Dubladores de Injustice marcaram presença no evento de lançamento do game (Fonte da imagem: Reprodução/BJ)O Brasil já se estabeleceu como um dos maiores e mais promissores mercados de game do mundo. Prova disso é o sucesso de eventos como o Brasil Game Show e, obviamente, a quantidade de títulos recém-lançados no país com conteúdo dublado em português, totalmente adaptado para o público do país.
Porém, essa preocupação repentina de traduzir o conteúdo dos jogos para fãs brasileiros não implica, necessariamente, em trabalhos de qualidade. Com uma demanda cada vez mais crescente, muitos títulos acabam ganhando uma dublagem ruim, que distancia o gamer do console.
Na noite de ontem (17), o BJ esteve presente no lançamento de um dos jogos que já se tornou referência em matéria de dublagem no Brasil: Injustice: Gods Among Us. Na ocasião, conversamos com os dubladores Ettore Zuim, Guilherme Briggs e Philippe Maia, que fazem, respectivamente, as vozes de Batman, Superman e Lanterna Verde, tanto na telona quanto no game da Netherrealm.
Qual a diferença entre dublar filmes e games?
Há diferenças, mas são poucas. Para Zuim, o ponto principal é que, no caso dos jogos, a dublagem é feita mais por arquivos de áudio, não necessariamente assistindo às cenas do game. Em Injustice, a situação foi mais primorosa e os dubladores tiveram acesso aos filmes que contavam a história do game, o que possibilitou um trabalho mais completo.
Maia ressalta o mesmo ponto: “Dublando filmes, seriados, coisas que estamos mais acostumados no dia a dia, nós dublamos cenas com imagens. Nos games, muitas vezes isso não acontece. Temos os arquivos de áudio com a tradução e tentamos dublar no mesmo tempo, com a mesma intenção. O estúdio recebe esses arquivos e vai montando o jogo e, então, não temos muita noção de como vai ficar no final”, explica o dublador que já emprestou suas vozes para outros jogos, incluindo Halo 3.
A parábola do restaurante dos infernos
“O problema do game é que ele é muito trabalhoso de dublar e, como são muitos arquivos, o grande cuidado que se deve ter — e muita gente não está dando atenção a isso — é o de não fazer o jogo de qualquer maneira, começar a acelerar o processo, sem imagem, sem sincronia, para fazer rápido. Isso é errado. Tem que fazer com calma. Tem que dizer para o cliente o prazo real necessário para manter a boa qualidade da dublagem”, diz Briggs.
O dublador do Homem de Aço comparou a dublagem ruim de jogos com os episódios do reality show “Kitchen Nightmares”, em que o chefe Gordon Ramsay pega pesado com quem não trabalha direito no próprio restaurante. “‘Eu não sei por que meu restaurante não tá dando certo, eu faço rápido, eu entrego a comida’. Mas o cara entrega a comida fria, crua, não limpa o estabelecimento. O mínimo que se espera de um produto é que ele seja gostoso, que ele tenha qualidade, e isso demanda tempo, dedicação, profissionais qualificados, pausas para tomar café, beber água, não exaurir o ator”, complementa.
Dublagens feitas em Miami
Outro assunto relacionado à dublagem de games para o português e que sempre levanta polêmica foi o trabalho realizado por estúdios de Miami, a pedidos de algumas produtoras. Depois de muita reclamação, alguns chegaram a tentar reverter a situação, mas isso resultou em uma dublagem praticamente mecânica, sem emoção nas vozes e que não cativa o jogador.
Nesse ponto, Briggs é categórico: “Eu acho que isso acontece para baratear os custos. Eu sou contra. A dublagem tem ser feita em território nacional, por brasileiros. É um produto para brasileiros, com atores brasileiros. Os produtores de game não podem subestimar a grande sensibilidade do público brasileiro, que é criativo, inteligente pra caramba e quer qualidade. As pessoas que gostam de game são pessoas sofisticadas, inteligentes, que comparam com o original, e elas querem qualidade. Não podem ser tratadas como se não entendessem disso. Os games são melhores do que os filmes, às vezes. Você vê histórias que são melhores do que as de filmes”.
Dificuldades tupiniquins
E como a indústria de dublagem de games começa a ganhar mais força no Brasil, chega a ser esperado que dificuldades surjam e que profissionais mal-intencionados se aproveitem desse cenário.
