Se tem uma coisa que a Square Enix faz bem é reconstruir seus jogos clássicos para torná-los mais palatáveis a audiências que talvez não estejam tão familiarizadas com JRPGs. Sejam adaptações 2D ou 3D, a empresa japonesa já revigorou praticamente todas as suas principais franquias, das mais populares, como Final Fantasy e Dragon Quest, até as mais nichadas, vide Front Mission e Live a Live.
A série Romancing SaGa, porém, apesar de já ter tido remakes em seu histórico, jamais recebeu um que a difundisse no Ocidente e que estivesse à altura de seu potencial. Romancing SaGa 2: Revenge of the Seven chega para preencher essa lacuna no vasto portfólio da Square, reimaginando Romancing SaGa 2 em 3D, um dos games mais queridos pelos fãs, lançado no Japão para o Super Famicom há mais de 30 anos.
Numa era em que remakes e remasters saturam a atual geração com jogos muitas vezes desnecessários, existem obras cuja “segunda chance” é, sim, muito bem-vinda. Revenge of the Seven se beneficia de um valor de produção claramente maior do que a franquia está acostumada (ainda inferior ao que eu gostaria de ver) para nos mostrar que certas histórias e mecânicas são imunes ao desgaste do tempo. Nós tivemos a oportunidade de jogar o game antecipadamente e contamos tudo para vocês nas próximas linhas.
Vingança de ambos os lados
Dizer que Romancing SaGa 2 é um RPG dedicado à história é falar o que todo mundo já sabe, mas é a forma como ela se desenrola que o diferencia dos demais títulos do gênero. Aqui, suas escolhas determinam o rumo da narrativa, que se apresenta não linear logo após a parte inicial do primeiro capítulo.
Preciso ser cuidadoso ao falar da premissa de Romancing SaGa 2 para não estragar a surpresa que o enredo resguarda. Por isso, vou me restringir a dar detalhes que ultrapassem os limites do prólogo, cujo episódio está disponível na versão de demonstração para todos os jogadores.
Em Revenge of the Seven, como o próprio nome indica, a história aborda a temática de vingança e a desenvolve como seu principal alicerce. Na pele de Gerard, filho de Leon, o imperador de Varennes, você acompanha os passos que o jovem herdeiro dá até assumir o trono no lugar de seu progenitor, mesmo diante da desconfiança dos habitantes de Avalon, capital do reino.
Fonte: Voxel
A peso de ter ocupado o posto de seu pai leva Gerard a almejar outro objetivo além de governar as terras que ficaram sob sua responsabilidade: erradicar sete guerreiros, outrora tidos como heróis, cujas almas foram corrompidas após anos de exílio em outra dimensão. Assim como os sete heróis – agora vilões – buscam vingança, Gerard também está à procura de justiça.
O desapego aos personagens
Sendo bem breve para, de novo, não estragar a experiência de quem pretende jogar, a grande sacada são os saltos temporais que a aventura promove em momentos-chave, fazendo com que ela percorra séculos em questão de segundos. Com o passar dos anos, os personagens que estiveram ao seu lado perecem, mas suas habilidades e níveis são herdados por seus sucessores, de modo que o progresso dos membros do seu grupo seja preservado e passado às futuras gerações.
É uma ideia um tanto quanto ousada do jogo de se desfazer dos personagens aos quais você se apega, ainda que suas características permaneçam intactas e gravadas na linhagem dos próximos guerreiros de Varennes. Há quem goste de RPGs mais lineares e com protagonistas fixos, mas esse conceito de renovar o elenco é justamente o que o torna tão especial em meio a outros títulos do estilo.
Fonte: Voxel
Particularmente, gostei bastante de como tudo se desdobra, dos diferentes caminhos que podemos traçar e, sobretudo, do toque de imprevisibilidade que se dá à formação das parties à medida que progredimos. Todos esses fatores contribuem para nos estimular a jogar tudo de novo a partir de novas rotas e decisões, o que eleva ainda mais o fator replay de uma jornada de 50 horas, já extensa e generosa em conteúdo.
Em paralelo à missão principal, Gerard precisa se provar um bom rei e, para isso, deve atender a pedidos do povo, em prol de expandir sua influência pelo continente. Há também mecânicas de gerenciamento de base em que podemos ampliar o reino com novos mercadores, áreas e até atividades, mas nada tão complexo que coloque à prova os talentos de gestão do jogador.
Combate e exploração em perfeita harmonia
Apesar de eu ter dito que a história é o principal atrativo, Revenge of the Seven sabe como balancear momentos de história, combate e exploração sem que um se sobressaia sobre o outro. O ritmo, portanto, é um elemento que a Square Enix claramente prezou ao recriar Romancing SaGa 2 e é um dos aspectos que mais valorizo hoje, pois tem o poder de sustentar o nosso interesse pelo produto.
Fonte: Voxel
As batalhas por turnos carregam o DNA do jogo original e são baseadas em descobrir as fraquezas dos inimigos, nos incentivando a explorá-las da melhor forma com as mais de 30 classes que o game oferece. Punitivo, o combate se mostra impiedoso e conserva as complicações dos JRPGs dos anos 1990, embora introduza dois níveis de dificuldade a novatos: casual e normal. Meu amigo, se você acha que a From Software estabeleceu novos padrões de dificuldade para a indústria, experimente se aventurar pelo modo clássico de Revenge of the Seven.
