Lembro-me até hoje do dia em que comprei meu Mega Drive. O upgrade era suficiente para empolgar qualquer pré-adolescente: dos quadradinhos abstratos que compunham os gráficos do Atari 2600, eu havia passado para um universo cheio de cores vivas, movimento, história e figuras que realmente se pareciam com algo vivo. Tudo isso capitaneado por um personagem que conseguia ser incrivelmente “cool”, mesmo quando tinha que libertar coelhos e passarinhos de suas prisões metálicas.
Sonic The Hedgehog, Mario, Link, e tantos outros. Trata-se de uma época em que era possível embarcar em uma fantasia escapista, cheia de criaturas antropomórficas, e em seguida conversar com os amigos sobre as fases atravessadas... Sem parecer que havia algum problema com o seu gosto. Afinal, se os próprios blockbusters traziam figuras coloridas e lúdicas, quem haveria de questionar?
Saem as plataformas, entram novas doses de realismo
Entretanto, ao escrever recentemente as análises de Rayman: Origins (Xbox 360, PS3 e PS Vita) para o BJ, algo me ocorreu: o título da Ubisoft é praticamente uma “mosca branca” da indústria — algo que não se vê com muita frequência, já que a maioria dos jogos similares acaba remanejada para as redes online, ou assume a forma de um App — nada contra, é claro.
Em algum momento entre o início da década de 1990 e a sétima geração de consoles, a inocência típica dos games foi perdida, sumariamente colocada para escanteio. Em lugar de cores vivas, há hoje uma profusão de paisagens desoladas; em lugar de saltos em plataforma e bolhas de proteção, há hoje headshots, bombas e tramas que pretendem trazer densidade para dentro dos games... Em detrimento, às vezes, de parte do que constitui uma das principais razões de existir de um video game: o entretenimento puro, despreocupado e simples.
Mas não, não se trata aqui de um discurso saudoso e nem, tampouco, de um esforço moralizador. Até porque, particularmente, me considero um fã inveterado de jogos como Dead Space (e Survival Horrors, em geral), Mass Effect e L.A. Noire.
A grande questão talvez seja: em que ponto, exatamente, jogos como Rayman, Sonic e mesmo o próprio Mario perderam o seu status e o seu espaço para um esforço de trazer níveis absurdos de realismo para dentro dos consoles de video game?
Afinal, se você pensar bem, grande parte dos jogos que ainda carregam a bandeira de uma fantasia sem pretensões surgiram em uma época em que esse formato ainda representava o mainstream dos jogos — mais ou menos o que ocorre hoje com o cenário do rock, cujos representantes, em sua maioria, já contam mais de cinco décadas nas costas.
Dinheiro real por coisas virtuais?
Mas há também um segundo ponto que, a meu ver, torna a injeção maciça de realidade nos games como algo preocupante, talvez até temerário. Ok, é um ponto que já abordei em outras colunas, mas talvez nunca seja demais relembrar: em que momento, afinal, nós nos acostumamos com a ideia de que é aceitável gastar dinheiro real para adquirir itens virtuais?
Não me refiro aqui aos títulos comprados digitalmente, é claro — é melhor nem entrar no assunto de como as indústrias tem tratado o mercado de usados. Trata-se do modelo adotado por MMOs (e mesmo outros formatos) que diz: “Quer ser realmente ‘o cara’ dentro deste jogo? Então adquira essa belíssima montaria, ou essa lustrosa espada de duas mãos, por R$ XX, XX”. (Aviso: o vídeo abaixo contém alguns termos impróprios, embora, infelizmente, bastante adequados à carreira atual de alguns ícones. A produção leva a assinatura do site Machinima).
Enfim, por algum motivo, de repente, bateu uma saudade da época em que o fluxo maior da indústria ainda se permitia apostar em ambientes lúdicos e divertidos; uma época em que os jogos não eram vendidos picotados. Havia respeito ali, tanto pelo entretenimento descompromissado, quanto pelo bolso dos jogadores. Talvez, em algum momento, os ótimos jogos realistas da atualidade consigam conviver pacificamente com coelhos, ouriços e caricaturas. De qualquer forma, acho que vou religar o meu Mega Drive.
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