Leonardo da Vinci representou uma “espécie” bastante particular de gênio. Não contente em legar obras-primas em um único meio, esse engenhoso italiano se tornou conhecido especialmente por sua multiplicidade de talentos, deslocando-se com leveza das artes plásticas para a engenharia e desta para a botânica e para a poesia. Dessa forma, a comparação com o homem por trás do PS4 parece bastante coerente.
“Mark Cerny é o que há de mais próximo a um da Vinci moderno”, afirmou o então presidente da Academia de Artes Interativas & Ciência, Joseph Olin, por ocasião da inclusão de Cerny em 2010. “O que ele faz não se restringe a um único aspecto da criação de jogos — ele é realmente um homem renascentista”, atestou Olin.
Fonte da imagem: Reprodução/Sony
Ok, talvez tanta celebração seja parte do reconhecimento inflamado de um gênio, o qual pode descambar facilmente para o campo do “mito”, onde não é mais necessário nenhum tipo de respaldo factual.
Só que Mark Cerny também vai muito bem com os fatos. Antes de ser anunciado como o designer-chefe por trás da nova geração do PlayStation, Cerny desenvolveu uma carreira tão multifacetada quanto bem-direcionada no entretenimento eletrônico, o que lhe valeu a ascensão que, hoje, o colocou no topo da nova plataforma da Sony. Mas a coisa toda começou com a Atari, lá no início da década de 1980.
Um homem, um jogo
“Em 1985, praticamente não havia diferença entre um amador e um profissional”, destacou Mark Cerny em entrevista ao site Develop. Entretanto, foi em meio à enxurrada de títulos para arcades e novas plataformas que o executivo começou a dar seus primeiro passos, desenvolvendo a acertividade pela qual se tornou célebre na indústria de jogos.
E o início foi bastante prematuro. Cerny se juntou à Atari em 1982, numa época em que um único sujeito era responsável por inúmeras dimensões de qualquer projeto. O primeiro sucesso comercial veio com o arcade Marble Madness, no qual participou como designer e coprogramador.
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“O desenvolvimento de hardware era muito diferente durante a década de 80”, ele diz. “Eu consegui diversos avanços como desenvolvedor de hardwares para arcade sendo um único sujeito. Mas, na época, bastava sair e comprar chips e colocá-los em uma placa.” De fato, uma realidade um tanto distinta dos projetos megalômanos que orientam grande parte dos blockbusters atuais.
Posteriormente viria uma longa jornada com a SEGA, tanto em sua porção ocidental quanto oriental, atuando em diversos projetos para o Master System — entre os quais se incluem os famosos óculos 3D, uma verdadeira “sensação” entre os jogadores que, apesar disso, acabou falhando nas prateleiras. Cerny ainda deixaria sua marca como produtor de Sonic The Hedgehog 2 antes de partir para novos rumos.
“Eu realmente quero esse kit de desenvolvimento!”
É provável que boa parte das gerações atuais de jogadores conheça Mark Cerny das manchetes de sites especializados em games, nas quais seu nome normalmente aparece associado ao da nova máquina da Sony, o PlayStation 4. Mas esse flerte com a Sony e, particularmente, com as equipes responsáveis pelo PlayStation vem de muito antes.
Bem da época do PS original, na verdade. Enquanto compunha a Crystal Dynamics no início da década de 1990, Cerny se aproximou da Sony pedindo um kit de desenvolvimento para o console. Só que não havia precedentes para isso, e a companhia se recusava terminantemente a enviar quaisquer hardwares para fora do Japão.
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De fato, a primeira resposta foi um belo e sonoro “não”. O que resolveria a questão seria então uma rápida viagem ao Japão para, pessoalmente, reiterar o pedido. A decisão não apenas foi responsável por criar uma boa impressão junto à cúpula da Sony — que liberou o kit — como também deu origem à bela junção de forças entre Cerny e o PlayStation. De fato, o designer chegou a desenvolver a engine gráfica do que viria a se tornar o PlayStation 2.
Corrigindo as falhas do PlayStation 3
Cerny é bastante diplomático ao abordar o PlayStation 3, é claro. Entretanto, quando perguntado sobre as deficiências do console, o designer é taxativo: “99% hardware e 1% software”. Em outras palavras, uma bela e poderosa caixa de jogo com praticamente nenhuma ferramenta otimizada para dar acesso ao seu enorme potencial.
Cerny não chegou a participar diretamente da concepção do terceiro PS. Entretanto, ele parece perfeitamente capaz de identificar não apenas as falhas do PlayStation 3, mas também de toda a sétima geração de consoles.
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Em suma: “Caso um diretor criativo mudasse um jogo nas bases, boa parte do código precisaria ser jogado fora”. Trata-se, afinal, de uma época em que “boas ideias geravam dor de cabeça para todos”. Um retorno relativo às origens poderia ser a solução, é claro.
“Como você acha que o PS4 deve ser?”
Quando foi incumbido de liderar o projeto do PlayStation 4 — pouco depois de o PS3 chegar às prateleiras —, Mark Cerny empreendeu uma longa viagem, conversando com mais de 30 equipes de desenvolvimento para tentar conceber o formato do novo console.
Fonte da imagem: Reprodução/Develop
“Então eu percebi que os grupos que eu deveria visitar eram aqueles em que, do outro lado da mesa, havia pessoas com opiniões fortes”, disse o executivo, em entrevista ao referido site, lembrando-se da dificuldade de driblar os comentários “educados” (os puxa-sacos).
Aprendendo com o passado
Entre o feedback coletado e o know-how obtido em anos de indústria, o formato encontrado foi uma espécie de antídoto para o que veio antes. Ou uma espécie de junção de lições apreendidas por partes distintas da indústria: as soluções de distribuições encontradas pela Apple, e os processos simples de inclusão entre desenvolvedores das plataformas sociais e independentes — as quais se mantiveram como ilustres desconhecidas para o PlayStation 3.
Fonte da imagem: Divulgação/Sony
Isso tudo sem desrespeitar o passado, mas apoiando-se nele. “Trata-se do resultado das experiências dos anos do PS3. Dessa forma, partir para o desenvolvimento do PS4 foi algo bastante natural”, ele afirma, ainda diplomático. Resta esperar pela História para saber se a visão de Cerny continua tão afiada como antes — e tão precisa quanto a da sua contraparte renascentista.
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