“Tem muitas pessoas oportunistas, que pensam só no mercado, em ganhar dinheiro. Isso é o mesmo que pensar: ‘pô, a moda agora é uma comida, então vou montar uma barraquinha, fazer de qualquer jeito e vou vender.’ Não, calma. Tem que ter cuidado com isso. Surgiu um monte de gente que quer dublar game e que não tem a menor condição. Então acho que o público tem que ficar de olho e reclamar, exigir dublagens de qualidade”, comenta Briggs.
“Tem que pedir atores gabaritados, bons, e que façam com calma: fãs, por favor, peçam para que a gente possa trabalhar com mais calma. Precisamos de um Gordon Ramsay para os games, que grite com esse povo: ‘que diabos você está pensando? Por que você está fazendo desse jeito?’”, brinca o dublador de Superman.
Como surge um dublador?
Os caminhos percorridos pelos três dubladores entrevistados pelo BJ foram muito distintos, mas compartilham em comum atividades que, certamente, afetam o resultado final da dublagem. A principal delas é o envolvimento com o teatro.
No caso de Ettore Zuim, responsável pela voz de Batman na trilogia de Christopher Nolan, o teatro era sua atividade principal e ele foi, aos poucos, arrastado para a área da dublagem por colegas de trabalho, como Nádia Carvalho, que interpretava a personagem Santinha Pureza, na antiga Escolinha do Professor Raimundo.
Ettore Zuim (esq.) e Philippe Maia (dir), dubladores de Batman e Lanterna Verde (Fonte da imagem: Reprodução/BJ)
Já Philippe Maia e Guilherme Briggs desenvolveram uma paixão pela área da dublagem durante a infância. Maia, que dublou Lanterna Verde tanto na produção com Ryan Reinolds quanto em Injustice, sempre se interessou por desenhos animados e acabou com os ouvidos bem treinados, sendo capaz de reconhecer as vozes dos personagens facilmente. Ao longo do caminho percorrido para se tornar um profissional de renome, Maia passou por cursos de dublagem — com os profissionais da Herbert Richers — e também de teatro.
Briggs, responsável pela voz de Clark Kent há 16 anos, deve seu trabalho atual ao pai: “Eu tinha uns oito anos de idade e, junto com meu pai, fazíamos muito rádio-teatro em casa. Ele escrevia textos e nós interpretávamos, tínhamos uma vitrolinha para fazer trilha sonora, um gravador... Passávamos um fim de semana inteiro interpretando, brincando de rádio-teatro. Então, interpretar sempre foi uma coisa muito natural para mim”. Com isso, não demorou muito para que Briggs começasse a se interessar profissionalmente por teatro e, depois, por dublagem.
Dublagem de Injustice já é considerada referência para a indústria (Fonte da imagem: Divulgação/Injustice)Dicas para quem deseja começar
Quanto à possibilidade de novas vozes de dubladores surgirem no mercado, a resposta dos três dubladores é um uníssono “sim”. Mas é preciso se dedicar para entrar nessa área. De acordo com Zuim, o dublador “tem que ser ator, tem que ter todo um background para fazer isso. Não é só ler um texto e sincronizar uma fala e ter uma voz bonitinha. É um trabalho de sensibilidade, de percepção. Sendo ator, você reconhece o que o outro está fazendo e reproduz na sua língua”.
Briggs segue pela mesma linha: “Tem que fazer curso de teatro, depois fazer um curso de dublagem para ver como é a profissão. E quando se sentir bem preparado, entrar no mercado pedindo para fazer testes. É preciso paciência, porque demora".
Manolo Rey (esq.), diretor de dublagem de Injustice, e Briggs, a voz do Superman (Fonte da imagem: Reprodução/BJ)
Além disso, é bom ter cautela. "Nunca jogue suas fichas todas na dublagem. Não abandone tudo e vá pra São Paulo, arriscar a vida, pensando que vai viver de dublagem instantaneamente. Faça isso com mais segurança, com um emprego e, aos poucos, deixe a dublagem ir conquistando o espaço desse seu outro emprego. Porque é tudo muito incerto. O trabalho de ator em geral é incerto. Não tem mais dublador contratado, é tudo eventual: nós prestamos serviços”, aconselha Briggs.
Maia também concorda que sempre tem espaço na área de dubladores. “O mercado sempre precisa de gente com talento. Mas é importante começar da maneira certa: o mercado exige que você tenha o registro de ator e seja sindicalizado para exercer a profissão de dublador corretamente".
"Como qualquer profissão, tem que batalhar muito no início, pedir testes em estúdios e ter a consciência de que quando começarem a te escalar, será para participações pequenas. Isso demora. Leva uns quatro ou cinco anos para que o profissional comece a ficar mais tarimbado, mas há espaço, sim”, avisa Maia.
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