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Quando a Sony anunciou o PlayStation 4 no início do ano, eu confesso que não fiquei muito impressionado. Não que eu tenha achado ruim, muito pelo contrário, pois o hardware da Sony é fantástico e certamente a empresa vai continuar fazendo o que sempre fez: criar experiências fantásticas para todos.
O que acontece é que eu já estou no “negócio” de video games há mais de 30 anos. Eu nasci com um joystick na mão, e o meu interesse sempre foi dividido entre jogar e acompanhar o desenvolvimento da indústria, ver de perto as evoluções da tecnologia e a disputa pelo primeiro lugar no coração dos jogadores.
Para entender melhor, vamos voltar um pouco no tempo: no início da década de 1990 a briga era entre Mega Drive e Super Nintendo. Enquanto a Big N investia pesado nos games de qualidade, a SEGA se arriscava mais, lançando periféricos de todos os tipos. Foi a SEGA que desenvolveu um modelo rudimentar de Kinect e mais tarde o SEGA CD para dar mais poder ao Mega Drive.
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Foi pouco depois disso que a Sony pegou todos de surpresa: ela cancelou a parceria que tinha com a Nintendo, aproveitou o conhecimento adquirido e lançou um console com uma inovação radical: os jogos do PlayStation seriam primariamente 3D e distribuídos apenas em CD. O sucesso foi tanto que atropelou o Nintendo 64, que trazia gráficos 3D, mas pecava por ainda utilizar cartuchos, e o SEGA Saturn, que era de difícil desenvolvimento, pois utilizava quadriláteros em vez de triângulos para formar os objetos.
Agora, com o lançamento do PlayStation 4 no início do ano, senti que faltou alguma coisa. A impressão foi de que não tivemos uma novidade, apenas um “upgrade” no hardware do PlayStation 3.
A Sony está em uma zona de cautela. Ela sabe que um pequeno deslize pode ser fatal e mede os passos para não desagradar aos jogadores — que tornaram-se muito mimados, diga-se de passagem —, garantindo assim a sua sobrevivência. Entretanto, isso faz com que tenhamos poucas novidades realmente impactantes por parte da fabricante.
Porque é difícil inovar?
A Nintendo é uma empresa ao mesmo tempo extremamente ousada e conservadora. Ela provou isso com o Nintendo 64, oferecendo um console com gráficos lindos para a época, mas impedindo que jogos realmente bons pudessem aproveitar isso por causa dos cartuchos, que traziam uma capacidade limitada. Isso e outras questões fizeram com que os desenvolvedores largassem a Big N e pulassem para o lado da Sony.
Com o Wii, a empresa conseguiu surpreender a todos, inovando — muito — nos controles, mas oferecendo um console com pouco poder gráfico, o que resultou em uma subida rápida, seguida por uma queda tão rápida quanto.
Ela tentou repetir o sucesso com o Wii U, mas parece que o mundo não aceitou mais um console com poder gráfico defasado. O novo controle tablet não foi suficiente para repetir o sucesso do Wiimote e, pelo menos por enquanto, o sistema não está vendendo muito bem.
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A Sony, por outro lado, manteve-se tradicional desde o primeiro PlayStation, mantendo uma evolução de hardware constante de uma geração para outra, mas não fugindo muito disso. Ou seja, ela preferiu não mexer em um time que está ganhando. Está errada? É claro que não. Essa é a sua estratégia e até agora tem funcionado.
A Microsoft já foi um pouco mais ousada, tanto que, quando lançou o primeiro Xbox, foi massacrada pela imprensa especializada que declarava que o console seria natimorto. Como sabemos, não foi bem assim. Ele fez muito sucesso, trouxe a Xbox Live e pavimentou a estrada dos jogos online.
O Xbox 360 seguiu em frente e consolidou a empresa como um “big player” no ramo dos consoles. Temos que admitir que, mesmo que o Kinect tenha decepcionado em algumas áreas, ele é uma inovação e tanto.
Inovar é difícil, gera inimigos e, principalmente, custa caro.
