Se a pergunta acima fosse feita há umas duas décadas, provavelmente não haveria grandes dificuldades em encontrar uma resposta apropriada. Um console seria um computador dedicado para jogos, uma plataforma de entretenimento interativa que se ligaria à sua TV a fim de levá-lo a universos de capa e espada, zumbis, guerras as mais variadas e tal. Voltando um pouco mais no tempo, talvez alguém mencionasse aquelas caixinhas “TV — Video Game”.
Mas isso foi antes. Antes que os consoles passassem a almejar fatias maiores do seu entretenimento da sala de estar — servindo como portais para filmes, séries, músicas etc. Antes também de as necessidades de conectividade levarem as famigeradas “redes sociais” para dentro de praticamente qualquer aparelho eletrônico — mesmo um marca-passos.
Também foi antes de que aparelhos como Steam Box, Ouya, Shield e afins aparecessem para borrar ainda mais as fronteiras entre consoles, computadores, set top boxes e quaisquer outras categorias temporárias. Apesar disso, as grandes gigantes do mercado fazem o possível para manter a ideia de que ainda faz sentido falar de consoles, de saltos de geração, de jogos exclusivos e, naturalmente, de marcas.
Dessa forma, uma pergunta que talvez pudesse ser respondida em algumas poucas linhas antes agora parece necessitar de um pouco mais. Talvez uma boa saída seja o tradicional “dividir para conquistar”, identificando algumas dimensões comumente associadas ao que se entende por “consoles”
Um console é...
Talvez a “dedicação” ainda seja uma via possível para tentar definir um console. Conforme colocou o site HowStuffWorks, por exemplo, trata-se de um “computador altamente dedicado”.
Há também uma central de processamento — a qual normalmente é escolhida entre modelos já disponíveis há algum tempo no mercado, a fim de baratear custos. Mas o referido site também lista outras dimensões, talvez mais como razões para que alguém deixasse de comprar um computador a fim de adquirir sua versão “dedicada”:
- Um console de video game é mais barato do que um computador projetado para jogos. As gerações atuais de consoles custam entre US$ 200 e US$ 500, enquanto que um computador devidamente armado para rodar perfeitamente os títulos mais modernos pode facilmente passar de US$ 10 mil;
- Consoles normalmente carregam os jogos na memória mais rapidamente do que a maioria dos PCs — excluindo-se computadores mais onerosos, naturalmente;
- Por serem projetados exclusivamente para o entretenimento, os video games são fáceis de ligar e colocar para funcionar, normalmente interagindo sem maiores problemas com a sua TV ou o seu aparelho de som;
- Não deve haver problemas de compatibilidade, como aqueles associados ao sistema operacional, ao DirectX, a placas de áudio adequadas, a controles específicos, resoluções e por aí vai;
- Os desenvolvedores de jogos sabem exatamente quais componentes fazem parte de quais sistemas, de forma que os títulos são desenvolvidos para obter o máximo de determinado hardware;
- Não é preciso ser um grande gênio para botar um console para funcionar. A maior parte dos aparelhos é realmente “plug and play” — é ligar e sair jogando; e
- A maior parte dos aparelhos permite múltiplos jogadores. A mesma opção pode levar a um processo penoso em um computador caseiro típico.
Estável e uniforme?
Ao que parece, grande parte dos pontos acima poderia facilmente ser descrita como “uniformidade”. De fato, o que se adquire juntamente com um console é um contrato de suporte de longo termo, de maneira que você sabe que, daqui a vários anos, mesmo que o seu aparelho se encontre em “final de carreira”, ainda será possível simplesmente plugá-lo à TV e mandar ver na jogatina.
Entretanto, o que dizer de projetos que começam a se insinuar agora? Digamos, caso o potencial em nuvem do Xbox One não tivesse sido macetado por feedbacks raivosos, quem realmente diria que o resultado seria um console típico?
