Assim como o cinema expôs para o mundo mentes geniais como Stanley Kubrick, Francis Ford Copolla, Steven Spielberg, Quentin Tarantino, Ridley Scott e James Cameron, a indústria de games também cultivou intelectuais que mudaram o rumo do entretenimento.
Além de produzir jogos para o Atari 2600 ao longo da carreira, Chris Crawford foi um dos primeiros criadores de games indie. Ele também fundou o maior encontro anual de desenvolvedores profissionais do mundo, a GDC (Game Developers Conference).
No decorrer dos anos, Chris Crawford lutou bravamente para proporcionar novas formas de contar histórias e possibilitar que os jogos refletissem mensagens com ideias políticas, sociais, pessoais e, é claro, artísticas; características que vão muito além do tiroteio frenético e esmagamento de botões.
Esqueça franquias como Call of Duty, God of War, Need for Speed e até mesmo a envolvente história de Mass Effect. Os verbos que são determinados aos jogadores para controlar o seu personagem foram os mesmos em praticamente todos os jogos. Em CoD, por exemplo, as possibilidades de comando foram mantidas ao longo dos anos, como “pular”, “correr”, “atirar” e “andar” – assim como nas outras franquias citadas acima.
De acordo com Crawford, “os verbos que precisam ser aprendidos nos games devem envolver raciocínios sociais e não simplesmente espaciais” com mecânicas restritas e que impossibilitam uma interação mais profunda.
Ele ainda complementa dizendo que é “impossível contar uma história sem raciocínios sociais. Você já viu algum filme em que as pessoas só atiram em coisas e vão de um cenário para o outro? A única possibilidade de explorar relações é durante as cutscenes. Os responsáveis criam uma narrativa fixa e simplesmente fracionam os trechos durante o jogo. Os video games ainda não sabem contar histórias”.
A afirmação de Crawford pode parecer grosseira e até ofensiva para os desenvolvedores que trabalharam dia e noite para lançar jogos envolventes e que refletem experiências do cotidiano. Podemos citar alguns exemplos de títulos que agradaram gregos e troianos, como The Last of Us, representando uma relação entre pai e filha; e até mesmo o jogo indie To the Moon, que proporciona momentos reflexivos sobre a vida.
Chris Crawford era uma criança estranha, mas queria ser diferente e reconhecia que era. Nascido e criado em Houston, no Texas, o estadunidense passou a infância investigando e explorando locais como tocas de animais, sem muito interesse pela tecnologia que caminhava em passos largos na década de 50.
Durante a sua adolescência, pouco se interessava em aprender línguas; queria mesmo resolver problemas de matemática, bem nerd mesmo. O jovem tinha poucos e bons amigos e não se relacionava com qualquer um.
Conhecendo os games
O primeiro jogo que ele conheceu na vida foi Blitzkrieg, um simulador que transparecia um realismo de guerra (aprendam como se faz, Battlefield e Call of Duty) até então nunca visto. É claro, não apresentava elementos complexos, mas a possibilidade de interagir com algo na televisão era realmente inovadora.
Apesar do gosto por video games, Crawford recusou ofertas de pequenas companhias de games para desenvolver jogos arcade enquanto trabalhava como engenheiro eletrônico no Vale do Silício na Califórnia.
Na mesma época, o jovem começou a desenvolver jogos e vendê-los em sua cidade através de anúncios baratos em revistas de computador. Os seus primeiros games foram nomeados de Tanktics e Legionnaire, e venderam 100 e 150 cópias respectivamente. Após suas experiências pessoais, ele começou a ver com bons olhos o potencial dos video games.
Atari, a primeira experiência
Depois de ser recusado pela Atari como programador por não possuir conhecimento suficiente, os responsáveis descobriram que Crawford havia cursado a Universidade da Califórnia em Davis, fazendo os responsáveis do setor de recursos humanos voltarem atrás e correrem atrás do prejuízo e do gênio que haviam perdido.
Crawford na época era amigo de dois outros jovens geniais: Mark Cerny e Alan Kay, a mente que trouxe o design e arquitetura do recente PlayStation 4 e um dos pioneiros com projetos de tablets e laptops. “Se você não falhar pelo menos 90% das vezes, você não vai mirar alto o suficiente”, dizia Kay ao amigo.
