Senua’s Saga: Hellblade II tem uma tarefa complicada pela frente. Sequência do premiado Hellblade: Senua’s Sacrifice de 2017, o jogo foi anunciado antes mesmo de a Microsoft estabelecer a sua atual geração de consoles e apenas um ano após a aquisição da sua desenvolvedora, a Ninja Theory, por parte da Big Tech por US$ 117 milhões.
A revelação aconteceu no palco do The Game Awards ainda em 2019 e voltou os holofotes mais uma vez à personagem-título — mas agora com a responsabilidade de fortalecer o catálogo do Xbox na sua linha de frente. Mas muita coisa mudou, desde então.
Xbox e seu polêmico cenário atual
Isso nos traz cinco anos depois, às vésperas do seu lançamento, em 21 de maio de 2024 nos consoles Xbox Series, PC e Game Pass. Para contexto: não muito tempo desde que a multibilionária demitiu mais de 1.900 funcionários dos seus estúdios, além de fechar outros como Arkane Austin (Prey, Redfall) e Tango Gameworks (The Evil Within, Hi-Fi Rush).
É nesse ambiente hostil, em uma encruzilhada de expectativas, que a Ninja Theory entrega o seu projeto mais ambicioso e aposta, mais do que nunca, na cinematografia para contar a continuação da jornada de saúde mental de Senua.
O Voxel recebeu acesso antecipado à versão completa e, após cerca de dez horas de campanha, o gosto é agridoce. Por um lado, Senua’s Saga: Hellblade II traz um salto gigantesco em qualidade técnica e roteiro, de modo que fisga a atenção do jogador desde os primeiros segundos com sua coreografia e temas maduros. Por outro, peca no fator videogame da experiência e é tão linear quanto o seu antecessor.
Se ficou curioso para saber os detalhes, confira a análise completa nas linhas a seguir!
Uma trama sobre empatia e autoconhecimento
Antes de mais nada, é preciso deixar claro que Senua’s Saga: Hellblade II se trata de uma experiência narrativa imersiva, muito mais alinhada com a proposta do primeiro título, e não um jogo de ação tradicional. Existe combate, sim, mas ele está muito mais integrado ao roteiro — que, por sua vez. dá mais valor ao desenvolvimento dos seus personagens e seus dilemas internos.
Isso está alinhado com os esforços da Ninja Theory em deixar a experiência ainda mais cinematográfica e fotorrealista, representando um salto técnico gigantesco em relação a todos os trabalhos anteriores do estúdio. As cenas, que fazem uso de um plano-sequência do início ao fim do jogo, agregam muito mais importância às expressões corporais e faciais, que são as mais impressionantes que já vi em um videogame.
Por causa disso, não são raros os momentos em que confundimos a ação da tela com uma performance em live-action. A performance de Melina Juergens, que reprisa o seu papel, está ainda mais convincente e aproxima o jogador das suas vivências em tela, mesmo que não precise dizer nada para transmitir as mensagens pretendidas. É muito nítido quando Senua está com raiva, medo, desespero, ansiedade e tristeza.
Senua's Saga: Hellblade 2 capricha nos visuais e nas expressões faciais dos personagensFonte: Reprodução/Bruno Magalhães
Esse detalhe já soa como uma excelente notícia para os fãs, pois o título consegue, mais uma vez, colocar o jogador na pele da sua protagonista. Isso ao demonstrar, na prática, as camadas de complexidade da sua condição de psicose, além de pautar temas sobre saúde mental de forma responsável e inspiradora — mesmo em uma ambientação brutal como a Islândia Viking no século X.
A Saga de Senua
Na história, a guerreira celta Senua, que teve de enfrentar o inferno para aceitar a si mesma e a perda da sua pessoa amada, agora está em um novo estágio da sua jornada. Ela se deixou ser levada por escravagistas para salvar os sobreviventes e dar um fim ao derramamento de sangue que assolou seu povo.
O mais interessante é que as sombras do passado ainda a acompanham, simbolizadas sobretudo pela figura do seu pai abusivo que a considerava amaldiçoada. Ela ainda escuta várias vozes na sua mente, com as quais agora está mais bem-resolvida. Mas isso não significa que ela não enfrente dificuldades: ao mesmo passo em que as vozes a empurram e dão coragem, também levantam dúvidas, inseguranças e a julgam em momentos de fragilidade.
