Quando as gigantes dos games sofrem

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Fonte da imagem: Reprodução/GameSpy
Nas fábulas, os gigantes são vistos como criaturas extremamente poderosas e praticamente invencíveis, que assustam os humanos normais e se transformam em sinônimo de terror e destruição absolutos. O final deles, porém, é sempre o mesmo. Tropeçam na própria grandiosidade e acabam derrotados por criaturas menores, que muitas vezes utilizam inteligência e artimanhas que não haviam sido pensadas pelos enormes seres.

Se o mundo dos games tem um panteão de gigantes, a Square Enix e a Electronic Arts fazem parte dele. Com o poder de suas grandes franquias, como Battlefield, Final Fantasy, Dead Space, Hitman e a recém-ressuscitada Tomb Raider, as empresas eram presença certa nas listas de jogos mais vendidos e, muitas vezes, também nos prêmios que elegiam os melhores títulos do ano.

De uns tempos para cá, porém, a situação não tem estado muito favorável para essas companhias. Sua soberania vem sendo questionada devido a problemas de infraestrutura, games com qualidade duvidosa, desagrado dos fãs e, o fator que mais importa para os engravatados do mercado de jogos, baixas vendas. Os gigantes estão tropeçando e sangrando, enquanto as gerências das empresas tentam estancar o sangramento.

O game que você não quer jogarE aquele que você quer, mas não consegueImg_normal
Nos anos recentes, quando se fala em Survival Horror, um único nome vem à cabeça dos fãs do terror nos games. E não, não estamos falando de Resident Evil. Para muitos, Dead Space se tornou um dos detentores do título de game mais assustador do mundo, mantendo a luz apagada e os monstros sempre sedentos de sangue.

Até que veio Dead Space 3 e, com ele, uma decepção para muitos fãs hardcore. O game que era o bastião do terror lembrava agora mais um shooter genérico, com modo multiplayer, muita ação e pouco daquilo que tornou a franquia um sucesso. O “mal necessário” citado pelo roteirista Anthony Johnston não agradou.

Com notas de medianas a boas, Dead Space 3 não vendeu o esperado pela Electronic Arts, e rumores indicam que uma sequência teria sido cancelada, já que, na opinião da publicadora, a franquia ainda não justificou sua continuidade. Com isso, vieram mais lamúrias dos fãs, que continuaram criticando a empresa por ter assassinado a saga ou chorando com a possibilidade de ela não continuar.

Quando o novo SimCity foi anunciado, há pouco mais de um ano, muita gente comemorou o retorno de um dos games de estratégia mais consagrados de todos os tempos. Os fãs, imediatamente, começaram a imaginar todas as possibilidades que as máquinas da atual geração poderiam gerar em termos de visual, jogabilidade e, principalmente, “vida” para a cidade virtual.

O que se viu no lançamento, porém, foi uma sucessão de erros. O DRM invasivo, que obrigava os jogadores a estarem sempre conectados para aproveitar o título, acabou impedindo que as pessoas efetivamente aproveitassem SimCity. E quando a jogatina estava liberada, tínhamos cidadãos que andavam em círculos e tomavam decisões dignas de capivaras.

A história que veio logo depois se assemelha bastante à de Dead Space. Notas medianas dos veículos especializados, muitas críticas por parte dos fãs e, o que foi ainda pior, o estancamento dessa hemorragia com a oferta de jogos gratuitos como um pedido de desculpas.

Do ponto de vista mercadológico, os dois “fracassos” consecutivos resultaram em uma redução na expectativa de lucros da companhia e, para muitos, na saída do presidente John Riccitiello. Os analistas concordam, porém, que sem as revoluções realizadas pelo executivo e o foco nos mercados digitais e móveis, a Electronic Arts poderia estar em um estado muito pior.

Blockbusters e a necessidade do sucessoReestruturar para recuperarFonte da imagem: Reprodução/TechnoBuffalo
Antes dominante no Japão e entregando fantasia e magia em forma de jogos para seus fãs, a Square Enix se tornou, nos anos recentes, uma casa também de franquias ocidentais. Aquisições de desenvolvedoras e novos planos de negócios trouxeram novas franquias de renome para o portfólio da empresa, que ampliou sua atividade nos Estados Unidos e Europa e deixou de ser lembrada como sinônimo de RPGs.

O retorno de True Crime, agora batizado de Sleeping Dogs, e a volta da exploradora de tumbas Lara Croft em uma versão repaginada vieram lado a lado com os assassinatos do Agente 47, de Hitman — três grandes blockbusters e três grandes expectativas de ganhar mercado e investir cada vez mais em jogos grandes e bons.

Os três títulos, porém, tiveram em comum as vendas abaixo do esperado, mesmo com notas ótimas em agregadores como o Metacritic. Mais do que isso, o desempenho dos títulos nos Estados Unidos decepcionou, com a Europa sendo responsável por mais de dois terços das comercializações e levantando dúvidas sobre a eficácia dos meios de divulgação e marketing.

Demissões de funcionários, que atingiram principalmente a United Front Games, foram o primeiro reflexo desse resultado, além do afastamento do CEO global da Square, Yoichi Wada. O novo executivo responsável pela empresa, Yosuke Matsuda, veio com a missão de reestruturar o negócio para se livrar do que muitos analistas já chamam de “crise”.

Apesar de não ter divulgado detalhes do que está por vir, a companhia afirmou que vai rever completamente a forma como trabalha com jogos. Isso deve envolver todos os setores da cadeia de produção, desde o desenvolvimento – onde mais pessoas podem acabar perdendo o emprego – até os esforços de marketing. O primeiro efeito concreto já é conhecido: a venda de boa parte, senão todos, os jogos free-to-play para a publicadora Sleepy Giant.

