O designer gráfico é um dos profissionais que recebem menos reconhecimento em relação a sua importância. Ele é responsável, entre várias outras coisas, por criar o visual dos jogos e dar beleza e carisma a eles, principalmente para os personagens, e convenhamos, isso é um dos principais fatores para fazer você gostar de um game.
E uma das designers mais importantes do mundo é Rieko Kodama que mesmo sem receber tanto destaque, foi responsável por vários dos jogos mais queridos da história dos videogames, e poucos sabem disso. Pois é, mesmo tendo uma grande importância para os games, muita gente não conhece essa lenda, mas isso muda hoje!
A palavra Kodama é o nome de um yokai, uma espécie de entidade ou energia na cultura japonesa. Um Kodama é um espírito pacífico que habita nas árvores antigas partilhando sua sabedoria com as pessoas. Curiosamente existiram alguns grandes designers de games que receberam o nome Kodama.
Exemplos disso são Hideaki Kodama, ilustrador da Konami em seus tempo, áureos nos arcades, e Mitsuo Kodama, que ajudou a criar a franquia The King of Fighters e gerenciar vários títulos da Capcom, como Resident Evil. No entanto, uma das Kodama que mais importantes da história é a que veio da SEGA, antes de todos esses.
A história de Rieko Kodama
A japonesa Rieko Kodama nasceu em 1963 e desde cedo demonstrou interesse por egiptologia, futebol, ficção científica e desenho. Durante a adolescência, ela tentou seguir carreira em arqueologia, mas não conseguiu ingressar em uma faculdade na área. Com sua formação prévia em arte e a necessidade de encontrar um emprego, decidiu fazer um curso profissionalizante de design publicitário. Foi então que a sorte lhe sorriu.
Um dos veteranos do curso começou a trabalhar na Sega e, impressionado com as ilustrações de Rieko, apresentou seu trabalho à empresa. Ele afirmou que seu estilo artístico poderia trazer uma renovação criativa aos lançamentos da companhia. Isso marcou o início de uma carreira brilhante na indústria de videogames, onde ela se tornaria uma das figuras mais icônicas e influentes da Sega.
No entanto, a Sega não estava à procura de ilustradores na época. O que a empresa realmente precisava eram de designers gráficos capazes de criar e inserir elementos visuais nos jogos do SG-1000, o console recém-lançado que antecedeu o Master System. Mesmo assim, o amigo de Rieko a recomendou para a função. Naquele período, os videogames ainda eram uma tecnologia muito nova, e quase ninguém sabia como trabalhar com eles. Em 1984, aos 21 anos, Rieko foi contratada pela Sega.
Ainda assim, havia um problema: ela não fazia ideia de como criar jogos. Rieko acreditava que sua função seria apenas elaborar ilustrações promocionais para os títulos da empresa. Mal sabia ela que sua carreira tomaria um rumo muito diferente, transformando-a em uma das maiores influências na história dos videogames.
Rieko tinha alguma experiência com fliperamas durante a infância, mas era completamente inexperiente em relação a consoles e ao processo de criação de jogos. A realidade foi um choque para ela. Contudo, assim que conheceu o ambiente de desenvolvimento, ficou fascinada pelas possibilidades que se abriam. Ali, mais do que criar apenas artes promocionais, ela viu a chance de participar diretamente da construção de algo totalmente novo.
Mesmo ciente da falta de experiência de Rieko, a Sega apostou em seu talento e se dispôs a treiná-la desde o início, formando-a como profissional dentro da própria empresa. A companhia ofereceu suporte e ensinou o que ela precisava aprender, sem nunca tratá-la de forma diferente por ser mulher — uma atitude notável para a época. Foi um período de intenso aprendizado e também de desafios, que moldaria a carreira de Rieko como uma das pioneiras da indústria de videogames.
Aprendendo a fazer games
Rieko encontrou um mentor ideal em Yoshiki Kawasaki, que na época era designer gráfico da Sega e tinha em seu currículo sucessos como Flicky. Apesar de sua carreira em ascensão, uma de suas principais qualidades era a paciência, o que o tornou o professor perfeito para Rieko em seus primeiros passos na indústria.
