Algumas coisas são de consenso geral, e uma delas é que filmes de jogos são péssimos. Sempre. Você pode estar aí pensando, “mas o filme do Mortal Kombat de 1995 é muito bom!". Ninguém está aqui para dizer que seu gosto é errado, mas se você olhar a média geral no Rotten Tomatos, bem, não dá para considerar 34 uma nota muito boa. A melhor nota no site para um filme de jogo é 45 para Final Fantasy: The Spirits Within, que ironicamente custou uma fortuna e dizem por aí que quase quebrou a Square e a obrigou a fundir com a Enix para não falir de vez.
A gente tem muitos exemplos de adaptações de livros e quadrinhos que deram certo, mas porque nos jogos isso é tão difícil? Claro que não existe uma resposta única e absoluta – se existisse era fácil fazer filme bom, não é? Mas existem algumas teorias de porque eles não funcionam.
Antes de tudo, deixa eu apresentar uma pessoa para vocês - Uwe Boll. Uwe Boll é um diretor alemão conhecido por fazer um monte de filmes ruins, incluindo muitas adaptações de jogos. Ele se aproveitou de leis de incentivo fiscal da Alemanha para a produção de filmes, e como a quantidade, e não a qualidade dos longas era suficiente para dar algum lucro, a maioria deles são medíocres e mal feitos – e os coitados dos jogos foram pegos no meio.
Postal, Em Nome do Rei, Far Cry, Bloodrayne, House Of The Dead e um dos piores filmes da história Alone In The Dark foram todos dirigidos por ele. Claro, todos muito mal avaliados pela crítica, com notas que vão de 1 até 6. Isso de 100, só para deixar claro.
Diretor Uwe Boll
Claro que não dá para colocar a culpa no Boll, afinal, ele não fez todos os filmes de jogos e já está até aposentado, o que não evitou que filmes mais ou menos fossem feitos. Um dos problemas gerais é a falta de familiaridade dos diretores e equipe com o material original. O diretor de Assassin’s Creed, Justin Kurzel, falou abertamente que o último jogo que ele jogou foi Double Dragon, em 1994. Ironicamente, esse jogo também foi adaptado para um filme que, adivinha só, tem péssimas notas da crítica.
Com essa falta de conhecimento, fica difícil para eles entenderem o qual a essência do material original e o que faz ele ser bom. O filme de Assassin’s Creed virou mais sobre o tempo presente do que o passado, o futuro filme de Uncharted vai focar no Nathan criança – e qualquer um que jogou esses jogos sabe que essas são as partes menos interessantes do jogo. Filmes como Prince Of Persia e Silent Hill também perderam um pouco da essência nos cinemas.
Outro ponto é que não é só porque um jogo é famoso que ele tem potencial para uma boa adaptação, mas os estúdios tendem a se guiar mais pelos números e pela popularidade do que pelas chances de um bom filme.
Felizmente, temos alguma esperança para esse problema - conforme o tempo vai passando, a geração que cresceu com os jogos passa a ser a mesma que toma decisões e faz as coisas acontecerem, o que pode ajudar muito as adaptações.
Alguns diretores de filmes recentes falaram sobre sua familiaridade com os jogos, como o diretor de Warcraft Duncan Jones, que jogou horas e horas de Warcraft, a atriz Alicia Vikander que não só jogou Tomb Raider como fez piadinhas com os peitos pontudos, o diretor do filme Roar Uthaug que também jogou quando mais novo e o diretor amiguinho do Kojima, Jordan Vogt-Roberts que tem como objetivo de vida fazer o filme de Metal Gear que todos queremos.
Jordan Vogt-Roberts e Hideo Kojima
Quando falamos das adaptações de livros ou quadrinhos, os filmes têm algo a acrescentar nessas histórias – imagens, movimento, vozes. No caso dos jogos, é justamente ao contrário. Os filmes tiram uma parte muito importante dos jogos – a interatividade.
Todo mundo sabe que por mais que os games tenham cutscenes e ótimas historias, a graça deles é o jogar, o gameplay, a interação com os cenários, aquela sensação de dever cumprido, de ter derrotado o chefe mais difícil de todos ou de ter ajudado o personagem a chegar no objetivo.
Nos filmes não tem nada disso. Tudo é mostrado para você pelo ponto de vista exclusivo de outra pessoa, enquanto você fica de fora vendo um estúdio dar a própria interpretação para um personagem e uma história que você gosta, se identifica, e tem uma ideia já formada sobre. Qualquer mudança, por menor que seja, tem uma grande chance de “ofender” o fã.
Adaptações de jogos com formato muito diferente dos filmes até que fariam mais sentido, como um jogo de luta ou corrida. Pena que quando isso foi feito, não deu muito certo. Need For Speed, Street Fighter e Mortal Kombat Annihilation tem todos péssimas notas da crítica e não são lá grande coisa.
Os games hoje estão muito perto do cinema, seja em receita, em grandiosidade das produções, nas narrativas e até mesmo nos atores – muitos dos personagens dos jogos foram feitos por atores de Hollywood, como Samuel L. Jackson, Gary Oldman, Kiefer Sutherland, Ellen Page, Willem Dafoe, Martin Sheen, Mads Mikkelsen... A lista é longa.
Sem desmerecer ou deixar de lado atores que não são de Hollywood como Troy Baker, Jennifer Hale e Nolan North, que fazem um trabalho excelente e não perdem em nada para os mais famosos – e eu diria que fazem um trabalho até melhor em vários aspectos.
Richard McGonagle e Nolan North em Uncharted 3
Por que, então, ainda nos empolgamos com filmes de jogos? Se já temos histórias de qualidade e narrativa cinematográfica aliadas a uma interatividade única, por que gostamos tanto da possibilidade de ver nosso jogo preferido nas telas de cinema? O meu chute? Prestígio.
Hollywood ainda impressiona mais que videogames, e talvez essa seja uma forma inconsciente de mostrarmos para o mundo que não, não é coisa de criança, não é bobagem – é um material tão bom que, veja só, virou o filme. É quase uma coroação do material. E isso vale para todas as mídias que são adaptadas – livros, jogos, quadrinhos, mas esses dois últimos, por serem vistos por muitos como “coisa de criança”, tem um significado a mais quando colocados em um filme.
É como se, de alguma forma, a indústria dos games, por maior que seja, ainda se sinta insegura. Fazer o filme de um jogo é uma maneira do grande público entrar em contato com aquela obra com menos preconceito, de tornar aquela história mais popular. Mas consumir esse conteúdo em uma mídia diferente da que ele foi feito para ser consumido pode ser um tiro no pé. Imagina o que uma pessoa vai pensar do Mario se o primeiro contato dela com a obra for o filme. Se ela já não gosta ou entende os videogames, não é com uma adaptação ruim que ela vai mudar de ideia.
Desde de 1993, com Super Mario Bros., nos decepcionamos com quase todos os filmes de jogos. Passamos por Uwe Boll, chegamos nos grandes estúdios e hoje jogos e filmes quase se misturam, pegando emprestado muitos elementos um do outro.
Os filmes de jogos provavelmente vão continuar sendo feitos, nós vamos continuar nos empolgando e talvez eles continuem nos decepcionando. Mas, enquanto os jogos ainda forem bons, não temos muito com o que nos preocuparmos.
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