Basta entrar em matérias de qualquer jogo, seja exclusivo ou multiplataforma, para perceber um fenômeno francamente incontornável: o embate constante entre os chamados “istas” — sejam sonystas, nintendistas, caixistas (Xbox), PCistas ou ciclistas.
E a coisa às vezes fica feia, eventualmente descambando para um palavrório de baixo-calão, momento em que normalmente não falta quem quebre o vidro “em caso de emergência”, trazendo à discussão a mãe de alguém. Bem, mas será que isso é uma exclusividade da era Kratos vs. Master Chief vs. Mario? Não mesmo.
Talvez você ainda não tivesse nascido na época, mas o final dos anos 80 e início dos 90 trouxe ao palco uma das batalhas mais épicas entre empresas de que se tem conhecimento. Trata-se da pancadaria escancarada entre SEGA e Nintendo.
Por um lado, isso nos trouxe inúmeros avanços tecnológicos — algo que apenas a concorrência parece ser capaz de conseguir. Por outro, há ainda alguns dos anúncios publicitários mais descarados e cômicos da história do entretenimento eletrônico.
SEGA vs. Nintendo: a batalha em números
No que se refere exclusivamente a números espalhados pelo globo, provavelmente é um lugar-comum afirmar que o Super NES levou a melhor sobre o Mega Drive (Genesis) durante a famigerada quarta geração de consoles. Afinal, a Big N conseguiu despachar impressionantes 49,1 milhões de consoles durante o período, deixando o Mega Drive a uma distância considerável de 20 milhões de unidades (foram 29 milhões de Genesis vendidos, portanto).
Mas não se deixe enganar: não se pode tomar essas história unicamente pela sua conclusão oferecida pelas prateleiras. Antes, pode ser mais interessante (e engraçado) relembrar como as coisas se estruturaram antes disso.
“SEGA does what Nintendon’t”
Naturalmente, é imprescindível passar pela famigerada campanha marqueteira que transformou a SEGA de um azarão no competidor de peso que morderia uma bela fatia do mercado nos EUA.
Embora o Master System tenha levado uma surra homérica do Nintendo 8 bits nos EUA, o console da Big N andava um tanto defasado ao final da década de 1980. E não apenas isso. Com os efeitos da chamada “crise dos consoles” ainda ecoando, a Nintendo acabou por promover o seu sistema da única forma que foi possível na época: fazendo parecer que se tratava, em primeiro lugar, de um brinquedo.
Bem, é aí que aparece a sacada genial, cujo principal segredo para o sucesso foi o que é considerado até hoje um exemplo perfeito de timing. Ao dar as caras no Ocidente em 1989, o Mega Drive (Genesis, nos EUA, por questões legais) trazia consigo não apenas um hardware mais parrudo, mas também um novo mote: “A SEGA faz o que a Nintendonão faz” (ou, vá lá, algo assim).
Por trás da campanha que começou a disparar vídeos de pancadas diretas na Big N, havia o objetivo bastante claro de lançar novamente um apelo a um público mai velho, o mesmo que havia deixado os consoles na época da referida crise.
E é praticamente impossível se esquecer do famoso grito “SEGA!” que finalizada cada propaganda construída sem praticamente nenhum pudor — ou com um bom-gosto muito singular, haja vista a famosa propaganda para TV de um sujeitinho um pouco acima do peso que dá uma pancada na cabeça para ver cores no seu pobre Game Boy.
E o melhor: havia uma cara para o novo ar “cool” do console: Sonic the Hedgehog. O mascote ouriço da fabricante apareceu para dar uma cara á proposta mais madura do Mega Drive, ajudando a arrebanhar um número enorme de fãs de carteirinha, o que levou a companhia à liderança do mercado estadunidense — para estupefação de quem havia visto o desempenho pífio do Master System por lá.
Donkey Kong e a resposta da Nintendo
Naturalmente, o novo apelo “maduro” não poderia ser negligenciado pela Big N por muito tempo. Dessa forma, embora a controversa ideia de “retirar o sangue e parte da violência de Mortal Kombat” tenha dado uma boa munição para a SEGA, não demorou para que um certo título aparecesse para dar um peso impossível de ignorar à balança da companhia.
Donkey Kong Country vendeu impressionantes 6 milhões de unidades em tempo recorde (pelo menos para a época). Por trás do jogo, ainda havia o contragolpe que praticamente colocou fim à guerra. Enquanto a SEGA deslocava munição para o famigerado Saturn, a Nintendo passava a oferecer títulos com qualidade gráfica e sonora surpreendentes... Sem que você precisasse realmente comprar um novo console para isso.
Documentário e filme a caminho
Interessado na pancadaria desmedida da guerra antológica entre SEGA e Nintendo? Bem, deve haver mais em breve, e em um belo conteúdo audiovisual. O livro “Console Wars”, de Blake J. Harris, deve ter suas linhas cheias de manobras insidiosas, campanhas marqueteiras agressivas e números cruéis transformadas, em um primeiro momento, em um documentário e, posteriormente, também em um filme.
“Eu entrevistei entre 250 e 300 pessoas. Desse grupo, pouco mais de 200 eram empregados diretos da SEGA ou da Nintendo”, revelou ele, acerca do conteúdo do livro, em recente entrevista à Game Informer.
E ele também arrisca uns palpites sobre a consumação da Guerra dos Consoles:
“A primeira razão para o sucesso da SEGA foi o marketing. E eu não me refiro apenas aos anúncios para TV. O slogan era ‘Bem-vindo à próxima fase’. Essa atitude era evidente em tudo o que eles faziam. O ‘Sonic 2 day’ foi o primeiro lançamento global com uma data para lojas.
“Eles gastaram nove meses planejando aquilo e direcionando todos os parcos recursos que tinham ali. Tratou-se ali, me parece, da primeira vez em que um game era lançado com o mesmo tipo de fanfarra que normalmente acompanha blockbusters hollywoodianos.”
Como se vê, o fogaréu em fóruns e afins que se vê hoje ainda esconde muitas brasas do período de ouro da geração 16 bits — juntamente com novas gerações dos onipresentes “istas”. “Há uma guerra lá fora”, como já foi dito.
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