A série de histórias da tecnologia volta a falar de games, especificamente de uma empresa que foi tão importante tanto no hardware quanto no software e é uma das lendas do mundo dos fliperamas. Estamos falando da SNK, que já passou por uma crise complicada, mas continua firme e forte até hoje.
O começo de uma era
A sua trajetória começa oficialmente em 1973, com a fundação de uma empresa de aparelhos e programas para eletrônicos chamada de Shin Nihon Kikaku (SNK) ou New Japan Project, em inglês. Porém, os primeiros 5 anos de atividade da empresa quase não foram documentados, tanto que a fundação mais "oficial" é registrada só depois.
Em julho de 1978, a Shin Nihon Kikaku Corporation foi reorganizada e virou uma empresa com ações comercializadas. A região de Osaka foi escolhida como a sede, e o empresário responsável por tudo isso é Eikichi Kawasaki. No final da década de 1970, o mercado de jogos de fliperama e outros aparelhos de entretenimento operados por moedas estava crescendo e se mostrando uma enorme fonte de renda.
No Japão não foi diferente, em 1978 foi o lançamento do fenômeno Space Invaders, da Taito, sendo que o fenômeno Pong já bombava e prontamente a Atari lançou outros clássicos. Dessa forma, investir nesse mercado logo se provou um ótimo negócio.
Space Invaders. (Imagem: Taito/Reprodução)
O primeiro sucesso
Em 1979, chegou o primeiro jogo lançado pela SNK, o Ozma Wars. Esse foi um dos primeiros shooters verticais e também era considerado inovador por ter "fases" separadas em vez de um gameplay contínuo e que se repetia. Logo depois, veio Safari Rally, com um esquema gráfico mais elaborado e cheio de elementos na tela.
O primeiro jogo de sucesso foi Vanguard em 1981. Um jogo de nave bem-elaborado e desafiador. Foi aí que a SNK percebeu o potencial do mercado ocidental e abriu um escritório em Sunnyvale, na Califórnia. Indo além dos arcades, em 1985 a SNK oficialmente virou uma third-party, uma desenvolvedora que faz jogos licenciados para consoles domésticos.
A sua primeira parceira foi a Nintendo, que era a dominante da época e 2 anos antes dominou o setor com o Nintendinho. Nesse começo, a SNK lançou o Baseball Stars, que foi bastante elogiado, seguido pelo Athena.
A SNK Corporation
Em 1986, a SNK viveu uma boa fase e já tinha 23 jogos de fliperama lançados, com gráficos cada vez melhores. Um bom exemplo é o Ikari Warriors, que tinha uma configuração bem original de joystick e apresentou como protagonistas os militares Ralf Jones e Clark Still. Foi nesse ano também que ela trocou de nome, para virar formalmente a SNK Corporation.
A marca seguia nesse ritmo de lançar jogos para fliperamas, portando títulos para consoles ou PCs da época que rodavam jogos simples — como o ZX Spectrum, Commodore Amiga, Apple II e plataformas de MSX —, além de consoles da Atari. Até que em 1989 a companhia resolveu sair de sua zona de conforto e revolucionar o mercado.
Estamos falando da chegada do Neo-Geo MVS, sigla para Multi Video System, um sistema de fliperamas. O principal trunfo da placa era a possibilidade de rodar até seis jogos em uma só máquina, com cartuchos intercambiáveis — o que era extremamente lucrativo para os donos dessas casas — que podiam alternar os títulos em vez de ter que comprar novas máquinas toda vez. O projeto foi criado com a desenvolvedora Alpha Denshi, depois conhecida como ADK.
Neo Geo MVS. (Imagem: SNK/Reprodução)
Junto dele, em 1990, nasceu o Advanced Entertainment System (Neo-Geo AES), um gigante poderoso que era a simulação mais perfeita possível para os consoles domésticos da experiência dos arcades. Ele era algo totalmente diferente do que estava no mercado, já que a ideia não era economizar e sim ser fiel a gráficos e sons. O controle simulava o de fliperamas, e os cartuchos eram imensos. O console contava até com um memory card pioneiro.