Ás vezes é preciso impor as mudanças para que exista evolução
Mesmo que seja difícil, precisamos evoluir. Alguém precisa ter a coragem para dar o primeiro passo. Quando a grande maioria do mundo julgou e crucificou a Microsoft por causa das políticas severas de licença digital, poucos pararam para analisar a situação como um todo e tentar enxergar o “mercado” de games com olhos mais críticos e menos apaixonados.
Quando a Microsoft anunciou todos os recursos do Xbox One este ano, o mundo só olhou para os pontos negativos da plataforma. Uma resposta natural, já que inovação sempre incomoda e as pessoas não querem sair de suas zonas de conforto. Principalmente quando isso envolve uma paixão, como os games.
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Nesse ponto, uma frase dita por Henry Ford cabe muito bem: certa vez, ao comentar sobre a criação do automóvel, ele proferiu: “Se eu perguntasse aos meus clientes o que eles queriam, iriam pedir cavalos mais rápidos.” Ou seja: muitas vezes os clientes não sabem exatamente o que é melhor para eles. Não que eles quisessem necessariamente cavalos mais rápidos. O que eles queriam era um meio de transporte mais eficiente, porém eram incapazes de imaginar algo diferente de um cavalo, concluiu Ford.
Outro gênio de mercado falecido recentemente sabia muito bem disso e costumava dizer que é preciso dizer o que público quer, e não perguntar o que ele quer. Steve Jobs mudou o mundo da tecnologia não somente uma, mas diversas vezes. Se não fosse a sua visão, possivelmente estaríamos utilizando telefones com teclados físicos até hoje.
Essa matéria do Bloomberg data de 2007 e foi publicada pouco depois do anúncio do primeiro iPhone. No texto, o jornalista argumenta que o iGadget vai contra todos os princípios e não oferece o que os consumidores querem. Para piorar, ele não possui nem mesmo um teclado!? Segundo a matéria, empresas como Nokia e Motorola não deveriam ficar preocupadas com o iPhone.
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Elas não ficaram mesmo, e, hoje, todos sabemos qual é o resultado. A Motorola vendeu sua divisão de telefonia para a Google e a Nokia luta desesperadamente para não falir. Prova de que subestimar as mudanças pode ser perigoso.
E onde entra o Xbox One nessa história?
A Microsoft percebeu que o mundo estava precisando de novidades e investiu pesado para tentar forçar a mudança dessa vez. Infelizmente, a empresa falhou em mostrar as vantagens de seu sistema, gerando uma rejeição maciça ao seu novo console. As vantagens competitivas da nova plataforma acabaram de transformando em suas maiores desvantagens.
Com isso, ela se viu obrigada a abrir mão de todas as novidades e modificar o projeto do Xbox One, transformando-o em um “Xbox 360 tunado”. Isso não significa que o console vai ser ruim, mas agora ele perdeu praticamente todos os seus diferenciais.
O que estamos perdendo com a “arregada” da Microsoft?
Ao escolher mudar a licença dos jogos para o formato digital e não físico, a empresa tentou colocar o seu foco em outra direção. Isso porque percebeu outro inimigo no horizonte, além de uma boa oportunidade de resolver diversos problemas: a plataforma de distribuição digital Steam.
A Microsoft tentou levar essa característica para os consoles por enxergar um ótimo modelo de negócios. Várias questões seriam resolvidas com isso: a morte da pirataria e um consequente aumento da margem de lucros dela e dos desenvolvedores de jogos.
A plataforma [Steam] tem feito muito sucesso nos computadores, principalmente pelos preços baixos que cobra pelos games. Quem aí nunca aproveitou um “Summer Sale” quando títulos novos podem chegar a ter descontos de até 90%?
Quando a Valve lançou a Steam, também ouviu duras críticas ao DRM e de como a distribuição digital iria ser um fracasso completo, pois jamais as pessoas iriam abrir mão de ter as mídias físicas, as caixas e tudo mais.
Alguns anos depois, me diga: alguém ainda usa mídia física para jogar nos computadores? Se você conhece alguém, me apresente. Pois a grande maioria é apaixonada pela distribuição digital, que certamente não foi inventada pela companhia, mas se popularizou com a loja da Valve.
No Steam, também não se pode vender os games que você adquiriu na loja. Você vê alguém reclamando disso? Dificilmente, principalmente porque comprar um game no Steam sai mais barato que alugar um disco na locadora perto da sua casa.
