transexual Carolyn Petit escreveu um artigo ao site GameSpot que é fundamental para compreender a questão sob um ponto de vista que nem sempre levamos em consideração.

Apesar de se tratar de um personagem fictício, compreender toda essa questão dentro dos video games é algo que ajuda o jogador a acabar com o preconceito também no mundo que nos cerca. Os jogos são meras representações de nossos pontos de vistas, crenças e convicções, portanto, lidar com esse tipo de situação dentro dos games é algo que nos faz enxergar temas como transexualidade e transgeneridade com a cabeça mais aberta.

Chegamos a uma conclusão?

Por fim, podemos chegar à ideia de que Poison foi criada como uma personagem transgênera, mas que, atualmente, é considerada uma transexual. Desse modo, não é errado dizer que ela é realmente uma mulher. Independente de seu passado, a vida que ela escolheu para si é essa, sendo esse o modo com que ela deve ser interpretada e, acima de tudo, respeitada.

É claro que esse ponto vai gerar muita discussão e polêmica, mas é exatamente o grande charme por trás de Poison. Por mais que muita gente prefira dizer que são suas curvas que a tornaram famosa, lembre-se de que sua companheira em Final Fight, Roxy, possuía a mesma sensualidade, mas caiu no limbo da Capcom.

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