Muita coisa aconteceu em 1999. O Juventus se tornou campeão da Copa do Brasil, Clube da Luta chegou aos cinemas, a Rede Manchete saiu do ar e, claro, foi lançado Silent Hill. O game de horror da Konami é um dos mais importantes do gênero no mundo dos videogames e acabou sendo a fundação de uma franquia que, até 2013, já tinha vendido 8,4 milhões de unidades mundialmente.
Acontece que a maioria das lindas histórias possuem começos conturbados e, aqui, não é diferente. Em comemoração aos recém completados 25 anos do primeiro jogo, nós do Voxel decidimos contar para vocês uma breve história sobre o desenvolvimento de Silent Hill.
O nascimento de uma liderança
Tudo começa com um nome: Keiichiro Toyama. O artista japonês nascido 1970 estudou artes na Tokyo Zokei University. Mesmo sempre gostando de videogames, ele nunca pensou em conectá-los ao seu trabalho, até que um representante da Sega realizou um seminário em sua faculdade e tudo mudou. Após concluir seu curso, ele recebeu ofertas de algumas empresas, mas acabou escolhendo a Konami, iniciando lá como designer gráfico em 1994.
Seu primeiro trabalho foi com a versão de Sega CD de Snatcher, título dirigido pelo mestre Hideo Kojima — lançado originalmente em 1988, PC-8801. Nesta época, o PlayStation 1 já era realidade e o 3D estava em alta, sendo o novo padrão da indústria. Toyama, adiante, começou a explorar os polígonos tridimensionais com International Track & Field, conhecido no Japão como Hyper Olympic in Atlanta, lançado em 1996, sendo o encarregado pelo design dos personagens.
Keiichiro Toyama em um vídeo de desenvolvimento de Silent Hill.Fonte: Konami
Foi, então, que a Konami decidiu fazer algo meio surpreendente: montar um time composto por só por jovens da sua companhia. Toyama foi colocado como diretor da equipe, mesmo nunca tendo trabalhado no cargo antes, e, juntos, começaram a decidir o que eles iriam fazer.
Curiosamente, ele não tinha muita experiência com terror, se considerava um medroso e não gostava de filmes de horror sangrentos e chocantes — porém, sempre foi fascinado pelo oculto, histórias de óvnis e coisas do tipo. Então, um dia, mexendo em alguns documentos de conceitos, eles escolheram trabalhar em Silent Hill.
A escolha era perfeita, de um ponto de vista comercial. No mesmo ano, 1996, a Capcom tinha lançado Resident Evil, um game de terror que vendeu milhões e milhões de unidades ao redor do mundo. Se o título desse certo, a Konami colocaria muito dinheiro no bolso e botou isso como objetivo para o projeto.
Equipe da Team Silent em 1998.Fonte: Konami
A equipe foi batizada de Team Silent e o seu desenvolvimento iniciou no próprio ano de 1996, mas as coisas não foram fáceis. Com o passar do tempo, a Konami começou a desacreditar do game, os desenvolvedores estavam se sentido como outsiders e ele já era considerado um fracasso internamente. Em certo momento, a equipe decidiu tomar uma atitude: já que ninguém estava esperando mais nada deles, eles poderiam fazer o que quisessem, inclusive mudar os planos iniciais.
O que era para ser um jogo de terror mais pastelão, na pegada da franquia Resident Evil, virou um horror Lynchiano, apresentando o conceito do medo do desconhecido, buscando mexer com as emoções e o psicológico dos jogadores. Sua trama é complexa e imersiva, acompanhando Harry Mason, um homem comum, que sobrevive a um acidente de carro a caminho da fatídica cidade, mas se perde de sua filha. Daí, inicia-se uma busca por ela, Cheryll, na obscura Silent Hill.
Outra figura importante aparece
Outro nome bem importante para essa história foi Takayoshi Sato. Ele havia entrado recentemente na Konami, e começou a estudar modelagem enquanto trabalhava praticamente sozinho no porte de Sexy Parodius. Todo dia, após a meia-noite, ele sentava sozinho e aprendia mais sobre arte 3D.