Sob a orientação de Kawasaki, Rieko dedicou-se a absorver todo o conhecimento possível em um curto período. Ele a ensinou sobre a criação de personagens e cenários, técnicas para facilitar animações, os fundamentos do pixel art e os segredos das TVs de tubo, como a distribuição limitada de cores e como trabalhar com elas de forma eficiente. Kawasaki também compartilhou macetes e dicas práticas que ajudaram Rieko a dominar as ferramentas disponíveis, dando-lhe uma base sólida para explorar sua criatividade no desenvolvimento de jogos.
Rieko Kodama deu seus primeiros passos na indústria ao projetar cenários e personagens secundários em Champion Boxing, um título modesto que funcionava como uma espécie de "incubadora" para novatos na Sega. Nesse projeto, ela trabalhou ao lado de Yu Suzuki, um promissor programador que logo se tornaria uma lenda na história dos videogames.
Com uma pequena equipe de apenas 4 ou 5 funcionários, Champion Boxing representou o início de uma jornada marcante para Kodama. O jogo, embora simples, foi uma oportunidade crucial para ela aprender na prática e começar a aplicar as habilidades que vinha desenvolvendo. Foi ali que Rieko começou a moldar seu estilo e entender o que seria necessário para criar mundos e personagens inesquecíveis, enquanto observava de perto a ascensão de um dos maiores nomes da Sega.
Em novembro de 1984, Champion Boxing, o primeiro jogo de Yu Suzuki e Rieko Kodama, foi lançado. No entanto, Kodama ainda não tinha a oportunidade de assinar seu nome no game. Naquela época, era comum que as empresas de videogames não permitissem que seus funcionários recebessem créditos pelos trabalhos.
Essa prática tinha como objetivo evitar que concorrentes tentassem atrair os talentos da equipe. Quando os desenvolvedores eram creditados, geralmente utilizavam codinomes ou abreviações. Esse era o início de uma tradição que só mudaria anos depois, mas que marcou o começo da carreira de muitos profissionais, incluindo a de Kodama, que começava a mostrar seu talento na indústria de forma discreta, mas promissora.
Na época, Rieko estava lendo um mangá que ela sempre teve muita vergonha de revelar qual era. Inspirada por um personagem querido da história chamado Phoenix, ela adotou o codinome Phoenix Rie. Sob esse pseudônimo, Rieko assinaria diversos jogos de grande sucesso que marcaram a infância de muitas pessoas nas décadas seguintes.
Mesmo sem divulgar o título exato que a inspirou, esse detalhe mostra como referências pessoais e culturais influenciaram o trabalho de muitos pioneiros da indústria, mesmo em um contexto onde sua verdadeira identidade era frequentemente escondida. Phoenix Rie se tornaria uma assinatura que, mais tarde, representaria um legado criativo e inovador no universo dos videogames.
Os Primeiros Sucessos
Logo após concluir seu trabalho em Champion Boxing, Rieko Kodama foi transferida para a equipe de desenvolvimento de outro jogo, onde novamente assumiu a responsabilidade pela criação dos personagens. Foi nesse projeto que nasceu a primeira princesa guerreira desenhada por ela: a kunoichi Kurumi, protagonista do jogo Ninja Princess. Lançado em março de 1985, apenas quatro meses depois de seu projeto de estreia, o título marcou um novo passo na carreira de Rieko.
Ninja Princess se destacou por trazer uma personagem feminina forte como protagonista, algo incomum para a época. Essa característica evidenciou o talento de Rieko em criar personagens marcantes e abrir espaço para mulheres no mundo dos games, tanto dentro quanto fora das histórias que ajudava a construir.
Apesar de ser um projeto modesto, Ninja Princess foi bem recebido pelo público. No entanto, Rieko Kodama, como era comum na época, não recebeu créditos pelo trabalho. Além disso, o jogo passou por diversas alterações ao ser adaptado para outros mercados.
Uma dessas mudanças ocorreu no lançamento de The Ninja, uma versão do jogo para o Master System direcionada ao mercado norte-americano. Nessa adaptação, a protagonista, a kunoichi Kurumi, foi substituída por um personagem masculino, e o papel dela foi relegado a uma donzela em perigo, a ser resgatada por ele.
