Grand Theft Auto: San Andreas trazia inúmeras novidades para a série. Havia um mundo gigantesco para se explorar, assim como uma jogabilidade revigorada e uma história para mente-lo ligado na coisa toda. Entretanto, havia também uma adição mais sutil, aparentemente irrelevante: a possibilidade de fotografar o mundo enorme e orgânico concebido pela Rockstar. Afinal, tirar “fotos” de um universo virtual podia ser interessante.
Mas o que dizer, então, diante do deslumbramento visual contido em muitos dos títulos de peso da atual geração? Afinal, se uma boa viagem à Europa ou ao norte do Brasil já renderia algumas dúzias de fotografias, o que dizer de uma incursão heroica ao hostil e belo universo de The Elder Scrolls V: Skyrim?
Afinal, porque fotografar o Cristo Redentor ou o Monte Rushmore pode ser mais válido do que eternizar a arquitetura singular do castelo de Dragon’s Reach (Whiterun), ou então, quem sabe, transformar em película uma parte dos cenários pitorescos que compõe as aventuras de Nathan Drake.
Mas não, não se trata aqui apenas de ressaltar novamente a ótima qualidade gráfica dos títulos modernos. Trata-se da possibilidade de enxergar, mesmo nos mundos fantasiosos dos games, uma amostra do potencial, da arte e do discurso próprios da fotografia. E, quer saber? Há quem faça disso quase uma profissão.
Duncan Harris: fotógrafo de gamesLocalidades e monstros em pixels como cartões postais
É provável que grande parte das pessoas, ao fazer turismo, opte por levar como recordação algumas boas fotos dos locais que visitou. Ou, talvez, não se trate apenas de algo para rememorar, mas sim da possibilidade de rever determinada localidade sob um ângulo diferente, ocasionando uma experiência distinta — como parte do “isto foi”, conforme colocaria o filósofo Roland Barthes.
Fonte: Deadendthrills
Mas que tal se os lugares visitados estiverem dentro de um jogo de video game? Bem, para o jornalista inglês Duncan Harris, as fotografias ainda são a melhor escolha. De fato, Harris é reconhecido pelo trabalho impressionante que realiza ao “fotografar” alguns dos maiores clássicos dos games. Como resultado, há algumas imagens que deixariam mesmo o mais profissional dos fotógrafos com alguma inveja (acompanhe ao longo desta matéria).
Harris opera atualmente o site DeadEndThrills, endereço no qual ele pretende mostrar o que há de subjacente, de pouco explícito na experiência de se entrar no universo de um jogo. “Eu acredito que, em relação ao que existe por baixo, não há apenas montes de porcarias nos video games”, disse Harris, em entrevista ao site Kotaku, definindo-se como um “pornógrafos dos video games”.
Fonte: Deadendthrills
Ele continua: “Abaixo e entre [a experiência dos jogos], há uma imensa quantidade de arte estupenda. Nós sabemos, ou pelo menos suspeitamos que ela está ali, mas, como jogadores, é impossível perceber a sua extensão”. Segundo Harris, fotografar em games remete ao mesmo princípio que nos faz comprar cartões postais — para que algo se torne magnífico novamente. Mas, bem, talvez essa grandiosidade não seja sempre percebida.
Esqueça o jogo por um momentoÀs vezes o negócio é parar e observar
Ao contemplar as imagens conseguidas por Duncan Harris, é provável que muitos jogadores tenham disparado: “nossa, nem parece o mesmo local em que eu estive”. Segundo o jornalista, há um motivo para essa reação: o próprio jogo nos distrai — o andamento da aventura tira do foco as composições peculiares que compõem alguns dos mais belos cenários em pixels.
Fonte: Deadendthrills
Afinal, uma jornada a Azeroth ou à versão pós-apocalíptica da Terra em Fallout 3 provavelmente se parece muito pouco com uma viagem turística. “Imagine a visão do monte Rushmore em um cartão postal”, disse Harris ao referido site, “e coloque um homem com roupas extravagantes lendo algumas linhas de ‘Star Wars: A Ameaça Fantasma’ como se fosse o próprio Shakespeare”. (Sim, isso provavelmente deixaria qualquer um distraído).
Não basta sair fotografandoAlgumas modificações são necessárias antes de fabricar a sua própria arte in-game
Caso você esteja pensando em ligar o seu computador neste momento para colher algumas belas imagens, é bom estar avisado: a fotografia nos video games também tem a sua própria técnica envolvida. Conforme afirmou Duncan Harris ao site Kotaku, o seu trabalho envolve aplicar uma ampla variedade de modificações — como os FXAA — nos jogos antes de fazer os registros.
Fonte: Deadendthrills
Como resultado, os jogos aparecem, por exemplo, com texturas melhoradas e maior campo de visão. Harris utiliza também o que chama de “debug camera”, recurso que é capaz de desafixar a câmera do jogo do seu local convencional, normalmente atrás do protagonista ou representando os seus olhos (em primeira pessoa).
Isso permite que as fotos registrem praticamente qualquer coisa dentro de um cenário. Harris lembra, entretanto, que esses recursos normalmente tornam o game impossível de jogar... Mas sempre é possível fazer algumas boas fotos. “Eu penso que isso é como um cartão postal de um lugar que você nunca viu em fotografias. Caso o único conceito que você tenha de um lugar venha de uma posição no chão — a partir dos seus olhos — observar isso sem essas restrições pode ser algo realmente fantástico”.
Fonte: Deadendthrills
Enfim, seja como resultado direto da qualidade gráfica conquistada, ou porque, simplesmente, os games passaram a compor a nossa cultura de forma mais ampla, fato é que, talvez, exista mesmo algo além do que é normalmente percebido em um bom jogo —como o trabalho extraordinário realizado por alguns dos maiores e mais bem pagos designers da indústria. Bem, quem sabe não seja uma boa você registrar a sua próxima viagem a Liberty City ou ao Boletarian Palace.
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