Se existe um fenômeno em que a indústria de jogos não se difere muito de outros mercados é o ciclo de tendências. Se hoje vemos uma grande proliferação de jogos estilo souslike ou se há alguns anos atrás o formato battle royale era o gênero da vez, é nítido que temos sempre um queridinho da indústria a cada geração. Nos anos 90 e início dos anos 2000 a bola da vez eram os RTS, jogos de estratégia em tempo real, com grandes nomes da indústria e que marcaram gerações de jogadores, como Starcraft e Age of Empires.
Outro título, talvez menos conhecido que os dois grandes nomes citados, mas que também foi sucesso de vendas e deixou seu legado no coração dos fãs de estratégia foi Age of Mythology. O spin off de Age of Empires trazia mais foco para a mitologia do que para a fidelidade histórica, garantindo altas doses de diversão para quem comprava sua proposta.
O spin-off de Age of Empires conseguiu conquistar um público nos anos 2000.Fonte: Microsoft
Dez anos atrás, os fãs de AoM tiveram a oportunidade de jogar uma versão remasterizada do título, mas agora em 2024 o Xbox Game Studios traz uma versão atualizada do lendário game denominada Age of Mythology: Retold. Contando com gráficos refeitos e novas mecânicas, o título promete trazer para os padrões que se espera de um RTS atual. Será que essa promessa é cumprida? Descubra mais na nossa análise a seguir.
Uma era mitológica
Primeiramente é preciso ressaltar o que exatamente Age of Mythology: Retold traz de conteúdo consigo. Podemos dizer que o game cobre tudo que estava presente na coletânea gold do título, que continha o jogo base mais a expansão dos titãs. Com isso temos um total de quatro panteões (Gregos, Egípcios, Nórdicos e Atlânticos) e as 3 campanhas que contém somadas 50 cenários diferentes.
Algo que notoriamente fica de fora e poderia estar incluído é a expansão Tale of the Dragon, lançada para a versão Extended do jogo em 2016 e que trazia o panteão dos Chineses além de uma nova campanha. Embora tenha recebido críticas negativas na época, Retold seria uma boa oportunidade de redimi-la com novas atualizações e correções dos problemas apontados na época (como a baixa qualidade da campanha e unidades genéricas do novo panteão).
Aqui fica a dúvida se Retold se limitará a cobrir o conteúdo lançado apenas no jogo original ou se veremos Tale of the Dragon no futuro em alguma das expansões já anunciadas (uma para 2024 e a outra só em 2025).
As diferentes campanhas do jogo inclusive ainda são destaque, assim como no título original. A primeira, e que era a única no jogo base, chamada de Queda do Tridente, conta a história de Arkantos, um herói Atlântico que é mandado em uma jornada para reaver os favores do Deus Poseidon, que aparentemente havia abandonado seu povo.
Ao longo dessa jornada, Arkantos entrará em contato com os três panteões do jogo base (Gregos, Egípcios e Nórdicos) mostrando um pouco da jogabilidade de cada um e servindo, de certa forma, como um grande tutorial de AoM. Além disso também temos a campanha O Presente Dourado, que era um conteúdo adicional gratuito disponibilizado na época do jogo e Nova Atlântida, responsável por introduzir a nova civilização dos Atlântidos, que foi introduzida com a expansão dos Titãs.
O jogo traz a história original dublada em português do brasil com novas vozes, que apesar de alguns escorregões aqui e ali na interpretação, entregam um bom trabalho. Além disso, todas as campanhas recebem um excelente acréscimo dos gráficos, visto que todas as cutscenes tanto do jogo original quanto em Retold rodam “in-engine”, o que faz o boost gráfico do jogo se traduzir de forma direta nas cenas entre cenários.
Aqui cabe uma pequena crítica: embora isso provavelmente tenha sido uma escolha para diminuir os custos do jogo (que chega ao Brasil por apenas 99 reais), seria legal ter algumas cenas com cutscenes pré-renderizadas e mais bonitas que os gráficos do jogo permitem.
O favor dos deuses
Mas não é só de conteúdo herdado que Retold é feito, afinal para se justificar como um remake é preciso pegar a experiência do jogo base e elevá-la a um novo patamar, e isso é feito em alguns aspectos. O primeiro são os já citados gráficos, que deram um salto fantástico, mesmo se comparando com a versão remasterizada de 2014.
Além de contar com resolução 4K, quando as configurações de vídeo estão no seu máximo o jogo conta com gráficos muito bonitos para os padrões de RTS (logo não espere nada no nível de Black Myth Wukong por aqui hein?). Tudo isso é entregue com uma performance impecável, mesmo quando exércitos estejam lutando em meio a um embate de poderes entre deuses.