Essa complexidade consolida Senua como a protagonista feminina mais humana e bem-desenvolvida da indústria de games. Ela sente muito medo e solidão, mas encontra coragem para permanecer no controle dos seus pensamentos intrusivos. E agora os fãs têm a oportunidade de conferir, em primeira mão, como ela vai conciliar a sua percepção de mundo com a das pessoas que encontra pelo caminho. Afinal de contas, seu barco naufraga em terras que também enfrentam uma escuridão que Senua já conhece muito bem.
Senua continua uma personagem forte e bem desenvolvida.
A história emociona em vários momentos e é tão interessante quanto a do primeiro jogo, mas sua atmosfera é pesada e implacável na hora de transmitir sentimentos negativos. Isso inclui gatilhos para claustrofobia, talassofobia, nictofobia, entre outros. O jogo também é muito mais violento que seu antecessor e pode ser considerado um terror psicológico, já que estamos sempre vivendo os acontecimentos sob a perspectiva da própria Senua.
Nem tão videogame assim
Ainda que Senua’s Saga: Hellblade II seja uma excelente experiência narrativa, ele pode decepcionar quem espera um salto nas mecânicas de gameplay. Na maior parte do tempo estamos apenas andando para frente em cenários que parecem corredores, ouvindo diálogos e assistindo a cutscenes.
Há alguns momentos em que o jogo apresenta quebra-cabeças, que foram um ponto de crítica do título anterior. Também houve poucos avanços nesse sentido, já que a fórmula é basicamente a mesma: encontrar símbolos escondidos nos cenários e usar um sistema de foco para destravar caminhos.
O jogo consegue variar um pouco, mas rapidamente fica maçante por insistir em premissas que mais parecem um pedágio para chegar ao que interessa. Felizmente eles são menos recorrentes, mas se o lado positivo dos quebra-cabeças é haver menos deles, isso não é particularmente um elogio.
Os cenários de Hellblade 2 apostam na linearidade e têm atmosfera assustadoraFonte: Reprodução/Bruno Magalhães
Os cenários, por vezes, têm caminhos alternativos onde é possível encontrar totens, que dão mais contexto à mitologia do jogo, ou até mesmo brincadeiras com pareidolia facial — neste contexto, o fenômeno de enxergar rostos em formações rochosas. Há uma recompensa ao encontrar todos depois de zerar a campanha, mas a exploração não é satisfatória o bastante e a movimentação de Senua é lenta. Ou seja, torna-se uma tarefa cansativa.
Combates cinemáticos, mas viscerais
Os combates, que são a maior curiosidade do público neste período de pré-lançamento, também não têm novidades. Todas as mecânicas do primeiro jogo estão presentes: um botão para golpes leves e outro para pesados; esquiva; corrida; aparar; e foco, que fortalece os combos da personagem por tempo limitado.
A diferença está mesmo na apresentação desses combates. Como mencionei, eles estão totalmente integrados ao roteiro, então não há confrontos aleatórios pelo cenário. Toda a ação também está mais cinematográfica e visceral, de modo que sentimos cada impacto dos movimentos de Senua. Há novas animações para finalizar os inimigos e até mesmo ao aparar golpes no momento exato, que deixam os confrontos muito mais intensos.
Combate de Hellblade 2 é cinematográfico.
Um problema que não se repete é a pouca variedade de inimigos. Já nas primeiras horas encontramos mais tipos de adversários do que no primeiro jogo inteiro. Os combates contra grupos também estão diferentes, já que o jogo agora força o confronto um a um. Isso tira um pouco do controle do jogador sobre a situação, já que é o jogo quem dita qual será o próximo oponente com uma transição. Em caso de morte, a ordem dos inimigos pode até mesmo mudar.