E como esse modelo é possível? A Valve é uma entidade filantrópica que oferece subsídios aos jogadores para ver todo mundo feliz? Ou ela ameaça a família dos desenvolvedores para que eles abram mão do lucro?
É lógico que não. Um dos motivos é justamente a ausência do comércio de usados na plataforma.
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Vamos supor que você tenha pago 40 reais por um game usado. Essa venda gera 0 real para o desenvolvedor. Por outro lado, um game que você tenha pago 5 reais no Steam rende 5 reais (menos a comissão da loja, é claro) para o desenvolvedor. Qual é o melhor modelo para os dois?
E é justamente isso o que a Microsoft tentou fazer. A empresa quis aplicar esse modelo aos consoles. Com o custo absurdo de produção que alguns estúdios estão tendo hoje em dia, eles não podem abrir mão de qualquer centavo.
Dessa maneira, utilizando a formula do Steam no Xbox One, no futuro (pelo menos em teoria) seria possível ter games com um valor muito mais acessível, devido ao volume das vendas que seria maior.
Funciona nos PCs, mas funcionaria em um console?
Um dos argumentos contra essa política é de que os consoles não são tão retrocompatíveis como os computadores. Veja: a sua conta da Steam — pelo menos em teoria — vai rodar os mesmos jogos daqui a dez ou quinze anos, mesmo que você troque de computador dezenas de vezes.
Se a Microsoft, daqui a alguns, parar de autenticar os jogos, não poderíamos mais jogá-los. Isso até pode ser verdade, mas isso não é um problema tão grande assim. O problema para aceitar essa situação é o conceito de propriedade: você não possui o jogo, você possui uma licença para jogá-lo enquanto ele estiver disponível. É como se você estivesse pagando por um serviço.
Outro detalhe é que frequentemente os jogos antigos são relançados para as novas plataformas. Muitas vezes em versões de alta definição e com novos recursos, justificando uma nova aquisição, desde que o preço seja justo. E na maioria das vezes ele é.
E tem mais: você pode possuir o disco de um jogo, mas nada garante que ele vai continuar funcionando no futuro. Se você tem a licença de um game, você pode baixá-lo quantas vezes quiser. Se um disco ficar riscado, ou for perdido, já era. Só comprando outro.
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Outro argumento contra a Microsoft era de que, pelo menos no console, não existe concorrência como no PC, onde diversas lojas oferecem versões digitais — inclusive sem DRM, como o GOG —, gerando competição.
No caso do Xbox One, todos os games seriam comercializados exclusivamente pela Microsoft, gerando uma espécie de monopólio.
Isso não é totalmente verdade, uma vez que lojas como a Amazon vendem cartões de pontos com códigos que podem ser utilizados no Xbox 360. Dessa forma, é possível que ela e outras lojas vendessem códigos de games online para serem instalados no Xbox, assim como lojas diversas vendem códigos para serem resgatados no Steam.
Tudo bem que os preços poderiam ser tabelados, mas é de se esperar que aos poucos promoções começassem a surgir, principalmente com games mais antigos, assim como já acontece no PC. O mercado se ajustaria ao sistema.
Mas por que não abandonar de vez a mídia física?
Uma mensagem postada na internet por um suposto funcionário da Microsoft, poucos dias após o primeiro anúncio do console, serviu para esclarecer algumas suspeitas. É claro, uma mensagem anônima pode não ser real, mas faz as peças se encaixarem.
Segundo o suposto funcionário, a Microsoft não pode simplesmente abandonar a mídia física. Um dos motivos seria o desespero total e completo da comunidade, outro seria o poder de gigantes do varejo, como Amazon e, principalmente, Gamestop. Essas companhias ganham muito com a venda de mídias físicas e games usados.
Ao remover as mídias físicas da equação, a Microsoft estaria removendo parte do poder de barganha desses atravessadores, algo que não os deixaria muito satisfeitos. Segundo o que o próprio funcionário disse, essas empresas estão “travando” a evolução da indústria de games ao impedir uma mudança de formato.
Será que o futuro da distribuição de mídia será físico ou digital?
Você assiste a algo pelo Netflix? Quando foi a última vez que você foi até uma locadora? Você sente falta das “mídias físicas” para assistir a filmes e séries? A Blockbuster já foi a maior rede de locadoras do mundo. Hoje ela luta para sobreviver.