O fantasma da THQCalma, ainda não é hora de pensar nissoFonte da imagem: iStock
Antes de continuarmos, vale a pena citar que a Electronic Arts e Square Enix não são as duas únicas empresas que estão passando por dificuldades financeiras. Os casos exemplificados acima, porém, são os que têm recebido mais atenção da mídia especializada, além de possuírem causas e efeitos claros, que permitem traçar paralelos e imaginar o futuro para outras companhias dos games.

Ainda, é importante citar que o caos instaurado na EA e a crise da publicadora de Final Fantasy não significam que elas estão perto da falência e podem acabar em breve. O recente fim da THQ assustou muita gente, mas, se você acompanha o mercado e o noticiário de games, sabe que o caminho até isso foi muito longo e pavimentado de fracassos de vendas, jogos ruins e péssimas decisões gerenciais.

Então, que fique claro: a Electronic Arts e a Square Enix não estão acabando. O fato de existirem iniciativas de reestruturação – e dinheiro suficiente para financiar isso – mostra que elas ainda estão bem longe de caírem de vez. Então, nada de sonhar em ver suas franquias favoritas nas mãos de outras empresas, ok?

Altos custosVendendo pouco e lucrando maisFonte da imagem: iStock
Vale a pena citar também um dos principais responsáveis por todos os problemas citados acima: o alto custo de desenvolvimento e produção de um game. Isso não é novidade para ninguém, mas você sabe exatamente quanto custa esse processo e quantas pessoas estão envolvidas nele? E acima de tudo, por que dois ou três milhões de cópias vendidas não são suficientes?

Quem deu uma bela aula sobre os custos decorrentes da produção de um game foi o vice-presidente de planejamento estratégico da Capcom, Christian Svensson, nos fóruns oficiais da companhia. Em uma tentativa de explicar de forma rápida como tudo funciona, ele lançou alguns números que mostram o tamanho desses gastos.

De acordo com ele, nenhum jogo de grande desenvolvedora sai por menos do que muitos milhões de dólares. Mesmo títulos pequenos, como remasterizações digitais de games clássicos, não deixam de ter esse tipo de valor alto, além dos meses envolvidos em pesquisa, produção e esforços de marketing e lançamento.

Eis alguns números e fatos lançados por ele:

  • Custo mensal de um desenvolvedor: no mínimo US$ 12 mil em salários e custos trabalhistas (multiplique isso pelo número de pessoas envolvidas, não apenas programadores, mas também artistas, designers de áudio, assessores de imprensa, profissionais de marketing, testadores e tudo mais);
  • Custo mensal de escritório: cerca de US$ 4 mil (gastos como energia, internet, impostos trabalhistas, material para trabalho, viagens etc.);
  • Gastos com softwares e estações de trabalho: cerca de US$ 10 mil por programador;
  • Kits de desenvolvimento para consoles: entre US$ 10 mil e US$ 20 mil cada, dependendo da plataforma.

De acordo com Svensson, times de desenvolvimento em empresas grandes podem ter de 50 a 300 funcionários envolvidos em um único título. Em blockbusters, como Resident Evil 6 ou Call of Duty, esse número pode chegar a mais de mil, trabalhando em um período de dois a três anos, em média. Faça as contas e veja o tamanho do rombo que um título como Tomb Raider ou Dead Space 3 abre nas contas de uma produtora. E entenda por que mesmo 2 milhões de unidades de um game, a US$ 59,99 cada uma, não são o bastante.

Ninguém está seguroQuem pode ser o próximo?
Levando tudo isso em conta, não fica difícil prever quais companhias podem acabar em maus lençóis no futuro. Desde que, claro, não aprendam com a observação de seus concorrentes e cometam os mesmos erros sucessivamente. Existem também casos em que o erro, se é que pode ser chamado assim, já foi cometido, mas as consequências não chegaram ainda.

A própria Capcom pode ser vista como um exemplo do primeiro caso. Após passar por uma fase de experimentação e falta de foco com sua principal franquia, Resident Evil, a empresa soltou no mercado uma sequência de jogos que não agradaram aos fãs e receberam duras críticas.

Para se antecipar a futuros problemas enquanto prevê uma queda nos lucros e observa as vendas não satisfatórias de Resident Evil 6, a empresa já anunciou que vai rever seus planos com a franquia e modificar processos internos. A lição, pelo jeito, foi aprendida.

Já no segundo caso temos a Nintendo, que investiu anos de pesquisa e desenvolvimento no Wii U para ver seu novo console não repetindo o sucesso do antecessor. Mesmo com o bom desempenho do 3DS no Oriente, o direcionamento da companhia no mercado de consoles de mesa pode ter de ser revisto no futuro para evitar que o fantasma da geração 64 bits mais uma vez assole a companhia.


E enquanto este artigo era escrito, mais uma empresa apareceu com problemas. A id Software, de Doom e Rage, foi assunto de uma reportagem do site Kotaku, revelando problemas de gestão e um remanejamento completo de funcionários e títulos. A primeira baixa já foi sentida, com o cancelamento da sequência de Rage e um corte de alguns dos DLCs do game.

Todo o time de desenvolvimento do FPS está agora focado em Doom 4, e a empresa sofre com a pressão da Zenimax, megacorporação da qual a Id Software é subsidiária. O ultimato é claro: entreguem um produto de qualidade até o final do ano ou então este será o fim de uma das primeiras produtoras de FPSs do mundo. Uma realidade triste do mercado atual de jogos eletrônicos à qual ninguém está imune.

Fontes: Capcom Unity, Kotaku, NeoGAF

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