Fazer um jogo é algo muito caro. Tão caro que, em alguns casos, nem mesmo os milhões de vendas conseguem compensar o valor investido e trazer o lucro esperado pelas distribuidoras. É por isso as empresas estão cada vez mais apostando em maneiras de trazer esse retorno mesmo após o lançamento.
Os DLCs e pacotes de expansões foram os primeiros sinais dessa tendência. Por mais polêmicos que eles tenham sido, esses extras servem tanto para expandir a experiência para os jogadores quanto para fazer com que aquele título ainda renda mais alguns “trocados” para a desenvolvedora. Seja para compensar o que faltou para o jogo “se pagar” ou para ampliar os rendimentos, esse é o dinheiro que vem fácil e a partir de pouco esforço — e é por isso que ele incomoda tanto o consumidor.
No entanto, fazer um jogo é algo muito caro e várias dessas empresas estão apostando em outros formatos para compensar os altos gastos para a concepção de novos projetos. E se os DLCs já deixavam muita gente revoltada, o que dizer das microtransações?
Por mais que você torça o nariz, a venda de itens por dinheiro real está cada vez mais frequente, incluindo nos chamados AAA. Se a prática sempre foi marca registrada de títulos free-to-play, a expansão dos jogos para celular fez com que as empresas percebessem o quão lucrativo ela poderia ser se incorporada também em jogos maiores.
Queira ou não, as microtransações já chegaram aos grandes blockbusters.
Os primeiros exemplos
Em essência, toda microtransação é um DLC, afinal trata-se de um conteúdo adquirido por download. No entanto, ele se difere do conceito comumente utilizado exatamente por não ser apenas um elemento adicional — como novas fases, personagens ou uma grande reinvenção do universo do game, como acontece em Undead Nightmare e em The Tyranny of King Washington —, mas algo um pouco menos “sério”.
Na grande maioria dos casos, o formato é adotado para vender elementos meramente estéticos, como roupas, enfeites ou uma skin diferenciada. Sabe aquela dezena de chapéus e outros itens que não servem para nada em Team Fortress 2, exceto deixar seu personagem com um visual bem peculiar? É aí que a microtransação se mostra mais eficiente.
E se esse tipo de perfumaria era algo bem característico dos free-to-play, basta olhar os últimos grandes lançamentos para perceber que a ideia já foi abraçada pelas desenvolvedores que, por muito tempo, permaneceram distantes da ideia de “enfeitar” seus jogos. Gears of War: Judgment, por exemplo, trouxe ao jogador a possibilidade de comprar pinturas e enfeites para suas armas, deixando o combate bem mais personalizado.
E o título da Epic não foi o único a adotar a estratégia. Em Call of Duty: Black Ops 2, a Activision disponibilizou pacotes de personalização para o jogo e a 343 Industries já afirmou que a série Halo pode seguir pelo mesmo caminho em um futuro próximo.
Contudo, a verdadeira polêmica em torno do uso das microtransações surgiu em outro título. Quando a Electronic Arts anunciou que Dead Space 3 teria uma loja interna para vender recursos para a fabricação de armas, muita gente se revoltou por acreditar que a novidade era uma atitude mercenária que quebraria a diversão do game.
A verdade é que o título chegou aos consoles e as microtransações não foram o monstro que todos pintaram. A ideia do estúdio era simplesmente oferecer um facilitador para os jogadores obterem itens úteis. Assim, em vez de passar horas extraindo materiais, eles poderiam pagar um pouco e fazer essa mesma ação em questão de segundos.
E isso é algo ruim?
A primeira reação que nos vem à mente quando pensamos na venda de conteúdos para jogos, sejam DLCs ou microtransações, é a revolta. Afinal, pagamos caro em cada jogo e é bem frustrante saber que temos de desembolsar mais para ter acesso a outros conteúdos.
No entanto, por mais que você xingue muito no Twitter, não há nada que possa ser feito: o formato já é uma realidade e é bem pouco provável ele seja aposentado só porque nós queremos. Trata-se de um conteúdo gerado a partir de pouco esforço — são pequenos itens ou pacotes de vantagens — e vendidos a preços bem convidativos, o que faz deles produtos bastante lucrativos.
Exemplo disso é que The Simpsons: Tapped Out, lançado pela EA para iOS, arrecadou incríveis US$ 23 milhões em pouquíssimo tempo. O que significa para EA um pequeno grupo de “reclamões” diante desse número?
Além disso, os primeiros jogos a explorar o formato não foram os monstros que muita gente pintou. As skins de Gears of War: Judgment e Call of Duty: Black Ops 2 são adições meramente estéticas, enquanto Dead Space 3 já flerta com algo um pouco mais arriscado, trazendo facilidades para dentro do jogo.
Quebrando a experiência
A ideia de criar uma forma de economizar tempo é bem perigoso, pois pode servir de porta de entrada para o pesadelo de todo e qualquer game em que as microtransações estão presentes: o famoso — e temido — pay to win, ou seja, fazer com que aquela pessoa que não tem medo de gastar tenha muito mais vantagem sobre o jogador “comum”.
Como o produtor de Dead Space 3, John Calhoun, explicou ao site Computer and Video Games, a proposta é trazer um novo tipo de praticidade. Todos os recursos à venda estão disponíveis dentro do próprio jogo, mas demandam tempo para serem coletados, o que significa que você pode acelerar consideravelmente o processo de criação de armas se optar por abrir a carteira.
No caso do game da Visceral, a questão não chega a ser tão polêmica pelo fato de seu multiplayer ser mais centrado na experiência cooperativa. Porém, pense no quanto isso pode ser prejudicial para um ambiente mais competitivo. Enquanto você está há dias se empenhando para conseguir os melhores itens para seu personagem, alguém pagou por aquilo e o alcançou em apenas alguns minutos.