O problema? Ele era enorme, caríssimo e, por isso, se deu mal demais no mercado. O aparelho chegou a custar 600 dólares, 3 vezes mais do que o Super Nintendo, e inicialmente só estava disponível para aluguel por hotéis e casas de eventos. Ah, vale lembrar que foi o período do auge da briga entre Sega e Nintendo, que eram disparadas as duas líderes do setor.
Mesmo com um marketing agressivo, a SNK nunca quis tomar a liderança, mas esperava ao menos bons resultados de vendas. Porém, nem isso ela conseguiu, e o AES hoje é um item de colecionador caríssimo.
Neo Geo AES. (Imagem: SNK/Reprodução)
Fluidez dos negócios
No mundo dos jogos, a empresa continuava muito bem. Em 1991, surgiu a franquia embrionária da empresa no gênero de luta: Fatal Fury. Uma resposta direta à franquia Street Fighter, tanto que o título foi comandado por Takashi Nishiyama, o produtor do jogo da Capcom.
Fatal Fury tinha uma jogabilidade um pouco truncada, sem a possibilidade de mudar de planos no cenário, mas foi extremamente elogiado e iniciou a saga dos irmãos Andy e Terry Bogard contra o império do crime chefiado por Geese Howard, com muitos outros lutadores que viraram clássicos. A série ainda teve animações em formato de filme e série, inicialmente exibidos no Brasil pela TV Manchete.
Logo após, veio o Art of Fighting, com vários outros avanços técnicos e o excelente Samurai Shodown, que foi um imenso sucesso com o uso de armas e cultura oriental antiga. Em seguida, vieram os títulos King of the Monsters, World Heroes e o jogo de futebol Super Sidekicks.
Ainda nesse começo de década, as divisões arcade e doméstica se fundiram e, em 1993, a SNK abriu o primeiro escritório na América do Sul, em São Paulo. Em 1994, surgiu a franquia The King of Fighters (KOF), que reuniu personagens de outros jogos da SNK e trouxe mecânicas criativas, como os combates em trios.
Em 1994, a SNK apresentou a segunda aposta no mercado de consoles: o Neo-Geo CD. Ele era nada mais que outra tentativa de reproduzir os aspectos técnicos dos fliperamas em casa. De novo, não era ruim, mas a leitura dos discos não ficou legal e o console tinha telas de loading intermináveis. No ano seguinte, ele ganhou um sucessor mais potente, o Neo-Geo CDZ, mas como ele era mais caro também não decolou.
Neo Geo CD. (Imagem: SNK/Reprodução)
The Future is Now
Nesse período, a empresa adotou o slogan The Future is Now, bem como abriu casas de arcades e entretenimento chamadas Neo-Geo World. Assim, seguiu portando ou fazendo jogos para novos sistemas, como o primeiro PlayStation, e adquiriu, em 1996, uma certa desenvolvedora que seria a responsável por uma das suas principais franquias: a Nazca.
Nessa época, a empresa lançou o Metal Slug, um jogo de guerra que ganhou várias sequências e é adorado até hoje. A década também foi marcada pela chegada de The Last Blade e Garou: Mark of the Wolves, uma sequência da franquia Fatal Fury com um salto na história.
Já em 97 ela resolve lançar a sucessora da MVS. A placa para arcades Hyper NeoGeo 64 deveria mostrar que a SNK estava preparada para o mundo dos gráficos 3D, mas ela não teve sucesso e foi descontinuada. Os títulos lançados também não foram muito bem recebidos, e o público preferia as versões em 2 dimensões.
Outro problema veio com a chegada do portátil Neo-Geo Pocket em 1998. Por mais que ele fosse bom, era simplesmente impossível competir com a Nintendo nesse setor, ainda mais porque o Game Boy Color estava chegando enquanto este ainda era em preto e branco. O Neo-Geo Pocket Color era cheio de potencial, mas saiu em 1999 e era tarde demais, além de que contou com pouca ajuda de desenvolvedoras interessadas.