A indústria da música riu de Steve Jobs quando a Apple lançou a iTunes Store. Hoje, temos poucas lojas de CD por aí. Tudo porque a distribuição digital derrubou quase que completamente esses negócios. Por que, então, acreditar que com os games o negócio será diferente?
Você pode argumentar que Wii U, PS3, PS4 e Xbox 360 possuem um sistema de distribuição digital. Sim, eles têm, mas como um complemento, e não como principal modelo de negócio. O que a Microsoft tentou fazer foi justamente o contrário: tornar a distribuição digital a principal e a física apenas um complemento.
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É inevitável ver que o futuro da distribuição será completamente digital. Se não for nessa geração, talvez seja na próxima. Infelizmente, com a mudança de projeto da Microsoft, não saberemos se essa história teria um final feliz ou não.
Computação em nuvem: mais um recurso que perdemos
A Microsoft desenvolveu um sistema de servidores incrivelmente poderoso para o Xbox One. Segundo informações, ele vai assumir o controle total das partidas online e tirar o gerenciamento (e os custos) das mãos dos desenvolvedores. Isso vai garantir que as partidas online funcionem de forma muito mais eficiente.
Outra grande vantagem desse sistema é que ele pode aumentar o poder computacional do Xbox One. Funciona assim: tudo o que não precisar de cálculos por frames e puder ser apresentado com uma latência de 100 milissegundos ou mais poderá ficar a cargo da nuvem.
Já pensou nas possibilidades desse recurso? O console poderia ficar limitado a renderizar o seu personagem e uma pequena área ao redor dele, enquanto a nuvem cuida de todo o resto do cenário, permitindo a criação de games impressionantes.
Fonte da imagem: Divulgação/Microsoft
Como não existe mais a conexão constante com a internet, esse recurso — apesar de ainda existir — deixa de ser interessante para os desenvolvedores, que devem optar por nivelar os jogos por baixo.
Além disso, ao voltar para o modo tradicional de distribuição, nós voltamos a ser obrigados a continuar dependendo de ter os discos dentro do console para jogar, mesmo que o game esteja instalado. O compartilhamento digital de títulos com amigos ou familiares também deixou de existir. Agora, só emprestando o disco fisicamente.
Mas e agora?
Quero deixar claro que não sou fanboy da Microsoft e nem de uma empresa. Sou antes de tudo um apaixonado pelos games e tentei apenas ser um pouco mais crítico em relação à indústria de jogos, que está visivelmente precisando se reinventar.
Pode parecer difícil de acreditar, mas o objetivo principal de empresas como a Microsoft, Sony, Nintendo, Electronic Arts e de todas as outras é ganhar dinheiro. E parece que o modelo de distribuição atual não funciona mais tão bem como no passado, mostrando que precisa de uma reformulação.
Basta olhar para os estúdios de games e ver quantos deles estão prestes a fechar as suas portas devido às somas milionárias das produções atuais. Se um modelo de negócio puder se tornar mais rentável para as companhias, pode ter a certeza de que ele será adotado, mesmo que em doses homeopáticas. É importante que os estúdios ganhem dinheiro, pois, sem isso, não há jogos. E, se não há jogos, o que nós, jogadores, vamos fazer?
O Xbox 360 evoluiu. Fonte da imagem: Divulgação/Microsoft
Esse projeto da Microsoft iria funcionar? Infelizmente não sabemos, pois isso nunca foi feito antes — pelo menos não nos consoles. E, depois que a empresa decidiu voltar ao formato antigo, não temos como saber de que jeito essa história poderia terminar. Particularmente eu acho que a distribuição exclusivamente digital é uma tendência e, mesmo que a médio e longo prazo, poderíamos ver as vantagens do modelo, assim como foi com os PCs.
O modelo apresentado pela Microsoft não era perfeito, mas mostrava mudanças, e mudanças sempre são bem-vindas. Aos poucos as coisas iriam se adaptar e encontrar o seu caminho, como sempre aconteceu.
Infelizmente, vamos ter que nos contentar com mais uma geração baseada no argumento “o meu exclusivo é maior que o seu”.