Silent Hill: Ascension foi finalmente lançado na última terça-feira (31), fechando o disputado mês de outubro e também o Halloween. Apesar da icônica data, e indiscutível peso no nome da franquia, sua estreia foi marcada por uma amarga e turbulenta recepção do público. Com poucas informações divulgadas antes de seu lançamento, o título prometeu pouco — e entregou menos ainda.
Assim, antes de mais nada, vale contextualizar um pouco sobre a inusitada proposta de Ascension. Pensado para celulares e navegadores, o título propôs ser uma experiência inovadora para os fãs da franquia, ao oferecer a oportunidade de “participar” de sua narrativa através de escolhas. Sua jogabilidade, bastante inspirada em títulos como os da franquia The Dark Pictures, permite alterar o curso de eventos em uma pegada bem cinemática.
Contudo, ao contrário da inspiração, os jogadores podem apenas assistir e votar, como em uma gameplay sem a narração de seu streamer favorito. Para participar, é necessário obter Pontos de Influência, que podem ser tanto comprados quanto resgatados, em menor quantidade, em pequenos e grosseiros mini-jogos. Toda a dinâmica é embalada em uma interface bastante similar à da Twitch, mas abarrotada de informações, com direito a um chat e emojis temáticos.
É, sim, possível "jogar" durante a narrativa, mas apenas em "Quick Time Events Coletivos" no final de cada episódio. Na primeira exibição, os comandos não funcionaram como deveriam, frustraram os jogadores, e causaram a falha permanente de um personagem.
Interface poluída de Silent Hill Ascension.
A depender da suspensão de descrença de cada jogador, é até possível se empolgar com a proposta de Silent Hill Ascension, mas não é difícil imaginar os milhares de problemas que poderiam ocorrer. Para começar, o sistema de votos é dividido em três categorias, “Redenção, Sofrimento e Danação”, que evidentemente influenciam os jogadores apenas pela sua definição sugestiva. Ao longo da narrativa, os personagens terão barras para cada um desses elementos, influenciando sua eventual capacidade de alterar certos desafios.
Toda a experiência soa como algo “pagar para vencer”, considerando os poucos pontos que podem ser obtidos no jogo e as possibilidades de compra. Essencialmente, a escolha mais bem paga é a definida, mas supondo que isso ainda fosse válido, há pouca transparência nessa dinâmica. Nas decisões apresentadas, certas alternativas já apareciam com muitos votos, gerando questionamentos na audiência sobre sua legitimidade.
Enquanto os jogadores tentavam entender a “jogabilidade”, outro problema acontecia: o chat. Sem moderação alguma, a seção de interação ficou rapidamente repleta de trolls, protestos, xingamentos e memes pejorativos de diversos tipos. Entre a bagunça, mensagens frias apareciam vez ou outra, parecendo uma interação robótica para preencher espaço, reforçando a ideia de que a experiência poderia não ser tão autêntica como prometia — afinal, é estranho e conveniente que certos expectadores tenham o mesmo nome e sobrenome de icônicos personagens da franquia, certo?
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— Pol ?? MFF (@polarisboye) November 1, 2023
Conspirações a parte, há outro destaque em Ascension: a possibilidade de aparecer em uma “ponta” com seu próprio personagem. Além da horrenda representação gráfica, ficando para trás apenas dos personagens criáveis na franquia Dark Souls, há pouco para comentar sobre a função. Por fim, e talvez o maior incentivo dos desenvolvedores para jogar: toda a experiência será canônica e entrará para a narrativa oficial da franquia.
E a História de Silent Hill Ascension?
Mesmo ameaçada por trolls, protestos e uma experiência lamentável de jogabilidade, ainda é cedo para dizer que a história apresentada em Silent Hill Ascension é objetivamente ruim, como uma experiência contida. Porém, ao considerar os elementos estabelecidos nos principais jogos da franquia, os problemas não só aparecem, mas aos montes e rapidamente. Neste lançamento, há pouco da atmosfera intrigante estabelecida anteriormente, além de um ritmo muito mais voltado para a ação em tela.
