O primeiro título de corrida de que me lembro de ter jogado deve ter sido também o primeiro de muita gente por aí — principalmente quem já passou das 20 ou 30 primeiras “curvas” da vida, com o perdão da abobrinha pseudofilosófica. Trata-se do bom e velho Enduro, do Atari 2600.
Pode soar meio abstrato para qualquer um nascido em uma época de fotorrealismo e reações físicas cada vez mais pretensiosas... Mas Enduro era um jogo excelente, impecável em diversos aspectos. Se aquilo era realmente uma simulação? Difícil dizer. Mas os pontos fortes ainda se mantêm vivos na minha cabeça, mesmo após todos esses anos.
Em primeiro lugar, havia o ruído do motor. Conforme o único botão do Atari era pressionado (assumindo-se que ainda não tivesse quebrado), o ronco do pequeno carrinho seguia em um crescendo constante, disparando cada vez mais rápido pela pista. Ok, não havia “corta-giro” no limite, mas o som e os inúmeros adversários passando rapidamente não deixavam dúvida: o seu pequenino bólido estava “voando” ali!
E mesmo que aquele carro se parecesse apenas de forma muito abstrata com um carro real, a adrenalina ao ziguezaguear entre as demais “coisinhas barulhentas” — sabendo que a qualquer momento você poderia bater e colocar tudo a perder — era quase tangível.
Mas a bela criação da Activision (sim, é da Activision) também não deixava barato no que se refere às reações físicas. A dirigibilidade do carrinho era afetada pela sua velocidade, por exemplo — de maneira que bastava deslocar um pouco mais do que o necessário o manche para acabar na “brita” ou engavetado em um oponente.
Além disso, como se esquecer da penúria de controlar o veículo nos terríveis trechos com neve? Aquilo deve ter feito muita gente perder cabelos e estribeiras na época — com aquele “ódio mortal” pelo jogo, algo que apenas poderia ser aplacado por mais uma chance de mostrar ao bom e velho computador “quem é que manda!” (em grande parte das vezes, ele mesmo, é claro).
Classifique Enduro... Se puder
Bem, passado o prelúdio necessário, o bom e velho Enduro me traz, então, ao tema deste texto (tudo bem, pode voltar lá e reler o título, eu espero). Trata-se, portanto, do dito “realismo” que é pregado hoje em dia, como uma espécie de princípio pétreo para que um jogo seja avaliado como “decente” — embora isso não se limite aos títulos automobilísticos, é claro.
Mas, em particular, quando a coisa se refere aos bons jogos de corrida, é comum que bases instalada de fãs dos gêneros ditos “simulação” e “arcade” formem linhas de ataque — à frente das quais é até possível, vez ou outra, encontrar um líder com aquele discurso de motivação, invariavelmente emocional (embora sem o cavalo, é verdade), convocando ao enfrentamento dos “adversários”.
Neste momento, entretanto, eu peço que você volte e leia novamente a primeira parte deste texto. Não, não é brincadeira, vai lá (novamente, eu espero). Bem, de acordo com as características apresentadas ali, eu pergunto... O que era Enduro? Simulação? Arcade? “Um jogo podre, porque aquilo nem se parecia com um carro, BJ, kkk”?
Bem, dadas as limitações óbvias aqui, permitam que eu mesmo dê uma resposta à minha pergunta (embora nós sempre tenhamos o abençoado espaço ao final, destinado aos comentários). A despeito das possíveis reações, permitam-me dizer que Enduro... Não era nenhuma coisa e nem outra — sim, eu estou deliberadamente ignorando a terceira “hipótese”.
Velocidade vs. realismo
Em primeiro lugar, deve ser um erro histórico tentar encaixar Enduro — ou qualquer outro jogo de corrida da época — nas categorias de Simulações e/ou arcade. Em outras palavras, convenhamos, não fazia sentido mencionar essas categorias no início da década de 1980.
E isso por um motivo incrivelmente simples: à época, qualquer desenvolvedora que se prezasse trabalhava arduamente para tentar apresentar uma representação convincente das corridas reais em computadores. Era praticamente uma condição de existência — mesmo que pioneiros como REVS tenham “inaugurado” a simulação, como se costuma dizer.
“Ah, mas e as corridas de espaçonaves, BJ?”. Bem, você já encontrou algum título em que a nave fosse projetada na direção oposta daquela determinada pelos seus propulsores? Eu não, de maneira que a pretensão realista, me parece, ainda estava ali.
Mas voltando a Enduro, perceba que havia ali duas das dimensões que hoje são colocadas de forma antagônica, a fim de delimitar “arcade” e “simulação” — senso de velocidade e realismo, respectivamente.
Quer dizer, se por um lado a Activision tentava dar a ideia de que você estava mesmo em um cockpit — precisando se preocupar com tempo de frenagem, aceleração, condições da pista etc. —, por outro havia aquela velocidade que mantinha os jogadores sentados na ponta do sofá, com o olhar vidrado. Aquilo realmente era divertido — mesmo que você não estivesse trocando marchas ou se preocupando com o nível do combustível (para isso havia River Raid, na verdade). Mas vamos adiante.
