Coluna do Carpe #25: afinal, emular jogos antigos é errado?

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Nesta semana, a Nintendo levou à corte americana dois dos maiores sites que disponibilizam ROMs na internet, versões não-oficiais de jogos feitas para funcionarem em emuladores, acusando violações de direitos autorais.

A companhia japonesa exige a queda dos portais e indenizações que variam entre 150 mil até 2 milhões de dólares. Segundo a Nintendo, enquanto que vários sites do gênero são tocados como hobby, estes dois tratam-se de verdadeiros projetos profissionais, que rendem lucro em cima de suas propriedades.

Levando em conta que ambos os sites pertencem a uma mesma pessoa, e que foram infringidas as propriedades intelectuais de mais de 140 jogos e 40 marcas, tudo isso somado pode custar até 100 milhões de dólares.

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Os sites responderam a pressão: um deles omitiu todos os produtos da Nintendo, enquanto que o outro, foi completamente retirado do ar (ao que tudo indica, temporariamente).

Do ponto de vista legal, entende-se que, se uma empresa é dona dos direitos de distribuição de um determinado jogo ou marca, ela pode fazer o que bem entender com eles, inclusive processar sites que disponibilizam estes jogos sem sua autorização.

No entanto, até onde a emulação de jogos antigos é errado ou prejudicial à indústria? Combater desta forma adianta de alguma coisa? E qual seria a saída ideal para todos?

O mercado da nostalgia

Muito do sucesso e prestígio da Nintendo, até hoje, se dá graças à nostalgia, e isso fica bem claro em vários dos movimentos da empresa.

Recentemente, lançaram versões mini do NES e SNES, que funcionam - olha a ironia - através de um tipo de emulação. É um simples e pequeno hardware dedicado e projetado para ser utilizado na TV, como um console, que incluiu pouco mais de 20 jogos pré-instalados. Há rumores até de uma versão miniatura do Nintendo 64 no futuro.

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Outra iniciativa conhecida foi o Virtual Console, uma loja dedicada a jogos antigos para o Wii, Wii U e 3DS, com vários clássicos tanto de consoles de mesa quanto portáteis, pertences a Nintendo ou de terceiros. Cada título custava entre 3 a 10 dólares, dependendo do jogo e da plataforma. No total, já foram vendidos mais de 10 milhões de jogos desta maneira.

Ao menos por enquanto, não existem planos de um Virtual Console no Nintendo Switch, mas a empresa já prometeu alguns jogos de NES como parte de sua assinatura online, incluindo até recursos como o multiplayer pela rede, inédito nestes jogos.

A luta da Nintendo por suas marcas é totalmente compreensível, já que as propriedades são dela e impactam diretamente em seus negócios. No entanto, a emulação vai muito além disso.

Tudo depende da finalidade

Quando se trata de questões legais, emuladores estão em uma espécie de “região cinza”. Emulação, por si só, não é errado, mas pode ser utilizada como ferramenta para a pirataria.

Enquanto um emulador não reutilizar códigos de um produto de propriedade privada e for fruto unicamente de engenharia reversa, assume-se uso justo (fair use), lei que proteje o uso não licenciado de trabalho proprietário em circunstâncias específicas.

Vários desenvolvedores e membros ativos na comunidade de emulação argumentam que, acima da pirataria, trata-se da preservação da história dos games como mídia de entretenimento.

“Não quero que aconteça com os games o que foi com os filmes, onde a maioria das produções dos primeiros 50 anos acabaram se perdendo no tempo” - Byuu

O SNES Preservation Project, por exemplo, abriga ROMs e até mesmo imagens escaneadas de caixas e manuais, milhares de jogos lançados para o console, inclusive alguns limitados a regiões específicas ou extremamente raros. Tudo isso sem quaisquer fins lucrativos. Algo semelhante acontece com o The Video Game History Foundation’s, que até mesmo auxiliou a Capcom na produção de Mega Man: Legacy Collection.

Nas palavras de Byuu, desenvolvedor de vários emuladores e personalidade influente na comunidade: “não quero que aconteça com os games o que foi com os filmes, onde a maioria das produções dos primeiros 50 anos acabaram se perdendo no tempo”.

Só que, infelizmente, a pirataria sempre vem junto, querendo ou não. Emuladores podem ser usados tanto para o “bem” quanto para o “mal”, a fim de resgatar jogos perdidos no tempo ou lucrar em cima da pirataria de títulos recém-lançados.

