Um RPG curto e que não apresenta os melhores gráficos de sua geração, criado a partir da mescla de uma série de pequenas histórias que, aparentemente, não têm nenhuma ligação entre si.
Com essa pequena introdução, dificilmente nós conseguimos despertar o seu interesse por Live a Live (SNES), certo? Mas nós vamos tentar convencê-lo do contrário ao longo de todo o texto, explicando o porquê de um título tão adverso merecer a sua atenção tanto tempo depois do seu lançamento.
Mais um RPG da Squaresoft
O Super Nintendo foi o celeiro dos RPGs durante a primeira metade da década de 1990. De lá saíram monstruosidades como Final Fantasy VI, Secret of Mana, Earthbound e, claro, Chrono Trigger. Isso, pra ficar em uma lista restrita, já que daria pra citar pelo menos mais uns dez jogos sólidos, sem medo de ser feliz ou desagradar os fãs do gênero.
Live a Live não se encaixa em nenhuma dessas listas justamente por estar sempre na sombra dos outros jogos mais conhecidos do gênero. Além disso, o título não foi lançado fora do Japão, apesar de a sua localização ter sido especulada na época.
Apesar do visual bonito, não chegava a surpreender, mesmo na época do lançamento do jogo
Lançado em 1994, o jogo tem elementos de diversos jogos e franquias consagradas da Square. Na verdade, parece que as ideias estavam sendo testadas aqui, para serem melhor exploradas em outros títulos da empresa. Esse quê de experimentação rolou em diversos aspectos do jogo, incluindo a trama, o visual e o sistema de batalha. Vamos por partes!
Futuro, Passado, Faroeste…!
Dissemos no começo do texto que se tratava de um RPG curto e isso é bem verdade. O jogo gira em torno de 7 pequenas tramas que se passam em diferentes períodos da História. Diferentes mesmo, tipo a Pré-História e um futuro muito, muito distante.
Essa disparidade temporal gerou personagens bastante desconexos entre si. Esse, aliás, é o ponto que desanuvia qualquer associação entre Live a Live e Chrono Trigger. Enquanto Ayla, Marle, Lucca e seus amigos parecem formar um grupo bastante coeso, os personagens de Live a Live não se encaixam de jeito nenhum. A diferença entre eles é bastante visível, começando pela capa do jogo. Dá pra perceber que são estilos diferentes de desenho para cada personagem. E isso é proposital!
Você tem liberdade para escolher a ordem dos capítulos do jogo
Todos os protagonistas foram criados por diferentes artistas japoneses, muitos deles consagrados como vencedores do Shogakukan Manga Award, um dos prêmios mais importantes entre os mangakás.
Cada história é um capítulo à parte, com uma trama totalmente diferente da anterior. Você pode, inclusive, escolher a ordem em que pretende realizar cada uma delas, no melhor estilo Mega Man. Veja abaixo uma pequena sinopse de cada capítulo:
Contact
Durante a pré-história, Beru está prestes a ser sacrificada por uma tribo de homens das cavernas em nome de O-D-O, um dinossauro gigantesco que é adorado como um deus. Você assume o papel de Pogo, um homenzinho primitivo que sequer consegue usar palavras para se comunicar. Sua missão é resgatar Beru e derrotar O-D-O.
Pogo
Uma das mecânicas presentes nesse capítulo envolve o olfato apurado de Pogo, habilidade natural de um caçador.
Inheritance
No papel de um grande mestre de Kung-Fu, você precisa escolher entre três discípulos para transmitir os seus ensinamentos. Após a decisão, sua escola é atacada por um dojô rival que busca vingança. Dois dos seus alunos acabam mortos e agora você precisa se unir ao seu aprendiz para derrotar Odi Wang Lee, o líder dos lutadores que o atacaram.
Mestre Xin Shan Quan
Conseguem enxergar alguma conexão? Vamos para a próxima.
Secret Orders
A terceira história envolve o resgate de Sakamoto Ryoma das mãos de Ode Io, durante o período feudal japonês. Você é Oboro-Maru, um ninja super habilidoso que precisa invadir a fortaleza inimiga e pode até mesmo cumprir sua missão sem precisar lutar. Ou então, pode decidir derrotar os 100 soldados que estão em seu caminho!
Oboro-Maru
Wandering
Esse capítulo se passa no faroeste e você está no controle de Sundown Kid, um cowboy, e seu rival, Mad Dog. Toda a história gira em torno da cidade de Sucess, que vem sofrendo com ataques constantes de um grupo de bandidos chamado Crazy Bunch, cujo líder é O. Dio.
Para deter os bandidos, os rivais se unem e preparam uma série de armadilhas ao longo da cidade, deixando apenas o chefão para o final. Depois de derrotar seu inimigo, Sundown Kid tem a opção de matar Mad Dog, ou deixar seu rival vivo.
Sundown Kid
The Strongest
Nossa história agora segue os rumos de um torneio de luta, no melhor estilão Street Fighter. Você é Masaru Takahara e deseja se tornar o lutador mais forte do mundo, com direito a faixinha vermelha na testa e tudo mais!