A simplicidade do combate de Senua’s Saga: Hellblade II não é necessariamente um demérito. É tudo muito intuitivo, funcional e prazeroso de modo que o jogador se sente motivado a desempenhar da melhor forma possível, como se fosse uma dança. Mas é um pouco decepcionante que o jogo não traga novas mecânicas para enriquecer o arsenal da protagonista. Seria interessante se ela pudesse utilizar outras armas, por exemplo.
Na reta final do jogo, eu já estava sentindo que os combates estavam ficando repetitivos. Isso porque as sequências podem levar mais de cinco minutos para chegar ao fim, e é comum assistir às mesmas animações de finalização dependendo dos inimigos que aparecem na tela. Isso me fez concluir que a duração do jogo está dentro do ideal, em especial para um jogo tão focado no seu desenvolvimento narrativo.
Os combates de Hellblade 2 são mais intensos e visceraisFonte: Reprodução/Bruno Magalhães
Os testes aconteceram no PC, rodando na predefinição alta e com NVIDIA DLSS ligado no modo de qualidade. Como utilizei um monitor com proporção 16:9, o jogo ficou com linhas horizontais que simulam uma tela de cinema. Essa é uma trava nativa do jogo, que é pensado especificamente para monitores Ultra Wide.
O setup utilizado foi um processador i5-12400F, uma placa de vídeo NVIDIA GeForce RTX 3060 de 12 GB VRAM, 32 GB de RAM DDR4 e um SSD. A performance foi bastante satisfatória, oscilando entre 45 e 60 quadros por segundo dependendo do que acontecia na tela. Eu também senti que o jogo está bem otimizado. Embora tenham rolado pequenos bugs de animação ao finalizar algumas lutas, não foi nada que prejudicasse a experiência.
Vale a pena?
Senua’s Saga: Hellblade II acerta em cheio na qualidade técnica, roteiro e desenvolvimento de seus personagens, com destaque para a protagonista e suas vozes internas. Mas a obsessão pela cinematografia, tão sintomática do mercado triplo-A, acaba deixando de lado suas mecânicas de gameplay, que mal têm novidades em relação ao jogo anterior.
A consequência disso são sessões desinteressantes no ponto de vista da experiência de jogador. Afinal de contas, mais da metade da campanha consiste em andar para frente, em corredores disfarçados, enquanto os diálogos e cutscenes se desenrolam. É tudo muito bonito e bem-escrito, mas não necessariamente divertido — o que pode frustrar uma parcela do público.
Hellblade 2 possui cenários exuberantes.
A narrativa, que é onde os esforços estão concentrados, é tão boa que consegue sustentar a jogatina sem dificuldades. As motivações de Senua, assim como suas inseguranças, conversam com todos nós em diferentes níveis e evocam vários tipos de sentimentos e reflexões sobre as nossas experiências passadas e quem somos de verdade.
A direção das cenas, com o apoio do excelente design de áudio, é capaz de proporcionar uma experiência imersiva que vai muito além do que vimos nos videogames nos últimos anos. Isso também é visível nos combates, que apesar da simplicidade, entregam todo o impacto e cansaço dos movimentos com um nível de realismo sem precedentes. Se este for seu perfil, Senua’s Saga: Hellblade II será um dos seus jogos favoritos de 2024.
Nota do Voxel: 85
Pontos positivos (prós)
- Qualidade de escrita;
- Personagens bem-construídos;
- Visuais e coreografias;
- Design de áudio impecável;
- Boa otimização no PC.
Pontos negativos (contras)
- Cenários lineares e que parecem corredores disfarçados;
- Sem novidades nas mecânicas de gameplay;
- Falta de opção para monitores 16:9;
- Quebra-cabeças pouco inspirados.
A análise de Senua's Saga: Hellblade 2 foi realizada com uma cópia antecipada fornecida pela assessoria de imprensa do Xbox para PC. O jogo chega ao mercado em 21 de maio com versões para Xbox Series X, Xbox Series S, Steam e Game Pass.
Jogo Senua’s Saga: Hellblade 2, Xbox
Jogo Senua’s Saga: Hellblade 2, Xbox
Senua é uma espécie de "salvadora" dos oprimidos da sua região. Depois de aceitar a sua maldição, agora a guerreira deverá lidar com as vozes em sua cabeça, e assim usá-las ao seu favor para proteger seu povo.
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