E nem precisa ser algo “material” para causar esse desconforto. Além das skins para armas, Gears of War: Judgment trouxe também multiplicadores de experiência. Assim, você poderia dobrar a velocidade de evolução de seu personagem e chegar a níveis mais avançados em pouco tempo. E ao contrário de Dead Space, a competição é algo presente em Gears, algo que as microtransações podem tornar bem sem graça se mal-utilizadas.
Foi o que aconteceu com Diablo III. Mesmo sem uma área de PVP, a simples ideia de que a Casa de Leilões permitia que qualquer pessoa tivesse as armas e armaduras mais raras do jogo ao alcance de seu cartão de crédito afugentou muitos jogadores. Isso porque o sistema nem é considerado uma microtransação típica, já que o conteúdo não era oferecido pela Blizzard.
Mas o que mais preocupa ainda é o fantasma do pay-to-win. Muita gente teme que seja apenas uma questão de tempo para que skins e facilitadores evoluam para vantagens e benefícios que somente os “usuários Premium” tenham acesso.
É realmente preciso?Resistência que vem do bolsoJogos são caros — e não apenas para os desenvolvedores. Sabemos como ninguém o quanto pesa no bolso acompanhar os últimos lançamentos do mercado. É por isso que notícias sobre DLC antes mesmo da chegada do game às lojas é algo tão frustrante. Agora imagine como é pagar R$ 200 em um título e ainda ter de pagar mais alguns dólares para evoluir dentro dele.
Para o consumidor, essa relação ainda é muito conflituosa. Em jogos gratuitos ou para dispositivos mobile, ela ainda é aceitável pelo simples fato de você não estar pagando nada — ou quase nada — pelo game, o que torna a compra de itens, moedas ou vantagens algo aceitável. O jogador sabe que há um custo de produção por aquilo e o fato de o valor cobrado por ele ser baixo — ou inexistente — torna as microtransações menos assustadoras. É quase como uma forma de apoiar a produtora e dizer que você realmente gostou de seu trabalho.
Por outro lado, os AAA já são caros por natureza, tanto aqui quanto lá fora. Desse modo, é quase inconcebível para muita gente ter de pagar esse valor um tanto quanto salgado e ainda desembolsar mais alguns trocados para ter acesso a conteúdos extras. A venda de itens in-game enfrenta o mesmo questionamento feito há anos com DLCs.
Essa diferença faz com que a experiência da compra seja completamente oposta entre um título disponível na AppStore e aquele que você tem em seu console. Por mais que o custo em seu cartão de crédito seja o mesmo, o caminho — e o valor — para chegar até ali é um fator muito importante dentro da equação.
Caminho sem volta?
Voltemos à questão que abre este artigo: fazer um jogo é algo muito caro. Basta olhar a quantidade de grandes estúdios fechando as portas ou passando por um período de crise. Não está fácil para ninguém, o que significa que muitas dessas companhias precisam se adaptar e encontrar uma maneira de tornar suas atividades mais rentáveis para evitar o pior.
O antigo diretor-executivo da Electronic Arts, John Riccitiello, conta que a empresa estava em um mau momento em 2007 e que, em conversa com seus funcionários, ele afirmou que se tratava de uma situação quase de vida ou morte para a marca. Segundo ele, ou a EA investia em uma forma de se adaptar às mudanças de mercado e fazer uma mudança radical em suas políticas ou aceitava o encolhimento de mercado e esperava seu fim.
Para isso, ela apostou muito no formato digital e em diferentes plataformas, além de novos modelos de negócio. É por isso que ela é uma das primeiras grandes distribuidoras a abraçar as microtransações nos AAA.
Outro grande nome que apoia a novidade é Cliff Bleszinski, criador da série Gears of War e uma das referências em termos de tendências de mercado. Segundo ele, essas maneiras de estender a lucratividade de um título são benéficas para o jogador, pois permitem que o game chegue mais barato ao consumidor. Segundo ele, o desenvolvimento é caro e essas medidas alternativas evitam que esse custo seja repassado para o consumidor.
Abraçando o formato
Prova de que as microtransações vieram para ficar é que grandes empresas já adotaram o formato em AAA, como os exemplos citados já confirmaram. E mais do que oferecer extras e maneiras de tornar o progresso mais fácil, algumas companhias transformaram seus blockbusters em jogos gratuitos e adicionaram elementos básicos à loja.
É o caso da Sony com o multiplayer de Uncharted 3: Drake’s Deception. Você pode baixar o jogo diretamente da PSN sem pagar um centavo por isso, mas será preciso desembolsar alguns dólares para acessar os modos cooperativo e competitivo.
Trata-se de uma estratégia simples e eficiente: você tem a falsa sensação de liberdade de que está montando o game à sua maneira quando, na verdade, está pagando muito mais nesses pedaços do que se fosse atrás do título em disco. A vantagem é que essa venda não oferece nenhum desequilíbrio às partidas e pode ser bem econômica para quem quer apenas uma modalidade do multiplayer.
O mesmo acontece com o não tão popular Everybody Dance. O título também passou a ser distribuído de graça, mas completamente vazio. Assim como em Uncharted, isso fazia com que o catálogo completo ficasse muito mais caro que o jogo original, mas é uma ótima alternativa para quem quer apenas uma ou outra faixa.
A verdade é que todos esses games são apenas o início de uma nova tendência que começa a ganhar força na indústria e que certamente estará presente em futuros lançamentos e principalmente na nova geração.
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