Existem coisas que deixam mesmo saudade: músicas, livros, filmes, novelas, jogos... Praticamente qualquer coisa que tenha feito parte de nosso passado em algum momento acaba, invariavelmente, compondo as nossas lembranças, sejam elas boas ou ruins.
Além disso, geralmente algo que fez muito sucesso no passado acaba ganhando o status de “clássico”. Isso faz com que aquilo receba uma espécie de aura e o eleve a uma categoria completamente acima de qualquer crítica.
É válido usar esse termo, pois muitas obras são realmente atemporais — e quem sou eu para julgar o gosto dos outros? Entretanto, ultimamente tem sido fácil perceber uma supervalorização desse termo, principalmente no mundo dos games.
Digo isso pois hoje em dia praticamente qualquer jogo lançado há dez anos ou mais automaticamente é elevado a essa categoria, não importando a sua qualidade. Consequentemente, estamos proibidos de fazer qualquer crítica a respeito dele. Sequências e reboots? “Sempre um lixo”, segundo os jogadores do original.
A internet ajuda muito a favorecer essa espécie de culto aos clássicos. É fácil encontrar um grupo de pessoas que tenha os mesmos interesses que você, que tenha jogado os mesmos jogos e adore relembrar das aventuras vividas naquele tempo mágico em que os games eram perfeitos e os desenvolvedores trabalhavam apenas porque gostavam (eles se alimentavam do arco-íris disparado por quem jogava os seus jogos).
Não é incomum ouvir por aí que “hoje tudo é muito comercial e os estúdios só fazem jogos para ganhar dinheiro”. A verdade é que sim, eles querem ganhar dinheiro (e sempre quiseram), assim como você (ou o seu pai) quando acorda cedo e vai trabalhar.
Os jogos de antigamente não eram melhores. A maioria era muito ruim, por sinal; acredite: eu joguei quase todos eles. A realidade é que a sua visão de mundo é que era diferente. Mas calma que mais pra frente eu vou explicar isso melhor.
“Mas e daí que eu gosto de jogos antigos?”, você pode me perguntar. E daí que gostar não é um problema, eu também gosto — e muito. O problema é quando há excessos e, principalmente, quando dizem que um jogo criado 15 anos atrás é melhor que um jogo atual em todos os aspectos.
E isso não é verdade, principalmente pelos termos técnicos — a falta de capacidade dos sistemas não permitia experiências tão ricas quanto as que nós temos hoje. O que muita gente não consegue fazer é separar as coisas: colocar de um lado a qualidade do jogo em si e do outro a noção de diversão, que é algo totalmente subjetivo e ligado diretamente ao momento em que esse jogo foi jogado.
Estamos supervalorizando os clássicos?
Quando tentamos comparar jogos mais antigos com os atuais, tendemos a exagerar e deixar a razão completamente de lado para convencer os outros de como o nosso jogo preferido da infância (ou adolescência) é melhor que qualquer título lançado hoje em dia.
Vamos analisar alguns aspectos: a geração 16 bits ainda é uma espécie de era sagrada em que tudo era mágico e maravilhoso para muita gente, até mesmo para alguns que nem participaram dela. Falar mal de qualquer game lançado no início da década de 1990 é quase um sacrilégio.
A realidade é que os games tinham gráficos simples, a jogabilidade era limitada, o som era ruim e os games não traziam dublagem (a maioria deles). Ou seja, a experiência geral era bem mais limitada. A falta de capacidade dos aparelhos impossibilitava completamente experiências cinematográficas como aquelas apresentadas em games como Uncharted, por exemplo.
Naquele tempo, a maioria dos títulos tinha uma duração extremamente curta. Era ir até a locadora, colocar a “fita” no video game às duas da tarde e já ter terminado às cinco — por sorte antes de o pai chegar do trabalho, pois jogar em dia de aula era proibido e, se isso acontecesse, a cinta cantava.
Os jogos completos eram muito mais curtos que os DLCs de hoje em dia. É claro que existem exceções, mas as limitações estavam presentes: era tecnicamente difícil fazer um jogo com muitos recursos, custava caro.
Passando um pouco mais à frente, vamos ao PlayStation 1. Prefiro infinitas vezes ver a nova Lara Croft, chorando e expressando as suas emoções no último jogo, que aquele amontoado de polígonos que tentava representar um par de seios absurdamente desproporcional que, para parecer “real”, precisava de um bom tanto de imaginação dos jogadores. Mas esse não era o principal problema: o pior mesmo era a jogabilidade e os controles.
Não acredita? Abra o Steam, instale o primeiro Tomb Raider e tente guiar a heroína pelas masmorras sem agonizar diante dos terríveis controles. O jogo marcou época e foi revolucionário, mas na época. Compará-lo com o novo jogo de Lara Croft não faz o menor sentido, além de ser completamente injusto com o clássico.
São obras diferentes que pertenceram a mundos diferentes e não podem ser colocados em pé de igualdade. O original era bom antes. Hoje, é horrível. E isso pode ser dito de muitos jogos que ainda hoje tem um ar de sagrado.
