O The Game Awards é uma premiação que coleciona polêmicas, e isso não foi diferente em 2023. Além de ter rendido debates após cortar o discurso de desenvolvedores e dar espaço para celebridades, o show deste ano também protagonizou um momento que pegou muita gente de surpresa: o polêmico Cyberpunk 2077 ganhou uma estatueta.
Lançado em 2020, o RPG da CD Projekt Red venceu a categoria de Melhor Jogo Contínuo (Best Ongoing Game). Segundo a organização do The Game Awards, a estatueta em questão é concedida “a um jogo pelo excelente desenvolvimento de conteúdo contínuo que evolui a experiência do jogador.”
Enquanto a evolução de Cyberpunk 2077 nos últimos anos certamente é memorável, a premiação praticamente deixa de lado todos os problemas que assolaram o jogo desde seu lançamento. Além disso, ao conceder a estatueta ao game, a premiação ainda esnobou um concorrente de peso e que realmente preza o conceito da categoria.
Publicação no Twitter (X) de Cyberpunk 2077 agradecendo o prêmio no The Game Awards 2023.
O legado de Cyberpunk 2077
Como jogador que é fã da CD Projekt Red por causa do brilhante The Witcher 3, eu não vou esquecer o lançamento turbulento de Cyberpunk 2077 por um grande motivo: eu estava lá como consumidor, mas também tive a oportunidade de acompanhar a distribuição do jogo para a mídia especializada. Durante o lançamento do título, Cyberpunk 2077 foi disponibilizado de maneira, no mínimo, duvidosa para a imprensa, o que acabou gerando ruídos de comunicação.
Imagem de Cyberpunk 2077 no Xbox One durante o período de lançamento do game.
Durante o período de review, Cyberpunk 2077 foi liberado apenas no PC e rodando em hardwares de ponta para jornalistas e influenciadores. Com isso, a mídia acabou tendo uma experiência mais “premium” com o game, enquanto a versão de lançamento não estava tão boa assim, o que rendeu notas altas no lançamento — como foi o caso do próprio Voxel na época.
Para quem jogou em um computador modesto ou em consoles, os bugs acabavam sendo constantes no lançamento. A pior parte, porém, era a experiência no PS4 e Xbox One. Além do Cyberpunk 2077 quebrar por completo ocasionalmente, os jogadores tiveram que lidar com gráficos horrendos, como é possível ver no vídeo abaixo que capturei na época do lançamento.
Os problemas de Cyberpunk 2077 foram tantos no lançamento que o jogo chegou a ser retirado da PlayStation Store. A Microsoft também facilitou os pedidos de reembolso para o game no Xbox. No final das contas, o jogo acabou vendendo milhões de cópias, mas as ações da CD Projekt Red tomaram um tombo por causa da péssima recepção do público, o que até rendeu um processo para o estúdio.
Evolução, mas a que custo?
Nos anos seguintes, começava a caminhada de redenção de Cyberpunk 2077. Após pedidos de desculpas, a CD Projekt correu para fazer patches e melhorar a precária experiência no game para quem não possuía um hardware mais potente para encarar o jogo.
Nesta época, ainda em 2021, já era possível sentir que o jogo certamente teria um “comeback” e teria chance de se tornar um concorrente na categoria de Jogo Contínuo do Game Awards. Esse clima ficou ainda mais forte recentemente, com o lançamento do update 2.0, que melhorou expressivamente o gameplay, e a expansão paga Phantom Liberty.
No entanto, enquanto algumas pessoas celebraram esse feito, eu vejo essa situação apenas como uma contenção de danos. Considerando o estado precário de Cyberpunk 2077 no lançamento, o estúdio não está fazendo mais que a sua obrigação em consertar um produto defeituoso e que não cumpria promessas.
Sim, é louvável ver a produtora não abandonar o game para morrer depois de receber críticas do público. Porém, no caso de Cyberpunk 2077, todo esse suporte acabou sendo apenas uma consequência dos atos da CD Projekt Red, que não gerenciou bem o projeto, colocou desenvolvedores para trabalhar sob regime de crunch e entregou um produto incompleto.