Sabe como é que é, né? Anos 80. Movimentos como esse são um reflexo claro dos estereótipos predominantes da época, que frequentemente subestimavam o apelo de protagonistas femininas nos jogos. Essa mudança não só apagou a inovação original da narrativa, mas também destacou os desafios enfrentados por criadoras como Rieko, que não tinham suas visões preservadas em uma indústria ainda muito influenciada por padrões de gênero.
Naquele período, a SEGA também estava determinada a competir com sua principal rival, a Nintendo, que dominava o mercado com Super Mario Bros.. Uma das estratégias da empresa era observar o sucesso dos concorrentes e, digamos, "se inspirar" para criar alternativas que pudessem capturar a atenção do público. Foi nesse contexto que surgiu o projeto de Alex Kidd in Miracle World, o jogo que seria a resposta ao fenômeno Mario.
A escolha de Rieko Kodama para integrar o time de desenvolvimento do "Mario da SEGA" foi um marco em sua carreira. Após poucos tempo na empresa, ela já demonstrava habilidades criativas e técnicas suficientes para contribuir em um dos projetos mais ambiciosos da empresa.
Rieko não foi a criadora de Alex Kidd, mas foi uma das principais designers do jogo, projetando e inserindo vários elementos no game, principalmente os cenários. Com o sucesso estrondoso do jogo, que lançava um novo mascote para a SEGA, a carreira dela foi catapultada imediatamente. Como a companhia ainda não tinha contratado designers suficientes e o recém-lançado Master System precisava de jogos, ela chegava a trabalhar em cinco ou seis games ao mesmo tempo por ano. Com isso, começou a receber ainda mais reconhecimento dentro da empresa.
Mulheres na indústria de games dos anos 80
Não se engane. Àquela altura, Rieko não era a única mulher nos bastidores dos games. Não só na SEGA, mas em várias outras produtoras de sucesso da época, existiam outras mulheres realizando trabalhos notáveis. Porém, devido ao contexto daquele tempo, elas raramente eram divulgadas ou notadas, inclusive não aparecendo sequer em fotos oficiais da companhia.
O sucesso de Rieko não só refletia a qualidade dos seus trabalhos, mas também a representatividade que ela possuía para as mulheres, que em raras exceções eram lembradas ou creditadas corretamente na indústria dos games na década de 80 e começo de 90. Ter uma mulher de sucesso e destaque na indústria já naquela altura foi muito importante tanto para quem já estava trabalhando ali quanto para quem viria a trabalhar no futuro.
Apenas em 1987, seis jogos foram lançados com trabalhos de Phoenix Rie, mesmo não sendo creditada em vários deles. Todos esses jogos estavam na linha dos principais lançamentos da SEGA, ou seja, com maior orçamento e melhor equipe. Rieko foi inicialmente alocada para o time que tentava dar vida nova ao Opa-Opa, o mascote anterior da companhia.
Ela também participou dos jogos Fantasy Zone II: The Tears of Opa-Opa e o frenético Zillion. Enquanto isso, ainda ajudava no port do cultuado The Black Onyx para SG-1000 e na criação do sucesso Quartet, um jogo frenético e divertidíssimo de muito sucesso na época. Achou muito? Ainda tinha mais.
Criação de RPGs
Com toda a certeza, o ano de 1987 foi muito importante para Kodama, pois foi onde ela deu os primeiros passos no estilo em que mais se destacaria. Foi nesse período que ela aprendeu muito sobre os jogos de RPG, gênero pelo qual ficaria mais conhecida. Não só Zillion tinha elementos do estilo, mas vários ports de games que ela ajudou a fazer naquele ano eram simplesmente RPGs puros, todos de bastante sucesso.
A lista inclui títulos como The Black Onyx e a versão elogiadíssima de Miracle Warriors: Seal of the Dark Lord para Master System, que ficou muito melhor que a original de PC, diga-se de passagem. Mesmo fazendo pouca coisa neles, esses jogos credenciaram Rieko a mais um super projeto interno da SEGA, pois só quem entraria nele seriam profissionais com experiência em RPG ou muito gosto por eles. Rieko se enquadrava nas duas opções.