Keiichiro Toyama e Takayoshi Sato em 1999.Fonte: PlayStation Magazine
Inicialmente, a Konami deu trabalhos bem simples para ele no projeto, como fazer letras para as legendas e UI para apresentações. Diversos artistas da equipe eram mais velhos que ele, mas sem conhecimento de 3D. Por conta disso, ele passou a ensinar para a equipe sobre a tecnologia, além de fazer demos e apresentações, mas sem receber os devidos créditos por isso.
Já que estava sendo limitado, ele puxou as mangas e fez um filme de quatro segundos em 3D e apresentou para seus superiores dizendo “ou vocês me deixam fazer um trabalho de verdade em três dimensões, ou eu paro de ensinar a galera”. O ultimato deu certo e ele começou a trabalhar com iluminação, atmosfera, design de personagens e outras coisas relacionadas.
A equipe, então, se empolgou com o rumo do projeto, mesmo com o baixo orçamento. Eles desenvolveram formas inusitadas para superar alguns obstáculos, como a névoa e a escuridão da cidade, usadas para disfarçar as limitações de hardware. Deixando de lado as expectativas iniciais, que era um alto número de vendas, eles colocaram como objetivo entregar uma verdadeira obra-prima.
Silent Hill foi apresentado ao público na E3 de 1998, incluindo vídeos 3D feitos por Sato, e o game foi aplaudido pela audiência. Isso abriu novamente os olhos da Konami, que voltou a investir no projeto, alocando mais pessoas na equipe e começando trabalhos de relações-públicas.
Mesmo assim, Sato não estava recebendo corretamente seus créditos, pois, em suas palavras, nenhuma empresa japonesa quer creditar alguém como ele, o mais jovem da equipe. Queriam creditá-lo como supervisor de CGI e visuais, mas supervisor do quê? Era só ele que estava fazendo o trabalho. Depois de muita discussão, seu chefe aceitou creditá-lo como o único artista encarregado se ele fizesse absolutamente tudo sozinho, e foi o que aconteceu.
A trilha do terror
A atemporal trilha sonora de Silent Hill foi composta por Akira Yamaoka, que trabalhava na Konami desde 1993 e se interessou muito pelo projeto logo no início. Ele se inspirou nas obras de Angelo Badalamenti, que compôs a trilha de diversos filmes de David Lynch, incluindo a música tema de Twin Peaks. Seu objetivo era fazer algo que fosse diferente de outros títulos de horror, com influências de músicas industriais para combinar com a pegada fria e enferrujada da cidade.
Akira Yamaoka em 2007.Fonte: Wired
Além de compor a trilha sonora, Yamaoka também foi responsável pelos efeitos sonoros e a masterização. Essa não foi a primeira vez que ele trabalhou com engenharia de áudio, sendo creditado em Vandal Hearts, International Superstar Soccer e Castlevania: Symphony of the Night.
Depois de muitas dificuldades e bastante perseverança, Silent Hill foi finalmente lançado em 24 de fevereiro de 1999 exclusivamente para PlayStation 1, chegando primeiro nos Estados Unidos e, na semana seguinte, no Japão. O game vendeu mais de dois milhões de unidades, entrou para a lista de Greatest Hits da PlayStation e foi muito bem recebido pelo público e crítica. Os elogios ficaram para seus ambientes 3D em tempo real, sua ambientação macabra, o áudio atmosférico, sua forma diferente de aterrorizar e diversas outras coisas.
Assim, a equipe entregou a obra-prima que buscava e, ainda por cima, conseguiu atingir as expectativas financeiras da Konami. Porém, nem tudo são flores. O diretor Keiichiro Toyama saiu da Team Silent logo após o lançamento de Silent Hill e foi trabalhar com a Sony no Japan Studio, onde dirigiu Siren. Masashi Tsuboyama assume o cargo de diretor e a equipe começa a trabalhar no jogo seguinte da franquia, o aclamado Silent Hill 2… mas isso é história para outro dia.
Curtiu o especial? Fique ligado no Voxel para acompanhar mais novidades sobre a obra!
Categorias