Tão importante quanto identificar os pontos fracos de cada monstro é saber escolher a melhor formação para o seu grupo, já que o posicionamento dos personagens, assim como em um RPG de estratégia, interfere diretamente na eficácia de suas ações. Na formação imperial, só para dar um exemplo, colocamos três guerreiros na linha de frente para os embates corpo a corpo, protegendo arqueiros e magos ao fundo.
Durante os momentos de exploração, atacar o inimigo de surpresa faz com que você ganhe os primeiros turnos de bandeja. Se você for atacado, por outro lado, a formação da sua equipe se desfaz, deixando todos os membros mais vulneráveis às investidas rivais. São detalhes simples, mas que geram uma tensão adicional quando se está explorando.
Fonte: Voxel
Como você já deve ter notado, existem várias nuances em torno do combate, talvez um dos mais complexos dos RPGs recentes, mas que não são necessariamente obrigatórias de serem desvendadas se o que você quer é curtir a história nas dificuldades baixas. Uma ressalva que se pode apontar, contudo, é a ausência de tutoriais para explicar esses mecanismos mais avançados a quem deseja se aprofundar.
Embora não seja um jogo de mundo aberto, Romancing SaGa 2 entrega um vasto mapa, com muitas áreas a serem descobertas e exploradas, desde grandes cidades imperiais a florestas, minas e vilarejos. Você pode, inclusive, revisitá-las quantas vezes quiser para farmar itens, equipamentos e pontos de experiência. O grind é servido à vontade.
O recurso de viagem rápida também facilita as coisas e permite ir e vir a qualquer momento ao alcance de um único botão, abdicando das burocracias que os JRPGs costumam ter com o propósito de dificultar a navegação do jogador. Revenge of the Seven tem toda a pinta de um RPG old-school, mas tira proveito das conveniências que os títulos mais novos da Square trazem à mesa.
Fonte: Voxel
Faz milagre com o orçamento que tem
Transpor gráficos pixelados 2D para o 3D nunca foi uma tarefa fácil. Quando o trabalho não é feito com esmero, a tentativa de modernizar o produto pode acabar descaracterizando os elementos que fizeram da obra original um sucesso. Reimaginado pelo Xeen, estúdio por trás do ótimo relançamento de Trials of Mana, Revenge of the Seven retém a essência do clássico Romancing SaGa 2 enquanto incorpora o charme e a magia dos jogos 3D modernos da Square. Absolutamente tudo foi reconstruído.
Apesar de não ter o mesmo orçamento astronômico dos jogos de grande escala de Final Fantasy, por exemplo, como XVI e Rebirth, o remake é competente em todas as frentes, em especial no design de personagens e criaturas. Os cenários também fazem jus à importância da franquia SaGa para os RPGs e demonstram o carinho que a desenvolvedora teve ao reinterpretar as virtudes do título de 1993, por mais que apresente limitações técnicas.
- Veja também: 8 jogos de RPG que marcaram época
Elogiar as trilhas das produções da Square é repetir o óbvio, mas não posso deixar de mencionar como a música de Romancing SaGa 2 é memorável. As composições orquestradas ditam o tom épico da jornada de séculos do reino de Varennes e permitem ao jogador transitar entre as músicas clássicas e novas, o que é ótimo para preservar o material de origem.
Fonte: Voxel
Como é habitual nos títulos de menor escopo da Square, que tendem a ser cada vez mais raros daqui para frente, infelizmente, não há legendas em português do Brasil. Por mais manjada que seja essa ausência, é o tipo de restrição que sempre será sentida pelo público do nosso país, ainda mais quando se trata de um jogo orientado por diálogos e sistemas com camadas de complexidade. Quem sabe numa atualização futura?
Vale a pena?
Como um produto de menor investimento em comparação às principais séries da Square Enix, Romancing SaGa 2: Revenge of the Seven opera milagres com o pouco que tem. O título revitaliza uma das obras mais subestimadas de sua época, cuja narrativa se mostra à frente de seu tempo e se vale da não linearidade.
Melhor que 99% dos RPGs atuais, o remake de Romancing SaGa 2 se sai bem em todas as áreas em que ousa investir: da história ao combate por turnos, dos elementos de estratégia e gerenciamento à exploração. Graças ao capricho do estúdio Xeen, as melhorias visuais e de qualidade de vida tornam o jogo mais aprazível e rejuvenescem suas marcas de idade. Digo com um sorriso no rosto que Revenge of the Seven é, seguramente, a melhor porta de entrada que a franquia já teve em mais de três décadas.
Nota do Voxel: 90
Pontos positivos (prós):
- Competente em todas as frentes;
- História que se vale da não linearidade;
- Combate estratégico e repleto de nuances;
- Trilha sonora impecável;
- Melhorias de qualidade de vida tornam a jornada mais agradável;
- Conteúdo que nos estimula a jogar novamente.
Pontos negativos (contras):
- Sem legendas em português do Brasil;
- Não explica direito suas mecânicas mais avançadas.
Romancing SaGa 2: Revenge of the Seven foi gentilmente cedido pela Square Enix para o propósito de análise no PS5. Além dos consoles PlayStation, o game também conta com versões para PC e Nintendo Switch.
Categorias