Vários elementos adorados pelos fãs de longa data são desafiados, como a própria relevância da cidade Silent Hill. Situada em alguma região dos Estados Unidos, o local deixou de ser “foco” na trama de Ascension, já que um de seus núcleos se passa na Noruega. Mais próximo “de casa”, o outro foco narrativo fica para mais um culto suspeito, desta vez, pela perspectiva de seus membros.
Com gráficos que honram a icônica Era do Xbox 360 e PlayStation 3, para o desalento dos espectadores, Ascension apenas reensaia conceitos queridos na franquia. Há uma linha narrativa inspirada nos eventos de Silent Hill 1 e Silent Hill 3 com uma protagonista atormentada pelo sobrenatural, enquanto outro protagonista lida com uma ressentida esposa em seu leito de morte, tal como em Silent Hill 2.
Dispensando o apelo psicológico de que cada indivíduo enxerga a cidade de forma única, com uma estética e ameaça que reflete sua própria mente atribulada, o título mais recente aposta no visual industrial e enferrujado costumeiro — algo que, apesar canônico, nem mesmo se aplica a todos os jogos na franquia.
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— ?? bob ?? (@bobvids) November 1, 2023
Mesmo se apropriando de tantos elementos consagrados na franquia, Ascension não consegue promover uma experiência autêntica ou intrigante, que faça o jogador sequer se lembrar de Silent Hill. Durante o primeiro episódio, com cerca de 30 minutos e repleto de longos intervalos, o espectador é bombardeado de diálogos expositivos, rasos e desprovidos de qualquer emoção. Ao contrário de outros títulos na franquia, que apresentam a ameaça lentamente e com muito suspense, por exemplo, a nova narrativa traz monstros de diversos tipos logo nos primeiros minutos de exibição — diminuindo, e muito, seu apelo.
Sobretudo, há uma obviedade incômoda nas escolhas oferecidas, que apesar da categorização, em nada parecem influenciar. Não há o sentimento de mistério e confusão proposital presente nos demais jogos da franquia, criado pela densa narrativa psicológica e mitologia própria. Em Ascension, tudo parece requentado as pressas, seja o roteiro, as animações ou os atores de voz.
Silent Hill Ascension é assustador, pelos motivos errados
Com todos os problemas já citados, é difícil não definir Silent Hill Ascension como uma experiência predatória e, até mesmo, suspeita — ainda que não carregasse o nome de peso. A situação é ainda mais lamentável, ao considerar a promessa de que a Konami estaria “voltando às suas raízes” ao reviver franquias queridas, como essa e Metal Gear Solid, após anos de negligência. De tudo, o título se apresenta como o maior desrespeito aos fãs desde suas máquinas de pachinko — tradicionais no Japão, misturando elementos de jogos de azar e narrativa.
Sim, você não leu errado. Nos últimos dez anos, o máximo que os fãs de Silent Hill puderam experimentar foi: o cancelado P.T. (Silent Hills, de Hideo Kojima) e inúmeras máquinas de jogos de azar tematizadas. Não bastasse a ofensa, a empresa também aproveitou a empolgação de fãs para criar campanhas de marketing para produtos licenciados, como skates e outros equipamentos bem distantes do mundo dos jogos.
Máquina de pachinko de Silent Hill 2.
Neste sórdido contexto, Ascension é o mais recente título da franquia a ser lançado, sendo o primeiro em sua “ressurreição”. Considerando que o antecipado remake de Silent Hill 2 é um dos próximos lançamentos, o futuro da franquia parece estar em um caminho um tanto tortuoso. Até lá, resta esperar ou assistir à experiência assustadora da Genvid — embora jogar Alan Wake 2 seja uma alternativa bem melhor!
Mesmo com a estreia controversa, Silent Hill Ascension será uma experiência com episódios diários, de até 45 minutos, por seis meses — explorando os variados rumos que a história poderia tomar, ao final da conclusão canônica. É possível acompanhar pelo aplicativo oficial (Android e iOS) ou diretamente no site, às 22h no Horário de Brasília.
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