Você pode escolher a ordem dos lutadores, como num jogo de luta. Aliás, um dos lutadores é idêntico ao Hulk Hogan!
Em sua missão de se tornar o melhor de todos, Masaru desafia lutadores de diferentes estilos, sempre aprendendo suas técnicas mais poderosas.
Seguindo os capítulos anteriores, o inimigo da vez chama-se Odie Oldbright, um valentão que mata seus oponentes sem nenhum pudor.
Masaru Takahara
Blood Flow
Esse capítulo presta diversas homenagens à Akira, mangá e animação que foi febre durante a década de 1980, de Katsuhiro Otomo.
Você está em um futuro não muito distante, em uma cidade japonesa ameaçada por uma onda de sequestros relâmpago, realizados por motoqueiros de uma gangue chamada Crusaders. O protagonista da vez é Akira Tadokoro, um rapaz que vive em um orfanato com sua irmã e tem poderes psíquicos.
Certo dia, Akira se junta ao seu amigo Matsu para investigar os sequestros. Para seu desespero, ele descobre que as vítimas estão sendo liquefeitas e oferecidas a uma espécie de ídolo antigo chamada Odeo.
Mechanical Heart
O último dos sete capítulos iniciais se passa em um futuro muito distante, quando uma nave espacial chamada Cogito Ergo Sum — o famoso “Penso, logo existo” de René Descartes — se dirige de volta à Terra, carregando um perigoso alien consigo, chamado Behemoth.
Como era de se esperar, algo dá errado, Behemoth se liberta e começa a aniquilar a tripulação. No papel do robô esférico Cube (?), você acaba descobrindo que o culpado pela tragédia é o computador OD-10 e agora precisa derrotá-lo.
Cube
Uma história de… Ódio!
O-D-O, Odi Wang Lee, Ode Io, O. Dio, Odie Oldbright, Odeo, OD-10… Percebeu a semelhança entre os nomes dos vilões de cada capítulo? Pois é, são diferentes encarnações do ódio, provando que em qualquer período histórico ainda estaremos sujeitos aos mesmos sentimentos ruins, lutando contra o ódio e a intolerância.
Usando esse fio fino para interligar as histórias, fica difícil enxergar qualquer conexão entre os personagens. Afinal, eles vieram de cenários diferentes entre si, têm mecânicas e personalidades diferentes e as suas histórias são completas, sem deixar pontas soltas depois que cada um dos chefões é derrotado.
Mas e se houvesse uma oitava história, onde o Puro Ódio se manifestasse e pudesse interferir no andamento de todas as histórias anteriores? Afinal, todos os vilões passados também eram manifestações desse ódio, e podem ser controlados!
Esse passa a ser o mote do jogo para o oitavo e o nono capítulo, onde finalmente os personagens se unem para dar cabo de uma vez por toda do ódio. Ou, pasmem, você mesmo pode assumir o papel do ódio e reescrever cada capítulo da história.
Absurdo, não? Pois isso é Live a Live, um dos RPGs menos conhecidos da Squaresoft, mas plenamente capaz de entreter e surpreender.
Vale a pena jogar hoje em dia?
Sendo um jogo de RPG japonês lançado pela Squaresoft em 1994, é evidente que Live a Live segue a fórmula do gênero, ainda que com alguns traços de originalidade. Visualmente, o jogo lembra bastante Final Fantasy IV, com sprites pequenos e cenários nada surpreendentes. Mas isso se restringe apenas aos mapas e cenários abertos! Os sprites dos inimigos estão entre os mais absurdos já vistos em um jogo de SNES.
Os sprites dos inimigos são impressionantes. Bonitos, detalhados e grandes!
Aliás, no mesmo ano do lançamento de Live a Live, tivemos também Final Fantasy VI — que saiu no ocidente como Final Fantasy III. Certamente, mais um motivo para o nosso jogo ter sido esquecido de lado.
Sistema de batalha no melhor estilo Tactics
A trilha sonora de Live a Live foi o trabalho de estreia da Yoko Shimomura na Square, depois de fazer sucesso compondo as músicas de Street Fighter II e Final Fight. Aqui, ela conseguiu transitar com muita liberdade entre uma série de estilos, aproveitando dos cenários bem diferentes de cada capítulo. Destaque para Megalomania, a música que toca durante todas as boss battles do jogo.
E essa é Yoko Shimomura, compositora de sucessos como as trilhas de Street Fighter II, Super Mario RPG, Parasite Eve e Kingdom Hearts
Aliás, essa música foi homenageada na OST de Undertale, na forma de Megalovania. Ouvindo as duas músicas juntas, dá pra sentir um pouquinho da influência de Yoko Shimomura na obra de Toby Fox.
A ideia de contar várias histórias diferentes é, sem dúvidas, o ponto mais marcante de Live a Live. Esse tipo de mecânica não parece fazer sentido em um RPG, mas o sucesso recente de Octopath Traveler está aí para provar que é possível ter boa recepção experimentando coisas diferentes.
Vale ressaltar também que estamos falando de um RPG lançado para Super Nintendo, bem no meio da fase mais rica do console, quando diversos títulos excelentes do gênero foram lançados.
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