Gráficos não chegam a surpreender, mas são um belo sopro de vida no título.Fonte: Xbox Game Studios
Embates esses que são a outra, excelente, mudança apresentada com Retold. Para os desavisados, a cada era que sua civilização avança, um poder de Deus é destravado baseado em qual dos dois deuses o jogador escolhe para guiá-lo. Originalmente, e na versão remasterizada, esses poderes eram trunfos que só podiam ser usados uma vez por partida, algo que Retold modifica.
A nova versão do jogo permite que esses poderes possam ser usados novamente, desde que seu cooldown e seu custo de fé sejam respeitados. Isso tornou o gameplay muito mais dinâmico, e trouxe mais valor para os poderes iniciais (que normalmente são focados em acelerar recursos) já que agora você pode usá-los o mais rápido possível sem medo de gastá-los de forma errada.
A outra grande mudança em jogabilidade está justamente na mecânica de eras que citamos antes: Em Age of Mythology uma das condições de vitória sempre foram as chamadas Maravilhas. As estruturas destravadas na era 4 são extremamente caras e com grande tempo de construção, mas que, após finalizadas, começam uma contagem de dez minutos que rende ao jogador que as construiu a vitória caso ela ainda permaneça de pé.
Retold virou todo esse conceito de cabeça pra baixo, tornando as Maravilhas uma porta de entrada para uma nova e quinta era adicionada com o remake: a era das maravilhas.
Usar os poderes dos Deuses é fundamental para obter a vitória.Fonte: Xbox Game Studios
Nessa era todos os seus poderes de deuses tem cooldown e custo reduzidos, além de permitir que titãs, unidades poderosíssimas e normalmente limitadas a uma por partida, possam ser construídas a cada 10 minutos. Essa mudança, na minha opinião, foi fantástica, visto que tirou a vitória instantânea (que muitas vezes podia até ser meio entediante dependendo do estado da partida) mas sem tirar a importância das maravilhas, visto que o poder adquirido ao adentrar a última era é extremamente poderoso e pode facilmente ajudar a encerrar uma partida que esteja empatada.
Mitologia para todos
Além de todas as mudanças já citadas em gráficos e jogabilidade, é importante ressaltar outras duas adições que certamente vão agradar uma enorme parte da comunidade: acessibilidade e suporte a mods. Seguindo uma tradição que já se estabelece em jogos do Xbox Game Studios, Age of Mythology: Retold contém uma enorme gama de opções de acessibilidade, permitindo que esse fantástico jogo seja agora mais acessível para milhares de jogadores. Além disso o jogo terá um total suporte para mods, algo que, historicamente em RTS, sempre é um grande trunfo e onde gemas escondidas costumam aparecer (até mesmo como a criação de outros gêneros como os MOBAs por exemplo).
Suporte a mods certamente vai ajudar a prolongar a vida útil do gameFonte: Xbox Game Studios
Outro ponto que mistura acessibilidade e gameplay e que mesmo provavelmente sendo ignorado por jogadores mais experientes de RTS, irá ajudar muito os jogadores novatos é o sistema de prioridade de villagers. Esse sistema permite aos jogadores, por meio de alguns presets já definidos ou de maneira customizável, priorizar quais os recursos são mais necessários no momento (dentre ouro, comida, madeira e fé) enquanto que o jogo faz o resto, alocando seus aldeões, barcos e outras unidades para adquirir esses recursos.
Na minha experiência esse sistema se mostrou bem interessante em especial para ajudar na curva de aprendizado do jogo, mas no geral ele deixou a desejar no sentido de otimização. Muitas vezes o sistema opta por formas de captar recursos menos eficientes do que algumas que eu já tinha à disposição (priorizando um recurso levemente mais rápido de extrair porém muito mais longe do ponto de coleta, por exemplo).
Vale a pena?
Age of Mythology é, para mim, um dos melhores RTS já feitos na indústria de jogos. Com uma campanha divertidíssima e uma excelente diversidade de jogabilidade, em especial com o conteúdo da expansão dos titãs, recomendá-lo para fãs de RTS ou para pessoas com vontade de aderir ao gênero já seria uma tarefa fácil.
Com a chegada de Retold, eu posso afirmar que agora temos a versão definitiva de Age of Mythology, e, na minha opinião, já não existe mais motivos para voltar aos títulos originais. Com seus gráficos aprimorados, jogabilidade renovada e com boas mudanças, além de suporte a mods e acessibilidade, Age of Mythology: Retold traz com louvor o lendário jogo ao patamar que esperamos de um RTS na era moderna.
Nota do Voxel: 85
Pontos positivos (prós):
- Gráficos repaginados;
- Cross-play com consoles;
- Novos sistemas elevam a jogabilidade.
Pontos negativos (contras):
- Sistema de prioridade do aldeões podia ter IA melhor;
- Falta de cutscenes mais bonitas;
- Ausência do panteão e campanha chinesa no lançamento.
Age of Mythology: Retold chega oficialmente em 4 de setembro no PC e Xbox Series S e X, chegando diretamente no Xbox Game Pass. Uma key para a realização desta análise foi enviada pela Microsoft.