A saga Souls construiu um legado importantíssimo na indústria de video games. Demon’s Souls, Dark Souls e Dark Souls 2 trouxeram algo que não necessariamente é um hack’n’slash, não necessariamente é um RPG, não necessariamente é um game de ação... Mas tem uma categoria própria.
Uma categoria ainda não definida pelo mercado, um gênero próprio inventado pela desenvolvedora, uma receita que envolve pitadas de masoquismo e muita, muita paciência. Afinal de contas, o atual modelo da indústria “dá a mão” ao jogador e coloca trocentos indicadores na tela indicando o destino do objetivo, pontos fracos dos inimigos e outras regalias. A jogatina de hoje é bem diferente da jogatina de cinco anos atrás, que é diferente da jogatina de 10 anos atrás, e por aí vai.
É por isso que vim aqui humildemente escrever minhas impressões sobre Bloodborne enquanto a análise oficial, feita por alguém bem mais veterano que eu, não sai. Eu, que sou um “noob” na tal fórmula mágica e viciante, que não havia me aventurado pelos títulos anteriores da From Software – talvez por não achar o encanto necessário – e que, sem vergonha de dizer, prefiro, atualmente, jogos que “conduzem melhor” o jogador. Preguiça? Estou amarelando? Não sei.
Portanto, o texto que você está prestes a ler é de caráter absolutamente opinativo e tem como base a minha experiência de jogo em Bloodborne, o título que, enfim, parece ter me “fisgado” na tal fórmula From Software de ser.
Fato: a From Software tem uma preocupação constante em punir o jogador
Eu nunca entendi o prazer em “sofrer” jogando. Para mim, video games servem como válvula de escape da rotina pesada, que envolve trabalho, cursos, academia, trânsito. Tudo o que quero ao chegar em casa é ligar o video game e relaxar, me divertir.
É claro que essa relativa facilidade não significa jogar algo praticamente nulo em desafios, sei lá, como um The Sims da vida, um Ryse: Son of Rome, em que só aperto alguns botões e dilacero cabeças (não me levem a mal, adoro o jogo, apenas o classifico como um produto fácil de aproveitar).
Até mesmo games hack’n’slash e shooters em terceira pessoa, que são lineares e têm uma natureza mais descerebrada, podem funcionar para o propósito de relaxamento. É uma delícia sentar, ligar um God of War ou um The Order: 1886 e absorver. Ou mesmo um open world funcional com a localização de todos os itens destacada na tela do mapa, como Assassin’s Creed, Far Cry e afins.
A ideia é ligar o console e me divertir. Oras, esse é o propósito fundamental dos video games, é a razão pela qual eles existem e fazem parte da famigerada indústria de entretenimento eletrônico. É até por isso, inclusive, que prefiro evitar usar a palavra “indústria”, pois acho muito pesada. Vamos apenas ligar o video game e nos divertir? Que tal?
Bloodborne segue outro caminho. Ao chegar do trabalho, em casa, cansado, após as 22h, depois de ter ido à academia e de ter redigido muitas matérias a vocês, queridos leitores, aqui no BJ, botei o disco no meu PS4, instalei o conteúdo no HD e comecei a sessão de masoquismo.
O prazer inexplicável pelo masoquismo
Apanhei. Apanhei muito. Morri, voltei ao Sonho dos Caçadores, tentei novamente, voltei a morrer, mas não parei de tentar. Eu sou tão noob nisso que já havia pego as armas e nem sabia como equipá-las. Por sorte, estava conversando com um amigo na Party e ele me guiou pelos comandos.
Aí comecei a me aventurar pelos carinhas de sobretudo e chapéu de mágico, bem ao estilo “cadeirudo” mesmo. Os primeiros foram fáceis, mas os que aparecem no córrego gigante, um pouco antes do primeiro chefe, onde há uma fogueira, trouxeram mais desafio.
E não há botão de defesa. Não há um escudo, como em Dark Souls, e não há um botão de “parry” (defesa que deixa o inimigo vulnerável). Se você quiser dar parry, é preciso usar a arma de fogo, que é praticamente inútil em ataques comuns. Só que, veja, a arma tem munição. Portanto, o parry é “limitado”, de certa forma, uma vez que faz você gastar a munição e usar seus reflexos sem muita margem para erros.
O erro, aliás, tem peso extra aqui. Há uma notável preocupação em punir o jogador a todo momento. A From Software tem castigo guardado para tudo. Morreu? Perdeu todo o XP acumulado. Você tem uma chance de recuperar, e se desperdiçá-la, esqueça: todos aqueles 100 mil ecos de sangue vão pro saco.
A ausência de qualquer indicador na tela: exploração à moda antiga
A gente reclama, mas não para pra pensar que, pelo menos até antes de 2000, os jogos não tinham setinhas ou outros indicadores dizendo para onde ir. Isso é ótimo do ponto de vista da exploração, pois força o jogador a usar a intuição para varrer todo o cenário, e ruim do ponto de vista do conforto, pois apressados de plantão não têm vez aqui.
Lembro que, na época dos primeiros Resident Evil ou dos tempos áureos de Banjo-Kazooie, nada na tela dizia para onde ir. Sabe-se que, para chegar de A a Z, é preciso abrir portas, enfrentar chefes e encontrar itens. A ordem em que você faz isso às vezes é variável, às vezes não.
Bloodborne não está nem aí para o que você acha. Estou tão mal acostumado que, após ondas de Assassin’s Creed, GTAs ou praticamente qualquer jogo de qualquer gênero me dizer onde devo ir, reclamei um monte. E ainda reclamo.
Mas a sensação de passar por uma horda inteira de inimigos, sair ileso e encontrar um checkpoint em Bloodborne é tão gratificante quanto aquele desafio que você conseguiu superar na vida. Sei lá, é como aprender a andar de bicicleta, é como fazer a primeira viagem de avião, dar o primeiro beijo, conquistar a primeira namorada, passar numa prova difícil, tirar carta de motorista, fibrar os músculos na academia.
“Consegui”, foi o que eu disse após ter enfrentado essa primeira horda. Isso, é claro, depois de morrer umas 15 vezes. Mas a endorfina foi liberada na hora. É um sentimento estranho, inexplicável. A mecânica cadenciada de combate é uma delícia, e a dificuldade, apesar de sofrível ao jogador, está na medida certa.
Se Bloodborne fosse mais fácil, seria pior. Se fosse pior, seria melhor ainda
Quando matei o primeiro boss, acreditem ou não, fiz isso de primeira. Acredito que o fator “sorte” esteve ao meu lado. A sensação de prazer foi efusiva, pois alcancei um checkpoint e fiz uma pancada de upgrades.
E cá estou eu, ansioso como vocês para conferir a análise do BJ (que promete) e aos pés do Padre Gascoigne, o segundo boss do game. Não sei se sinto prazer, se estou me divertindo com Bloodborne, se sou fresco por reclamar da ausência de indicadores na tela ou se sou simplesmente noob. Só sei que quero chegar em casa e jogar Bloodborne.
Inexplicavelmente.
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