Uma escola formada nas “falhas”
O fato de Enduro ser divertido, a despeito e suas “falhas” de verossimilhança, deve mostrar algo sobre o que, de fato, grande parte dos jogadores busca em um jogo de corrida. Na verdade, desde o período de ouro do Atari 2600, a indústria produziu inúmeros jogos de corrida, boa parte deles tornada clássica. Mas é de se duvidar, entretanto, que em algum momento qualquer desenvolvedora tenha dito “ok, vamos criar um jogo de corrida com menos realismo”.
De fato, ao olhar para trás, a impressão que fica é que, em cada época, a tentativa foi a de fazer o melhor possível com os controles disponíveis — a fim de, novamente, tentar convencê-lo de que não eram pixels saltando de um lado para o outro, mas um automóvel.
Não obstante, a possibilidade de levar, para dentro de um jogo, dimensões técnicas associadas ao automobilismo se tornou mais e mais factível. Como resultado, hoje há carros quase inteiramente personalizados — com jogadores que talvez entendam mais de mecânica básica do que muito pai de família orgulhoso de alguns anos atrás — e é preciso se preocupar com o nível de combustível, com a velocidade certa para “atacar” uma curva, com batidas que podem te fazer rodar e perder tudo. Mas, como sempre, há dois lados nessa moeda.
“Eu quero me focar no que me interessa”
O problema? Para algumas pessoas, as falhas originadas da mais pura limitação técnica das primeiras plataformas eram, em grande medida, aquilo que mais divertia. Convém, neste momento, afirmar que, particularmente, me considero um apreciador de jogos de simulação... Mas mesmo eu já experimentei alguns dissabores, o que me fez refletir.
Há alguns anos, enquanto ainda me deslumbrava com as possibilidades concedidas por Gran Turismo e, mais recentemente, por Forza Motorsport, eu acabava por gastar dezenas de horas personalizando carros, tirando licenças e descobrindo as melhores formas de fazer uma curva sem perder mais de cinco posições durante o processo (eu disse que aprecio, não que sou realmente bom nisso). E, sim, isso é ótimo, à sua maneira.
Entretanto, ao me lembrar de alguns anos antes com os primeiros Need for Speed, com Top Gear (desde o Super NES até o Nintendo 64), com Lamborguini ou, novamente, com Enduro, parecia que algo havia sido deixado de lado ali.
Basicamente, eu sentia saudade da “velocidade pela velocidade”, com um mínimo de “técnica” e um máximo de timing e reações rápidas. Talvez aquilo não se parecesse tanto com um “carro” à luz das novas gerações... Mas ainda assim era muito divertido.
Competição dentro das pistas
Dessa forma, me parece, sim, o momento de resgatar aquela diversão que nada tinha de leviana ou de amadora — afinal, havia jogos incrivelmente difíceis, que requeriam muito treino —, mas sim de focada. Basicamente, toda uma parte da condução de veículos era ali abstraída para que se pudesse tirar o máximo dos reflexos e da competitividade dentro da pista.
E eu digo “dentro” por um motivo bastante claro: no “mundo real”, é impossível negar que uma parte bastante substancial da competição se concentra em questões de engenharia, mecânica, com inúmeros fatores trabalhando de forma síncrona para que, ao final, um sujeito possa encontrar a bandeira quadriculada.
E então eu pergunto: considerado isso, é possível dizer que, realmente, nós temos hoje possibilidades de realizar uma simulação de corridas perfeita? E o que talvez seja até mais importante: esse jogo hipotético traria diversão? “Não” e “sim”, talvez fossem respostas.
Mas, no segundo caso, é impossível negar: seria um entretenimento bastante diferente daquelas disputas simples e encarniçadas de velocidade — originando, talvez, duas categorias distintas dentro do que teimosamente ainda é encaixotado como “jogos de corrida”.
Até onde a simulação realmente “simula” algo?
Na verdade, a busca por aquele estilo mais focado em reflexos e velocidade pura e simples tem feito até mesmo o preciosismo dos ditos “simuladores” dar o braço a torcer. Afinal, é realmente impossível deixar de mencionar as mecânicas de auxílio acrescentadas em versões mais recentes de jogos como Gran Turismo, Forza Motorsport e F1.
Quer dizer, ligadas a linha de percurso, o indicador de frenagem, os freios ABS, o câmbio automático e o controle de tração... Será mesmo que o resultado ainda é puramente um jogo de simulação? Não me parece ser o caso. E isso para não mencionar, por exemplo, a mecânica “Drivatar”, de Forza — uma das particularidades mais geniais de FM 5.
Apesar disso, não são excluídos os belos gráficos, várias dimensões táticas, personalizações etc. — de maneira que, como resultado “ecumênico”, há uma bela diversão híbrida, um prato cheio para a competitividade e para o entretenimento que não se ocupa de preconceitos ingênuos.
Uma moral da história? Parece razoável afirmar que, embora se trate sempre de “carros”, as diversões que se pode ter hoje em um cockpit virtual se tornaram incrivelmente diversas. Vais-se dos reflexos e da velocidade ao preciosismo tático e físico — com diversos matizes entre os extremos —, sem que exista qualquer exclusão mútua.
Portanto, deixe de ser besta e vá aproveitar o que de melhor existe para fãs do automobilismo virtual — seja um simulador de última geração ou um mini game, daqueles que vem com um relógio junto. Os “clubes do Bolinha” servem apenas para limitar a diversão e as experiências pessoais. E isso é muito pouco divertido.
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