O Nintendinho fazia muito sucesso com um RPG produzido pela Enix chamado Dragon Quest, até hoje um dos games mais queridos do Japão. Os próprios desenvolvedores da SEGA jogavam sem parar e adoravam o game da concorrência. Então, seguindo a política da companhia, era preciso ter um jogo do mesmo estilo feito por eles para o Master System.
Foi aí que Rieko brilhou, pois ela foi escolhida para ser a artista principal, com liberdade de criação, podendo dar vida a personagens, cenários, itens, inimigos, mapas e várias outras coisas. Tudo isso junto a um time de profissionais formado basicamente por mulheres e os criadores de Alex Kidd, além de um jovem programador chamado Yuji Naka, que trabalharia com Rieko mais à frente em outro grande sucesso. Assim se formava a Phantasy Star Team, uma das equipes mais tradicionais da SEGA.
Kodama teve liberdade para criar os personagens e o ambiente como queria, chegando até a fazer 4 mundos inteiros. No entanto, o chefe de design, Hayashida, teve que cortar um deles, pois o cartucho já estava com quase 4 megabits de memória, cerca de 4 vezes mais do que Dragon Quest 1, um recorde para a época.
Foi lançado com muita publicidade, animações impressionantes para a época, técnicas avançadas de 3D executadas em um Master System, história envolvente e muitas cores vibrantes. Alisa Landale, ou simplesmente Alis, busca vingar seu irmão e descobrir o que está acontecendo em seu sistema solar. Uma aventura complexa e muito bem feita que pegava a onda dos sucessos de Star Wars e Dragon Quest ao mesmo tempo, tornando-se uma das maiores franquias da SEGA. Muitos dizem que a série é a obra máxima de Kodama. Talvez seja, mas com certeza não é o jogo mais conhecido que ela ajudou a criar.
Criadora de clássicos e referência na SEGA
Sem parar de estudar e melhorar, Rieko participou de mais alguns jogos, aprimorando sua técnica. Logo, foi chamada para outro grande projeto: transformar o sucesso dos arcades Altered Beast no jogo de lançamento e apresentação do Mega Drive.
Ela teve acesso ao videogame muito antes do lançamento e, mesmo com pouco tempo livre para trabalhar, foi um dos principais nomes no desenvolvimento. No arcade, Altered Beast era lindo, e, mesmo com um hardware mais fraco, o trabalho dela conseguiu manter o mesmo nível do original. O sucesso do jogo ajudou muito o Mega Drive a fazer sucesso também.
Com grande prestígio dentro da SEGA e podendo trabalhar em várias funções com muita dedicação e qualidade, Kodama passou a integrar ou colaborar no desenvolvimento de vários projetos diferentes nos anos seguintes, como Warrior Quest, Mystic Defender, Alex Kidd in the Enchanted Castle, Sorcerian, Shadow Dancer, Michael Jackson’s Moonwalker e, claro, Phantasy Star 2. Tudo isso em um espaço de pouco mais de 1 ano de trabalho.
Nessa época, a briga com a Nintendo ainda era o assunto principal nos escritórios da SEGA. Dessa forma, parte da resposta da companhia contra a concorrente tinha que vir dos jogos. Então, eles pensaram em fazer um game que demonstrasse todo o potencial do console de 16 bits e agradasse ao público novo que estava chegando, sem perder o que já estava com eles.
A SEGA então juntou o seu dream team de funcionários disponíveis no momento, e com isso nascia a Sonic Team, responsável pelos jogos do tão famoso mascote até hoje. E adivinha só?! Phoenix Rie estava lá na formação original.
Ela foi uma das pessoas responsáveis por transformar os desenhos originais do ouriço azul nos sprites 2D que conhecemos hoje, uma conversão elogiadíssima que transmite a ideia de um protagonista estiloso, jovem e, claro, muito rápido. Obviamente, ela se manteve no time no mega sucesso Sonic 2 também, lançado em 1992, fazendo ainda mais artes para o game.