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The Legend of Zelda: Breath of the Wild, por exemplo, já funcionava perfeitamente bem em emuladores de PC poucas semanas após o lançamento do game. Não sabemos o quanto isso impactou nas vendas do jogo, até porque, obteve ótimos resultados. Ainda assim, é uma dúvida que fica. O Cemu, emulador utilizado, é mantido através do Patreon, plataforma de financiamento coletivo. São quase 9 mil dólares por mês através de mais de 2 mil apoiadores.

Não é à toa que esse emulador controverso até dentro da comunidade de emulação. Ao contrário de vários outros projetos, que são de código-fonte aberto e foram construídos por uma comunidade colaborativa, sem dinheiro envolvido, ele é fechado e recebe generosas doações.

Impactos

Muitos dizem que a concorrência por parte dos emuladores é desleal, mas há quem questione. Segundo Pierre Bourdon, desenvolvedor do emulador Dolphin, seu software registra cerca de 50 mil usuários diários. Os consoles originais, GameCube e Wii, venderam 20 e 100 milhões, respectivamente. Ou seja: é menos de 1% da audiência dos consoles.

Pelo menos com relação aos jogos antigos, são produtos que, geralmente, nem mais comercializados são. A emulação, inclusive, já ajudou muitos jogos e franquias a se manterem acessíveis e populares, e isso, de certa forma, é bom para os donos das marcas. Qual é a semelhança entre comprar um cartucho usado e baixar uma ROM? Ambos rendem lucro algum para as suas publicadoras.

Qual é a semelhança entre comprar um cartucho usado e baixar uma ROM? Ambos rendem lucro algum para as suas publicadoras.

E por mais que não seja exatamente o tema deste texto, vale mencionar que, no caso da emulação de consoles recentes, convenhamos: é sempre mais barato, prático e funcional recorrer ao hardware e jogos originais. Emulação, quase sempre, não é uma boa alternativa para a pirataria.

A pirataria quase sempre vem antes da emulação, e não o contrário. Para que bons emuladores sejam construídos, é necessário a engenharia reversa dos hardwares e softwares originais, e que, em muitos casos, só é possível após os primeiros “jailbreaks”.

Consenso

A pirataria é como uma hidra: corta-se uma cabeça, surgem outras duas. A história já provou que bater de frente não é a melhor forma de combatê-la, e sim oferecer algo mais vantajoso aos consumidores. No mais, a comunidade séria de emuladores não precisa pagar pelos erros dos mal intencionados.

Pessoalmente, acredito que a melhor saída para a Nintendo, assim como para várias outras empresas que “monetizam a nostalgia”, é oferecer boas alternativas de jogos retrô, que entreguem valor aos consumidores e, com isso, desmotivem o uso de ROMs ilegais.

Serviços como a Steam, com bons preços e promoções arrasadoras, ou até mesmo o Xbox Game Pass, que oferece um catálogo extenso de jogos por apenas 30 reais ao mês, já provaram que, se há uma alternativa melhor que a pirataria, ela deixa de ser tão recorrida.

A pirataria é como uma hidra: corta-se uma cabeça, surgem outras duas

Assistir filmes e séries pelo Netflix é muito mais prático e seguro do que baixá-los pela internet afora. O mesmo vale para o Spotify e a indústria da música. Não é à toa que, cada vez menos, procuram-se alternativas ilegais.

Imagine um serviço com inúmeros jogos de todos os consoles antigos da Nintendo, que permite jogar em qualquer lugar, Switch, smartphones ou PCs, por um baixo valor mensal? Talvez até com modos online, conquistas e coisas do tipo.

Ou talvez uma loja nos moldes do Virtual Console, mas disponibilizada em diferentes plataformas, não apenas as da Nintendo, com preços justos e um catálogo tal qual o dos grandes sites de ROMs?

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A iniciativa SEGA Forever é um ótimo exemplo disso. Trata-se de um serviço para smartphones que oferece um crescente catálogo de jogos clássicos da SEGA, do Master System até o Dreamcast, com opções de jogar gratuitamente, com propagandas, ou pagar alguns dólares para se livrar dos anúncios e ter acesso a recursos exclusivos, como saves na nuvem.

É algo que tem funcionado até mesmo como métrica de quais propriedades intelectuais possuem mais popularidade e apelo comercial, podendo receber mais investimentos no futuro.

Assim, os usuários possuem uma ótima alternativa para jogar seus games antigos, de maneira oficial e lícita, que rende lucro aos donos das marcas, e sem a necessidade de travar uma batalha perdida contra a pirataria. Fica a dica, Nintendo.

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A Coluna do Carpe vai ao ar toda quinta-feira aqui no Voxel – caso ainda não tenha visto, vale a pena conferir a última edição.

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