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Antes de iniciar esta coluna, vou responder logo de cara a pergunta de seu título: não, a E3 não está perdendo em relevância, nem corre o risco de desaparecer. Prova disso é que, em 2018, não somente o evento registrou um público ainda maior do que em 2017 (69 mil pessoas, segundo a ESA), como ele novamente voltou a dominar as manchetes e discussões relacionadas ao mundo dos games.
Se a resposta é tão simples, então por que colocar a discussão em voga em primeiro lugar? Explico: considerada a maior feira de vídeo games do mundo em matérias de visibilidade e anúncios — a Gamescom há tempos a supera em matéria de visitantes —, a E3 é o “gigante” que parece mais ameaçada pelas transformações rápidas que a indústria e a produção de conteúdos testemunharam em anos recentes.
Não é preciso ir muito longe para ver análises que apontavam o declínio do evento em anos anteriores: em 2016, por exemplo, a feira estava marcada por um público que diminuía e pela decisão de empresas como a Electronic Arts de apostar em ações próprias. Para completar, a falta de abertura ao público acabava fazendo com que o evento ficasse de fora de várias conversas que a mídia especializada e os produtores de conteúdo tradicionais não eram capazes de dar conta.
As “ameaças” à E3
Entender porque alguém pode acreditar que a E3 está ameaçada é um processo relativamente fácil. Além de ter diminuído em anos anteriores (chegando inclusive a extinguir o famoso showfloor em uma de suas edições), o evento deixou de ser o único palco que as empresas têm para exibir seus anúncios para o ano.
o evento deixou de ser o único palco que as empresas têm para exibir seus anúncios para o ano
Além de contarmos com feiras tradicionais como a Gamescom, que apostam na proximidade com o público para garantir sua relevância, também vimos em anos recente o surgimento de novos “competidores”, como a Paris Games Week — até mesmo eventos de premiações, como o The Game Awards, hoje em dia são usados para revelar grandes jogos que passam longe do radar do evento realizado em junho.
Para completar, também há o mundo online: empresas como a Nintendo já provaram que, com uma produção mais enxuta, há como passar mensagens para o público interessado nelas em qualquer momento do ano. Não é preciso mais convidar pessoas de todo o mundo para um lugar ou esperar que executivos e desenvolvedores tenham um bom desempenho no palco — basta marcar uma data e divulgá-la em redes sociais para todos os interessados acompanharem um streaming ou uma transmissão pré-gravada que não disputa a atenção com outras empresas.
Nesse cenário, fica a pergunta: por que gastar milhares de dólares se deslocando para Los Angeles e montando uma estrutura gigantesca, se a internet está aí? A resposta inclui desde o fato de que é bom e relevante que a indústria esteja reunida em um só lugar até a tradição estabelecida pela E3 em mais de 20 anos de história.
Algo que nem sempre fica claro para o público é o fato de que a E3 é aquele momento do ano em que não somente os sites dedicados a games estão cobrindo o assunto. O evento reúne muito do que conhecemos como “mídia tradicional”, que aproveita a ocasião para falar sobre lançamentos e novidades com seu público — mesmo que de uma forma que nós consideraríamos um tanto superficial.
Em escala global, nenhum outro evento da indústria tem o mesmo impacto
Em escala global, nenhum outro evento da indústria tem o mesmo impacto: a Gamescom é voltada demais ao público europeu, enquanto a Tokyo Game Show perdeu a relevância de outrora e teve que se focar no público japonês para sobreviver. Além disso, por mais que tenhamos outras opções de comunicação atualmente, já está muito firmado na cabeça dos fãs que junho é o mês em que vamos ouvir as novidades mais relevantes do mundo dos games — e elas vão ser apresentadas em conferências concentradas na cidade de Los Angeles.
Evento em transformação
Apesar de a E3 ainda ser vista como esse “ídolo inabalável”, seus organizadores — a ESA — reconhecem que não podem ficar parados no tempo caso queiram que o evento mantenha sua relevância. Até por conta disso, eles costumam apostar em mudanças de formato que adequem a feira aos desejos do público — algo que nem sempre funciona, como provou o ano em que não tivemos a experiência de showfloor.
A mudanças mais recente nesse sentido aconteceu em 2017, quando a organização passou a aceitar a entrada do público em geral, não restringindo mais o acesso a jornalistas, produtores de conteúdo e membros da indústria. Isso fez com que a feira ganhasse uma “cara nova” que ainda está em processo de desenvolvimento e deve ganhar algumas adaptações para chegar a seu formato final.
A decisão mostra que os organizadores estão cientes de que os produtores de conteúdo tradicionais não têm mais o controle sobre a forma como a informação sobre um game é transmitida. Os meios tradicionais ainda têm sua importância, mas as redes sociais mostram que, muitas vezes, a experiência do consumidor “comum” é mais determinante para o futuro de um jogo e a criação de uma comunidade ativa.
Com essa decisão, a E3 se tornou mais próxima de feiras como a Gamescom sem perder as características que a tornam única. Ao mesmo tempo em que mantém os holofotes sobre suas conferências e para seu teor mais "show", ela abriu espaço para que novas narrativas e experiências surgissem: para alguns, o importante pode não ser conseguir jogar tudo o que foi apresentado, mas sim reunir amigos e ter um dia divertido com base em um gosto em comum (algo que quem já frequentou a BGS provavelmente já sentiu).
Futuro promissor
Seria um tanto ingênuo de minha parte decretar que a E3 vai manter para sempre seu lugar de destaque e nunca vai ser desbancada por outro evento ou deixada de lado em favor do mundo online. A própria Tokyo Game Show, citada neste artigo, já foi considerada uma feira absurdamente relevante, mas perdeu espaço diante do crescimento das desenvolvedoras ocidentais e do declínio do mercado de consoles japonês.
No entanto, acredito que ao menos atualmente — e arrisco a afirmar, durante os próximos anos —, não temos que nos preocupar com o fim do evento. Mas não descarto a possibilidade de que vejamos cada vez mais transformações ocorrendo, sendo na forma de empresas que criam eventos separados — como o EA Play — ou decidem participar da festa, também oferecendo espaços próprios com mensagens mais centradas — caso da Microsoft em 2018.
Além disso, penso que o papel do público será cada vez mais importante no evento: se em 2017 ele simplesmente “estava lá”, em 2018 já vimos uma melhoria na forma de áreas mais organizadas e que levam em consideração o fluxo de mais pessoas. Em 2019 em diante, não descarto a aposta em uma maior interação por parte das desenvolvedoras, que podem usar os visitantes como forma de promover seus jogos e reforçar suas comunidades.
A E3 é um evento importante e extremamente relevante, mas que deve ficar atenta às tendências do mercado e ao que aos “concorrentes” estão fazendo para se manter nessa posição. Os números continuam a favor da organização da ESA, mas ela não pode ser displicente em seu papel de justificar os motivos pelos quais tanta gente fica atenta ao mundo dos jogos todo mês de junho.
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E você, acredita que a E3 perdeu relevância nos últimos anos ou que o evento continua em um bom momento? O que você gostaria de ver de diferente nas próximas edições? Compartilhe suas opiniões sobre o assunto em nossa seção de comentários.