No mesmo ano, ela ainda foi chamada para integrar a equipe da continuação de um dos jogos clássicos de corrida da SEGA, mas desta vez com um grande nome à frente. Rieko não foi creditada, mas ajudou como designer gráfico de Ayrton Senna"s Super Monaco GP II, um jogo supostamente produzido e supervisionado pelo piloto brasileiro.
Uma Mulher em Alto Cargo na SEGA
Após anos aprendendo, se dedicando e participando de vários dos maiores sucessos da história da SEGA, entre 1993 e 1994, Rieko foi promovida a diretora de games. Mas nem assim deixou de pôr a mão na massa e continuar fazendo os jogos de RPG aos quais tanto se dedicou.
Como diretora, seu primeiro trabalho foi liderar a Phantasy Star Team na quarta edição do game, The End of the Millennium, considerado por muitos um dos melhores da franquia. Esse também foi um jogo em que Rieko e sua equipe estouraram a capacidade de armazenamento dos cartuchos normais, obrigando a SEGA a fazer modificações no hardware para caber tudo o que eles queriam incluir no jogo.
Em seguida, Rieko participou da criação, marketing e até planejamento de vendas do RPG oficial do mangá e anime As Guerreiras Mágicas de Rayearth, da famosa editora CLAMP. A versão japonesa foi lançada junto com o Saturn, mas a versão americana chegou apenas três anos depois, tornando-se o último jogo lançado para o console nos Estados Unidos e, com isso, um dos jogos mais raros e caros do mundo.
Depois disso, Rieko assinou a co-produção de Deep Fear, uma espécie de Resident Evil da SEGA, lançado para o Saturn em 1998.
A SEGA decidiu então abrir um novo estúdio próprio, o Overworks, e Phoenix Rie foi escolhida para integrá-lo como um dos seus principais nomes. Seu primeiro trabalho como produtora do estúdio foi no elogiadíssimo RPG Skies of Arcadia (ou Eternal Arcadia, dependendo da região), que estava sendo desenvolvido para o Saturn. No entanto, o jogo ficou tão grande e complexo que teve que ser migrado para o Dreamcast, a mesma história que aconteceu com Yu Suzuki e Shenmue.
Segundo o Metacritic, Skies of Arcadia é um dos seis melhores jogos de toda a biblioteca do Dreamcast, tanto na avaliação da mídia quanto do público, sendo o único game do console a alcançar essa marca. O jogo ganhou uma versão revisada e aprimorada em 2002 para o GameCube, chamada Skies of Arcadia Legends, e se tornou o jogo favorito de Kodama dentre todos os que ela produziu. De acordo com a produtora, ali está tudo de melhor que ela gostaria de ver em um jogo.
Após essa versão, o estúdio Overworks se fundiu com outra subsidiária da SEGA devido à grave crise em que a companhia se encontrava após se retirar do mercado de consoles. No entanto, mesmo com bem menos destaque, Rieko continuou como produtora dentro da empresa, trabalhando em projetos como o remake Phantasy Star Generation 1.
Mas não da pra acertar tudo, né? Em 2005, Rieko produziu para o PlayStation 2 Project Altered Beast, um remake do primeiro jogo com uma história completamente diferente, onde o protagonista, agora um meio-cyborg, recebe chips cibernéticos para alterar seu DNA e se transformar em feras. O jogo, no entanto, é considerado pelos fãs da franquia como simplesmente horrível.
Foi um período muito complicado para a SEGA. Entre os anos seguintes e até 2015, Rieko supervisionou o remake Phantasy Star Generation 2 e assumiu a produção de um jogo educativo, além da série de RPG japonês 7th Dragon para dispositivos portáteis, que contou com Hatsune Miku na canção de abertura e Yuzo Koshiro na trilha sonora, com quem ela já havia trabalhado em Sonic. Após esse período, Phoenix Rie desapareceu um pouco dos holofotes por motivos desconhecidos.
Fim da carreira
Em 2018, a SEGA estava interessada em relançar alguns de seus jogos antigos para o Switch, e Rieko Kodama foi escolhida para liderar o projeto, devido ao seu vasto conhecimento sobre os jogos da empresa e o público Seguista. Foi encomendada a criação de uma nova versão da coletânea SEGA Ages, que é periodicamente lançada para relembrar vários dos sucessos passados da companhia, mas com diversas melhorias, novos modos de jogo, bastidores e vários extras.