O recomeço da indústria de jogos
Em 1985 a indústria dos games foi decaindo, começando pela desenvolvedora Atari, que perdeu grande parte dos seus funcionários. Os mesmos títulos estavam sendo vendidos ao longo dos meses e nenhuma ideia realmente boa estava sendo projetada para impactar e chamar a atenção dos fãs de jogos.
Algumas pessoas da área de games ficaram desempregadas e o mercado transformou essa forma de entretenimento em algo que ninguém mais queria; difícil de acreditar, né? Durante a época enfraquecida, Crawford procurou desenvolver jogos indies, tornando-se um dos primeiros desenvolvedores desse gênero que mais tarde seria uma das grandes apostas das novas gerações.
Alguns meses depois, uma nova classe de consumidores começava a surgir através do consumo de computadores que estavam sendo utilizados para múltiplas tarefas. Foi uma época interessante, pois os jogos entraram como uma ferramenta de entretenimento e distração após uma longa jornada de trabalho. O game Balance of Power, lançado por Crawford, envolvia geopolítica e muitas decisões que poderiam ser tomadas pelo jogador para evitar guerras, demonstrando que video games poderiam sim ser compostos de “algo além de pura habilidade e reflexo”.
A esperança de que essas plataformas pudessem se tornar uma “genuína forma de arte” foi por água abaixo depois que a indústria ficou totalmente focada em investir e aprimorar o potencial gráfico dos jogos e nada além disso. Na verdade, o caminho errado começou inicialmente a ser percorrido pelo game de corrida “Wing Commander”.
Em 1988, a primeira GDC (Game Developers Conference) organizada por Crawford aconteceu em sua própria casa, localizada em San Jose, na Califórnia. Depois disso, a reunião começou a ser frequentada por novos desenvolvedores e tornou-se uma das maiores conferências do mundo, reunindo os melhores profissionais da área de tecnologia.
A despedida do criador
Em um discurso com tom de fracasso feito em 1992, Crawford fez a sua despedida oficial, afirmando que falhou em tentar convencer a indústria a explorar diversos tópicos nos jogos. O talento prodígio foi removido oficialmente do conselho da GDC em 1994, recebendo uma bolada em dinheiro.
Após ter deixado os holofotes, ele lançou alguns trabalhos que fracassaram nas vendas, como Storytron e Teen Talk. As ideias inovadoras devem ter ficado no passado de Crawford, não?
De figura prodígio responsável por reerguer uma indústria de entretenimento para um crítico absoluto de jogos que fecha os olhos para não enxergar coisas positivas nos títulos atuais, Crawford acredita que, mesmo depois de todos esses insucessos, os games ainda têm salvação. “Os criadores de jogos indie estão fazendo tudo aquilo que os desenvolvedores da minha época não fizeram há algumas décadas. Eles podem salvar os video games trazendo ideias sem restrições.”
Não há como negar que alguns títulos do gênero indie estão alcançando patamares mais elevados do que franquias de sucesso que marcaram a história. Um exemplo claro de fracasso foi a tão aguardada sequência de Duke Nukem para PC, Xbox 360 e PlayStation 3, que demorou cerca de 12 anos para ser lançada e foi reprovada pela crítica com notas abaixo de 3. Que vergonha, hein?
Por outro lado, o jogo indie Guacamelee foi considerado por muitos uma das grandes revelações de 2013, sendo um dos títulos de plataforma mais aclamados pelos críticos e público gamer. Mesmo com estilos diferentes, é inegável olhar para Guacamelee é dizer que é infinitamente melhor que a obra de uma franquia que marcou gerações, como é a de Duke Nukem.
No meio de tantos blockbusters lançados anualmente, Crawford afirmou que “de vez em quando surgem ideias interessantes e que todo mundo acaba seguindo. Isso vem exclusivamente dos desenvolvedores de jogos indie, que uma vez ou outra apresentam uma proposta totalmente nova, diferente e interessante.”
Enfim, Chris Crawford marcou diversas gerações não só com o seu pioneirismo e inovação para desenvolver novas formas de entretenimento, mas com sua personalidade forte, sendo um dos principais responsáveis por reerguer uma indústria que apenas em 2013 alcançou números de vendas acima de US$ 93 milhões.
E para você, estão faltando títulos inovadores no mercado dos games ou todo o conceito de Chris Crawford não faz muito sentido na atualidade? Não deixe de opinar nos comentários!
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