O caso de Resident Evil é bastante curioso. As críticas em cima do sexto capítulo da série foram inclementes. Vi absurdos do tipo “a magia da série se perdeu” ou “o primeiro dá um show de lavada nessa porcaria”. Isso porque Resident Evil 6 é um jogo muito bom. Já pensou se fosse realmente ruim?
Acredito que esses comentários são bastante exagerados, principalmente porque eles colocam os dois títulos no mesmo patamar. Se é para fazer isso, vamos analisar o perfil técnico dos dois. No primeiro, a jogabilidade é ruim, os gráficos são fracos e as dublagens e atuações exageradas dos atores não permitem que levemos o jogo a sério hoje em dia. Não acredita? Veja o vídeo de abertura de Resident Evil 1.
Mas, quando ele foi lançado, mudou o mundo, porque era algo que nunca havia sido feito antes (tá bom, já existia Alone in The Dark, mas vamos deixar esse detalhe de lado por enquanto).
Já em Resident Evil 6 temos uma história dezenas de vezes mais densa e mais complexa, modos de jogo variados, controles ótimos e uma trama que, apesar de não ser perfeita, consegue nos colocar no lugar dos atores de uma forma que antes era impossível.
As cenas de ação são impressionantes e o tempo que se leva para “fechar” o jogo é incomparável. Enquanto no primeiro você completava as duas histórias em pouco mais de quatro horas, no sexto são dezenas de horas.
Se isso é verdade, como eu, Vinícius, que estou escrevendo esse texto agora, vou explicar que me diverti muito mais jogando RE1 que RE6? Como vou convencer alguém de que o primeiro Doom me causou muito mais alegria e emoção do que qualquer FPS atual? Isso sem contar Chrono Trigger e Super Metroid, ou até mesmo Police Artist, Floppy, Prince of Persia e Out of This World. Nenhum game que joguei nos últimos tempos causou tanto impacto quanto esses.
O problema é que a comparação entre os games não é justa: de um lado temos a qualidade técnica dos jogos atuais, do outro a bagagem emocional. E a emoção, ela sempre vence, querendo ou não. Precisamos lembrar que antes de tudo somos humanos.
Os jogos são meros veículos para nossas emoções
Essa situação, apesar de estranha, tem uma explicação perfeitamente coerente. De acordo com a psicóloga Aline Michelin Bonafini, o cérebro tende a armazenar lembranças positivas como uma forma de autoproteção. Então, quando recordamos períodos anteriores que tiveram fatores pontuais positivos, tendemos a generalizar que todo o período foi uma "época boa".
Outra coisa é que a área do cérebro ligada ao sentimento ativa aquela ligada à memória. Ou seja, se algo lhe impactou emocionalmente (tanto de forma positiva como negativa), você vai memorizar esse fato e o trará à lembrança mais facilmente.
Por isso lembramos com certa facilidade de coisas ruins e coisas boas. Ambos os sentimentos estão associados a uma emoção: alegria ou raiva, por exemplo.
Pronto. É justamente isso o que acontece. Nós não gostamos dos clássicos porque eles são melhores que os jogos atuais — nós gostamos dos clássicos porque eles nos remetem a um tempo ou a um momento específico que nos proporcionou alegria e nós queremos a todo custo reviver essas emoções, pois elas fazem parte da nossa história.
Quando alguém fala que o seu jogo antigo preferido é uma droga, possivelmente é porque ele não tem nenhuma emoção associada a esse game, ou pior, tem uma emoção ruim associada a ele. Esse conflito de opiniões emocionais acaba gerando as discussões mais acaloradas de todas. Como comparar um jogo de um lado pelo aspecto “técnico” e do outro pelo fator “emocional”? É uma disputa injusta.
Um jogo antigo com gráficos 8 bits não é algo revolucionário e melhor que os games que temos hoje. Nos enganamos achando isso porque na verdade ele está apelando ao nosso subconsciente: a nostalgia é uma força poderosa e, se não tivermos cuidado, podemos acabar no embriagando dela e das lembranças que, por serem lembranças, acabam parecendo perfeitas demais.
Conforme o tempo passa, algumas pessoas tendem a ficar cada vez mais fechadas a novas emoções, levando-as a proferir aquela ótima expressão “no meu tempo era melhor”. Sim, pode até ser que para você especificamente tenha sido melhor, mas não quer dizer que isso é necessariamente verdade.
As emoções marcaram e ficaram associadas a esses jogos, e não há nada que possa ser feito a respeito. Isso é ruim? Depende, pois é preciso saber separar as coisas e ter coerência na hora de fazer comparações diretas, pois isso não faz o menor sentido. São coisas diferentes e que precisam ser mantidas separadas, cada qual com suas qualidades e defeitos.
Devemos sim nos apegar aos “clássicos”, reviver as emoções, as lembranças, discutir com os amigos qual foi a melhor aventura de todas. Mas também é preciso lembrar que existem cada vez mais jogos magníficos sendo produzidos hoje em dia e ficar preso ao passado com a ilusão de que ele é melhor que o presente é completamente errado.
Não podemos esquecer que os jogos de hoje serão os clássicos de amanhã.
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