Jogos narrativos em primeira pessoa têm conquistado seu lugar no mercado dos video games. Todo ano surge algum estúdio indie com uma proposta cativante que coloca o jogador para encarar toda a situação pelos olhos de quem está vivendo aquilo. Alguns exemplos que fizeram bastante sucesso foram The Stanley Parable, Gone Home, Firewatch e What Remains of Edith Finch.
A francesa DigixArt, desenvolvedora de 11-11 Memories Retold, decidiu proporcionar aos jogadores uma experiência nesse gênero, com visuais lindos, personagens divertidos e um chamado para a juventude se posicionar politicamente frente a governos autoritários, corruptos, fascistas e elitistas, tudo isso com uma narrativa procedural que faz cada jogatina ser diferente da outra e usando como referência as obras de Quentin Tarantino, Irmãos Coen e Bong Joon-ho.
Fugindo e se rebelando
Com as eleições de 1996 chegando e as pesquisas apontando para mais uma vitória de Tyrak, o tirano presidente de Petria que está no governo há muitos anos, a juventude se revolta e decide sair do país, optando pela Estrada 96, localizada no extremo norte, para se livrar das mãos do fascista.
Programa da Sonya mostrando a larga vantagem de Tyrak em relação a sua adversária Florres.Fonte: Voxel
O jogador controla seis jovens desaparecidos que estão em busca desse objetivo. Eles não têm nome nem rosto, só silhuetas, sexo, idade, dinheiro, barra de energia e último lugar visto. Com isso, a desenvolvedora buscou fazer que o player pudesse se colocar dentro de cada situação proposta, mas acaba o afastando dos protagonistas, já que é difícil diferenciá-los ou se apegar a suas (inexistentes) individualidades.
O trunfo do game não está nos personagens controlados pelo jogador, e sim nas figuras que ocasionalmente são encontradas nos seis capítulos do título: a mochileira Zoe, a policial Fanny, os criminosos Mitch e Stan, a jovem genial Alex, a apresentadora Sonya, o taxista misterioso Jarod e o caminhoneiro John. Cada um deles tem personalidade própria, opinião sobre a situação política de Petria e relação com alguns dos outros citados.
Zoe tem como objetivo sair do país e encontrar sua liberdade.Fonte: Voxel
Todos os encontros com eles são únicos, com alguns diretamente ligados ao capítulo que está sendo jogado. A ordem em que o player os conhece não importa, sendo possível encontrar Alex pela primeira vez no primeiro ou no segundo episódio, mas alguns cruciais dependem de interações prévias. Isso faz bastante sentido, já que é preciso ter o mínimo de contexto para entender quem é aquela pessoa e por que ela está fazendo aquilo.
Moço, pode me dar uma carona?
A forma de encontrá-los depende da escolha de locomoção, o que levanta a questão da narrativa procedural proposta pelo título. Alguns têm veículo próprio, outros estão indo de ônibus ou pedindo carona. Sendo assim, a interação que o jogador tem com eles depende de como decide continuar a aventura.
Stan e Mitch dando uma carona radical em sua motocicleta.Fonte: Voxel
Entre nossas tentativas de pedir carona, entramos no caminhão de John e conversamos sobre os rebeldes da Black Brigade; em outro momento, Stan e Mitch nos levaram para perseguir um suposto assassino. Ao roubar um carro, batemos papo e jogamos video game com Alex e demos carona para Jarod depois que seu táxi quebrou. Muitos desses encontros poderiam não ter acontecido se tivéssemos escolhido outras formas de viajar para a Estrada 96.
O game oferece tantas interações com esses personagens que é impossível ter todas na primeira jogatina. Nas telas de loading, o jogador pode ver em porcentagem quantos encontros já teve com cada pessoa em específico, o que pode ser expandido no New Game +.
Sonya teve que pegar o ônibus depois de um "imprevisto" com sua viatura.Fonte: Voxel
É uma pena que tanto os capítulos quanto esses encontros sejam tão curtos. O game tem duração de aproximadamente 6 horas, com 60 minutos por episódio. Sendo assim, o fim da gameplay nos deixou com um gosto de "quero mais" que não conseguiu ser totalmente preenchido mesmo com algumas horas a mais de jogatina. Ainda assim, agradou muito, colocando um sorriso no rosto ou arregalando nossos olhos em diversas ocasiões.
Uni duni tê, revolução com você!
Road 96 tem um sistema de escolhas que impacta a história. Todos as falas dos protagonistas são escolhidas pelo jogador, podendo ter diversas abordagens que vão de acordo com o pensamento político dele. Inclusive, é possível perguntar aos personagens o que eles acham das eleições, do grupo rebelde Black Brigade e dar a própria opinião, o que teoricamente afeta o futuro no jogo.
John discutindo com Robert durante uma reunião da Black Brigade.Fonte: Voxel
Durante o desenvolvimento da trama, não conseguimos perceber isso mudando o rumo da história, com exceção do último episódio. Em contrapartida, algumas escolhas cruciais realmente afetaram o enredo. Estivemos em situações como escolher qual personagem salvar e até em conversas que evitariam algum tipo de problema. Além disso, é possível morrer em uma tentativa de fuga, e isso é noticiado no programa da Sonya no começo de cada capítulo, assim como libera opções de conversas sobre o ocorrido.
Sendo assim, o jogador pode resolver cada situação de diferentes formas, inclusive ao fugir de Petria, mas não necessariamente sentirá que todas as escolhas estão realmente afetando o desenvolvimento da história.
Jogando uma partida de Pwong com sua desenvolvedora, Alex.Fonte: Voxel
Visuais + Desempenho + Trilha sonora = ??
Os visuais são maravilhosos, com uma pegada cartunesca, trazendo bela iluminação, reflexos, ambientes aliados a boas expressões faciais e animações. Não é algo de outro planeta, mas deve agradar bastante a quem tem o costume de jogar títulos independentes como esse.
A cachoeira significa que a fronteira está perto.Fonte: Voxel
O desempenho também é muito bom. Uma RTX 2060 rodou grande parte do jogo na melhor configuração possível acima dos 70 FPS. Em três momentos específicos, a taxa de quadros caiu para 40, por serem locais externos com chuva ou internos com iluminação forte e muitos reflexos. Mas vale ressaltar que gravamos toda a jogatina usando o GeForce Experience, o que reduziu o FPS total em aproximadamente 10%. Sendo assim, uma placa de vídeo mais fraca consegue rodar acima de 60 FPS no alto sem grandes dificuldades.
Por fim, a trilha sonora é incrível, com música eletrônica e pop. Diversas faixas são associadas a personagens, o que já dá uma previsão de quem será encontrado logo que começa uma nova parte do episódio. Diversas fitas cassete estão espalhadas pelo jogo, contando com todas as músicas da trilha. É possível reproduzi-las em alguns momentos específicos, como dentro do carro ou na frente de uma cachoeira.
As fitas cassete podem ser encontradas, recebidas ou roubadas.Fonte: Voxel
Vale a pena?
Road 96 tem como objetivo passar uma experiência que transita entre um “good vibes” com personagens cativantes e um espírito revolucionário por parte da juventude que deseja mudar o futuro do país. Cada conversa faz entender mais sobre aquele local e sobre sua complicada situação política, o que leva a pensar mais em como está nossa nação e o que podemos fazer para melhorá-la. É uma recomendação essencial para quem gosta de jogos narrativos, principalmente por ter como diferencial os encontros procedurais.
"Road 96 é a experiência narrativa revolucionária que 2021 tanto pedia e precisava, sem forçar o jogador a escolher uma única abordagem"