Neo Geo Pocket. (Imagem: SNK/Reprodução)
Tempos difíceis
A situação não era nada boa em 2000, e a SNK entrou em uma crise enorme, fechando o escritório nos Estados Unidos. Antes disso, ela já tinha encerrado os centros de diversão e as fábricas. E, no ano seguinte, declarou falência. Os motivos que levaram a SNK a declarar falência são vários, mas destacamos a queda na renda de fliperamas, pelo mercado ter decaído mesmo, e o fracasso na venda em massa dos consoles.
O resultado é que a SNK foi comprada pela Aruze, uma empresa de pachinkos, aquelas máquinas operadas por moedas superpopulares no Japão. Essa marca, na verdade, só estava interessada nas propriedades da desenvolvedora para usar nos pachinkos e, nesse período, quase nada do orçamento foi para o mercado de games, tirando inclusive alguns títulos que já estavam em desenvolvimento.
Felizmente, também nesse período, ela chegou a fechar uma parceria com a Capcom para crossovers. O jogo desenvolvido pela concorrente, Capcom vs. SNK, foi o mais bem-sucedido e virou um grande clássico.
O nascimento da SNK Playmore
A salvação começou a se desenhar em 2001 com Eikichi Kawasaki, o fundador original da SNK. Ele criou a desenvolvedora Brezzasoft junto de outros executivos da velha guarda da empresa e montou a Playmore Corporation, para ser um conglomerado que abraça outras companhias. Dessa forma, ele conseguiu resgatar aos poucos o que sobrou da SNK, remontando a marca.
Foi então que, em julho de 2003, depois de 2 longos anos de organização no campo jurídico e administrativo, nasceu a SNK Playmore. Nessa nova era, o jogo Samurai Shodown V Special ficou marcado como o último jogo da SNK para um console próprio.
Além disso, ela passou a adotar placas de arcade de outras empresas, como a Atomiswave da Sammy. Porém, a situação ainda precisava melhorar muito, pois a empresa tinha dificuldades de portar as franquias para jogabilidades e estilos novos ou pelo menos para os gráficos 3D.
Neo Geo X (Imagem: SNK/Reprodução)
Em 2005, ela conseguiu arrancar elogios com o Neo Geo Battle Coliseum, um jogo de luta misturado a uma homenagem às franquias antigas. Em 2009, entrou no mercado de jogos mobile, com vários deles nunca indo além do mercado japonês. Já em 2012, tentou de novo lançar um console, o Neo Geo X, um sistema em parceria com a Tommo.
Em 2015, foi comprada pela chinesa Leyou Technologies, que adquiriu a maioria das ações da SNK Playmore a partir de uma de suas subsidiárias, a Ledo Millenium. Como resultado, uma nova reestruturação ocorreu, com o fim da divisão de pachinkos e a troca do nome, removendo o Playmore e voltando a ser apenas SNK. Esse renascimento foi marcado, em 2016, com The King of Fighters XIV, revivendo a franquia.
Neo Geo Mini. (Imagem: SNK/Reprodução)
Mais recentemente, a SNK seguiu no mercado e agora, aos poucos, atiça a nostalgia dos fãs. Em 2018, no aniversário de 40 anos, teve coletânea de clássicos dos fliperamas e o Neo Geo Mini, sem contar o revival de Samurai Shodown, em 2019, e a chegada de Terry Bogard ao Super Smash Bros Ultimate. Além disso, em 2021 vem o The King of Fighters XV.
Contudo, as mudanças não param por aí. Em novembro de 2020, ela começou outra transição para trocar de novo. Uma organização ligada ao príncipe da Arábia Saudita comprou ações da SNK e tem um acordo para adquirir a maioria do controle da empresa. O futuro ainda é incerto e ela está bem mais discreta, mas a história é muito boa e não deve acabar tão cedo.
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