Os resquícios disso podem ser vistos até hoje, inclusive. Enquanto Cyberpunk 2077 finalmente está “completo” no PC e Xbox Series S e X, a versão de Xbox One e PS4 foi praticamente abandonada pelo estúdio sob o pretexto de que estava segurando o desenvolvimento do game. Com isso em mente, por que o estúdio decidiu, lá atrás, que era uma boa ideia lançar o jogo nessas plataformas? Isso é um comportamento que merece ser celebrado?
Prêmio chegando "na hora certa"
Independente de opinião, a realidade é que o prêmio de Melhor Jogo Contínuo chega em um momento oportuno para Cyberpunk 2077. Segundo a CD Projekt Red, o update 2.1, lançado recentemente, deve ser a última grande atualização do game. Ou seja, se o TGA 2023 não entregasse uma estatueta agora para o jogo, talvez isso nunca mais acontecesse.
É importante ressaltar, no entanto, que Geoff Keighley não escolhe os vencedores pessoalmente: Cyberpunk 2077 ganhou o prêmio por receber votos de um júri formado por grandes veículos de mídia globalmente, incluindo o próprio Voxel. E, assim como ocorre em eventos como o Oscar, a premiação também conta com grandes campanhas de lobby que ocorrem nos bastidores: algumas empresas não medem esforços para deixar títulos de grande porte "na mente do povo" pouco tempo antes da votação. É o marketing entrando em ação.
No entanto, dependendo do direcionamento dado pelas publishers, isso acaba ajudando a criar anomalias na premiação de games, como a própria indicação de Dave the Diver ao prêmio de Melhor Jogo Independente. Além disso, jogos menores tendem a perder espaço com mais facilidade para grandes títulos.
Como eu já disse por aqui outras vezes, Stardew Valley, que é um brilhante exemplo de Jogo Contínuo, nunca chegou a essa categoria no TGA. Talvez isso ocorra porque o desenvolvedor gasta mais tempo criando novidades para o jogo, que receberá uma grande atualização grátis em breve, do que investindo em lobby para a premiação.
O verdadeiro “campeão” segue entregando conteúdo
“Mas e se Cyberpunk 2077 não merecia o prêmio, quem deveria levar a estatueta?” Na minha opinião, não existe ninguém mais apto para ser exemplo de jogo contínuo em 2023 quanto Fortnite. O jogo da Epic Games simplesmente começou o ano recebendo gráficos da Unreal Engine 5, sendo um dos primeiros títulos a implementar de maneira otimizada as tecnologias do motor gráfico.
Fortnite praticamente ganhou um novo jogo completo de graça pouco antes do TGA 2023.
Depois disso, tivemos temporadas que praticamente alteraram toda a jogabilidade do mapa, com novas áreas, biomas e armas sendo adicionadas com frequência ao game. Além disso, o modo criativo também recebeu melhorias, compensando jogadores que praticamente criam novos jogos dentro de Fortnite.
Falando em novos jogos, ontem mesmo (7) Fortnite recebeu o modo LEGO, que traz uma experiência ao estilo Minecraft para dentro do game. E no próprio The Game Awards, pudemos ver também o Rocket Racing, um novo modo envolvendo carros que está chegando ao jogo.
E o melhor: todo esse conteúdo é 100% grátis e multiplataforma, rodando até mesmo via nuvem, em celulares e nos "defasados" PS4 e Xbox One. Para quem tem interesse em gastar dinheiro, o jogo ainda oferece uma coletânea de skins e itens cosméticos rotativos que vão desde personagens de games até astros da música.
A evolução constante do game também ocorre desde 2017. Fortnite chegou ao mercado como só mais uma cópia barata de PUBG, mas ganhou identidade própria e se tornou uma grande plataforma com milhões de jogadores.
Se isso não é mérito para ganhar o prêmio de Melhor Jogo Contínuo, eu não sei o que é. Enquanto isso, o vencedor da categoria em 2023 seguiu o que era conveniente para limpar a própria barra, e ainda deixou dois consoles para trás durante essa empreitada.
Ao premiar Cyberpunk 2077, o TGA deixa implícito que os comportamentos obtusos da CD Projekt Red são aceitáveis na indústria. Para o público, resta torcer para que os estúdios não captem essa mensagem.
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