Há algo que eu preciso confessar: invariavelmente mantenho um pé atrás sempre que um novo FPS (tiro em primeira pessoa) é revelado. E o ceticismo é tão maior quanto mais inflamado for o anúncio: “Inovador!”; “A evolução dos jogos de tiro!”; ou qualquer outra frase exaltada.
Por quê? Muito simples: ao “iniciar um novo jogo” no menu inicial, o que surge é uma experiência incrivelmente semelhante a quase tudo o que foi feito anteriormente. Corre, atira, corre, se esconde, atira, assiste à animação que levará ao próximo cenário... A fim de que tudo se repita novamente.
E isso mesmo quando há boas histórias para tentar amarrar a coisa toda. Nesse quesito, Homefront me vem à memória. Lembro claramente da impressão que tive ao analisar o título até bastante promissor da THQ.
A trama ali realmente me chamou a atenção ao mostrar, por meio de um resumo cronológico atento aos mínimos detalhes, como a hegemonia dos EUA havia sucumbido aos avanços de uma supernação formada pela união das Coreias do Norte e do Sul. Impressionante e inventivo, de fato. O cenário era ainda reforçado pela execução em local público de um casal, que deixava sozinho um filho chorando copiosamente — trazendo a guerra para uma dimensão bem pessoal.
Bem, mas daí veio o jogo. “Corre, atira, corre, se esconde, atira, assiste à animação que levará ao próximo cenário... A fim de que tudo se repita novamente.” A ação trazida talvez tenha sido algo divertido. Entretanto, a ligação daquela correria com o estado de coisas mostrado no início era simplesmente fraca demais. Não convencia. É possível até mesmo ressaltar um parentesco.
Histórias de pinball
Na verdade, na grande maioria dos FPS, eu sempre acabo com a impressão de que a ação central é tão impermeável à história quanto o eram naqueles fliperamas clássicos, os “de bolinha” mesmo — também chamados de pinball.
Aquelas máquinas podiam trazer estampadas imagens de “Star Wars”, “De Volta para o Futuro”, “O Homem-Aranha” etc. Só que isso certamente fazia muito pouca diferença quando a bolinha começava a rodar e a ser rebatida pela mesa — o que era ótimo, é claro.
Fonte da imagem: Reprodução/StyleFashion
Mas não entenda mal: realmente não parece haver qualquer problema com a forma com que franquias clássicas de FPS articulam (ou não) suas histórias com a porção jogo da coisa. A questão é: até que ponto pode ser saudável tomar uma “tradição de jogabilidade” como sinônimo para o que, no fundo, é só uma perspectiva de jogo — simples, intuitiva e com potencial para muito mais. Vale outro exemplo pessoal aqui.
FPS? Mas nem parece!
Minha relação com BioShock foi um tanto atípica. De fato, jamais cheguei a jogar o primeiro título — que dizem ser o melhor, e não parece haver motivos para duvidar disso. Fui direto para o segundo.
De qualquer forma, ainda me lembro claramente da impressão deixada por inúmeros elementos ali — a começar pelo perturbador reflexo no vidro, logo no início, mostrando que eu haveria de assumir o controle de um dos maiores algozes do primeiro game, o tenebroso Big Daddy.
A trama ali certamente era muito atraente. A “Atlântida” forjada para ser um reduto de experiências científicas do visionário Andrew Ryans acabou descambando diante de uma nova liderança religiosa — o que se fazia perceber em cada canto da então decaída Rapture.
Também percebi logo de cara que sair disparando a torto e a direito contra tudo o que se movesse seria apenas a forma mais rápida de morrer. Era preciso desenvolver uma tática. Era preciso adquirir novos poderes, instalar torretas, buscar formas de ocultação e mesmo deixar que as armas do cenário fizessem o trabalho duro por mim.
Depois de horas de imersão contínua, entretanto, algo finalmente se tornou consciente:
“Caramba, eu estou jogando um FPS... Mas não se parece com um!”
De fato, em algum momento entre a história densa, a jogabilidade incrivelmente variada e as concepções estéticas impecáveis da 2k Games, eu simplesmente acabei não percebendo que, estritamente falando, BioShock é um FPS. É um jogo de tiro em primeira pessoa, já que coloca a câmera sobre os seus calcanhares — assim como também o fazem Call of Duty, Battlefield, Medal of Honor ou qualquer outro título prontamente associado ao gênero.
Um potencial pouco aproveitado
Antes que alguém resolva construir um boneco de vudu com as minhas feições, vale esclarecer: realmente não há qualquer problema com o que se entende como “FPS clássico”. Afinal, pode realmente ser divertido disparar alguns headshots enquanto se ouve (mais uma) história alternativa sobre a Segunda Guerra Mundial.
A questão é: será que o FPS realmente precisa continuar como refém da cultura criada em seus primeiros anos? Ou será que jogos como Portal, Mirror’s Edge e também diversos jogos de terror, como Amnesia, nos mostram claramente que há um potencial não devidamente explorado aí.
Uma perspectiva naturalmente imersiva
Basta analisar, mecanicamente, o que representa uma perspectiva em primeira pessoa para perceber as possibilidades que parecem negligenciadas porque uma ou duas franquias milionárias ainda ocupam todo o espaço — fazendo tudo do jeito que sempre fizeram.
Senão, pare e pense: por que jogos como Slender e Amnesia são tão bem-sucedidos em criar uma atmosfera de horror? Bem, pelo menos uma das respostas poderia ser: porque dificilmente uma ação de câmera poderia criar tanta imersão quanto aquela em primeira pessoa. Afinal, a perspectiva ali se dá a partir dos seus próprios sapatos... É difícil não se sentir parte de qualquer coisa que se apresente ali.
Ok, neste ponto, algum jogador purista poderia insistir que diversos desses jogos compartilham apenas a parte “FP” de “FPS” — são em primeira pessoa, mas não focados em tiro. Bem, mas você ainda dispara facadas e controla veículos em jogos considerados representativos, certo? Dessa forma, me parece apenas uma questão de proporção bem pouco relevante.
Um descanso para Doom e Wolfenstein 3D
De qualquer forma, aqui eu me manifesto como jogador mesmo. Eu gostei muito da experiência que tive com BioShock, e fiquei igualmente deslumbrado com a originalidade e o humor negro de Portal 1 e 2. Também adorei tomar sustos em Amnesia e correr desbragadamente em Mirror’s Edge.
De alguma forma, me parece que parte do segredo para o sucesso desses jogos está justamente na abordagem diferenciada da estrutura normalmente rígida que perpassa os jogos em primeira pessoa. Talvez seja o momento de a indústria dar um pouco de descanso para a fórmula desgastada iniciada há anos por clássicos como Doom e Wolfenstein 3D e perceber o quão rico em experiências diversas o FPS pode ser.