Ao ampliar o poder de processamento com servidores externos, o conceito proposto inicialmente pela Microsoft daria um passo além da tradicional transição entre modelos ao longo dos anos — algo que vem desde a época do Atari 2600. Seria um console construído tijolo por tijolo, mesmo após o seu lançamento — passo que já é ensaiado pela atual geração, com suas inúmeras atualizações, algo que soaria estranho a um jogador dos 16 bits.
Desviando-se das publicadoras
Qualquer um que seja capaz de enxergar mais do que um novo aparelho lustroso no armário da sala já deve ter percebido que um console é, antes de tudo, um modelo econômico. Um modelo baseado em contratos de exclusividade de produção, os quais exigem que um título seja previamente aprovado pela proprietária da plataforma antes de chegar aos consumidores.
Entretanto, essa é mais uma das dimensões que têm mostrado cada vez mais rachaduras. As decisões sobre “vida e morte”, antes exclusivas de marcas como SEGA, Sony, Nintendo e grandes publishers — a despeito da relativa “anarquia” que marcou o período de ouro do Atari —, têm passado cada vez mais para o próprio público.
“Durante os últimos 20 anos, foi necessário um gatekeeper para publicar jogos”, disse o consultor de jogos e entretenimento Nicholas Lovell, em entrevista ao The Wall Street Journal. “Era necessário fazer com que uma publicadora gostasse do seu trabalho para conseguir chegar a um console. Também era necessário que um fabricante de consoles aprovasse o que você fez, assim como um revendedor que vendesse o seu produto.”
Para Lovell, esse não é mais o cenário. “Nós possuímos hoje plataformas abertas, como a Web e o Google Play. Temos também plataformas semiabertas, como a Apple, o Steam e o Kongregate.” O analista lembra ainda que mesmo as plataformas mais tradicionais ainda em vigor — notadamente, PlayStation, Xbox, Wii e sucessores — têm cada vez mais dado atenção ao mercado independente, facilitando o acesso ao público.
E os blockbusters?
Quando se fala em um possível “fim dos consoles”, a primeira coisa que deve surgir na cabeça da maioria dos jogadores deve ser algo como: “O que será do meu GTA/CoD/Zelda!”. Isso porque — verdade seja dita — jogos mais elaborados e envolvendo um sem número de aperfeiçoamentos técnicos sempre ajudaram a forjar a imagem do que vem a ser um console.
A despeito do drama justificado, entretanto, há realmente quem apregoe não apenas o fim dos consoles como são entendidos hoje, mas também o fim dos blockbusters como modelos econômicos predominantes. “Sempre haverá fãs de hardcore que adoram o que um console pode oferecer”, disse Lovell ao referido jornal.
“A questão é: ‘Quantos deles ainda existem’? Para que o modelo quebre, não é preciso que 100% das pessoas parem de adquirir consoles, mas apenas que um número ‘suficiente’ delas o faça, a fim de torná-los economicamente inviáveis”.
É estranho, mas precisa mesmo existir uma “caixa”
Quando o PlayStation 4 foi oficialmente revelado, muita gente torceu o nariz para um fato curioso: a Sony não havia mostrado o aparelho propriamente dito. Algo muito semelhante havia ocorrido também quando o Wii U foi mostrado pela Nintendo.
Afinal, se todas as funcionalidades, conceitos e jogos introdutórios foram apresentados, qual seria a real necessidade de ver o formato do novo aparelho — a parte menos interativa e interessante, que normalmente é esquecida sobre a estante enquanto se esfacela botões e xinga inimigos encarniçados?
Talvez a resposta seja mais simples do que nós gostaríamos de admitir: a “caixa” é uma das poucas dimensões que restaram para atestar que algo, de fato, é um console.
Com produções independentes de um lado, processamentos virtuais de outro, múltiplas funcionalidades de entretenimento formando um terceiro, talvez o único elemento que ainda nos separa de uma zona nebulosa do entretenimento — em que a falta de um formato definido acaba por limitar a familiaridade e a confiança — seja uma caixa adornada de LEDs coloridos com um emblema em baixo-relevo.
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