Em jogos como Alex Kidd in Miracle World, é possível ver, entre as fases, algumas das artes conceituais de personagens descartados e trabalhos feitos pela própria Rieko para o game na época. As versões dos clássicos da SEGA, produzidas por Rieko, na edição do SEGA Ages para Nintendo Switch foram bastante elogiadas pela atenção aos detalhes e pelas novas propostas incorporadas aos jogos antigos, tornando-se, para muitos, a edição definitiva desses games clássicos.
Hoje, a coletânea já conta com dezenas de jogos e celebra a importância e a força da SEGA, além de reconhecer o papel crucial de Rieko, que ajudou a construir a fama de vários desses jogos através de sua impressionante dedicação — dedicação essa que, aliás, custou sua vida pessoal. Sem tempo para relacionamentos e sempre muito reservada, Rieko preferia desconversar quando questionada sobre sua vida privada.
Até por isso, a surpresa foi grande quando, nos créditos do Mega Drive Mini 2, lançado no fim de outubro de 2022, que celebra os jogos clássicos da SEGA, apareceu a homenagem "in memoriam de Rieko Kodama",
Rieko Kodama faleceu em 9 de maio de 2022. A SEGA não havia divulgado nada anteriormente, respeitando a privacidade da família da artista. "Rezamos para que a falecida descanse em paz e oferecemos nossa gratidão por suas enormes contribuições à Sega", disse um representante da empresa em entrevista à IGN Japão. Dos 58 anos de vida, quase 40 foram dedicados exclusivamente à indústria dos jogos, e todos eles à SEGA. Após a confirmação, muitos colegas, ex-parceiros de trabalho e fãs deixaram homenagens emocionadas nas redes sociais para a talentosa artista.
Legado da Primeira Dama dos RPGs
Refletindo sobre sua vida e o impacto de seu trabalho, Kodama afirmou em diversas entrevistas que compreende a presença predominante de personagens masculinos nos jogos de RPG, já que a maioria do público é masculino. No entanto, ela criticou a suposta glorificação da guerra e da violência em muitos desses jogos, argumentando que isso é feito apenas para atrair esse público.
Kodama ressaltou que o público feminino também gosta de jogos de RPG, mas que não há muitos títulos bem feitos e que agradem a elas. Ela citou como exemplos de sucesso Phantasy Star, Skies of Arcadia e, o jogo favorito de todos os tempos da desenvolvedora, Final Fantasy VI.
Por isso, ela sempre criou personagens femininas ativas e de destaque em seus jogos, buscando agradar tanto ao público masculino quanto feminino. Seu objetivo era atrair cada vez mais mulheres para os games e para a indústria, sem desagradar os homens.
Quando começou a trabalhar com games, Phoenix Rie superou muitos desafios, pois naquela época e ambiente as mulheres eram raramente valorizadas ou reconhecidas no meio. Rieko Kodama rompeu barreiras e marcou seu nome na história dos videogames como uma das primeiras mulheres orientais de destaque na indústria. Até a revista Nintendo Power reconheceu sua importância e relevância, nomeando-a como a "Primeira Dama dos RPGs", um apelido que pegou, pois é difícil não concordar com ele.
Por tudo isso, em 2018, na Game Developers Choice Awards, Rieko recebeu o Pioneer Award, um prêmio especial concedido a poucas pessoas em reconhecimento à sua importância na história dos videogames. Em um comunicado, a organização fez uma afirmação emocionante para homenageá-la:
"Após décadas dedicadas ao desenvolvimento de alguns dos clássicos mais importantes da SEGA, Rieko Kodama poderia facilmente descansar sobre suas glórias, mas continuou a se dedicar à criação de jogos que transcendem gêneros e gerações, nos proporcionando incontáveis horas de alegria. Este prêmio é um "obrigado" à Kodama-san".
Assim como os yokais Kodama, Phoenix Rie passou muita coisa boa para nós, então esse discurso não poderia ser mais verdadeiro.
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