Maio é o mês da Consciência da Saúde Mental nos Estados Unidos, um assunto mais importante do que nunca nesses tempos complicados de isolamento social. No Brasil, 75% dos jogadores revelaram ter jogado mais videogame durante a pandemia, uma sólida evidência da importância da mídia para nos trazer um pouco de alegria durante essa crise mundial.
A Micosoft acentuou a sua atenção ao tema e está mais interessada do que nunca em explorar o impacto positivo dos videogames no bem-estar mental dos jogadores, usando alguns de seus principais lançamentos para discutir o tema, como Hellblade: Senua's Sacrifice e Psychonauts 2.
A convite da produtora, tivemos a oportunidade de conversar diretamente com Tim Schafer, o fundador do estúdio Double Fine e um dos designers mais celebrados da indústria, sobre as suas ambições para a próxima aventura de Razputin Aquato, os temas do jogo e sua visão sobre os videogames. Confira a seguir os melhores momentos de nosso papo!
Dizer que a humanidade encara hoje um de seus principais desafios seria um eufemismo. Particularmente, me sinto especialmente grato a você e a todos que trabalham para lançar novos jogos e nos distrair nesse período tão complicado. Como você enxerga o valor dos videogames atualmente?
Tim Schafer: "Sou grato aos videogames nos dois lados desse tema! Como desenvolvedor, muita gente não tem a sorte que eu tenho de poder trabalhar, e e eu amo o meu trabalho! E como jogador, é como você disse: os jogos permitem fazer coisas que não dá mais para fazer na vida real, como sair para passear e estar cercado de gente. Fora que você ainda pode falar online com os seus amigos, até aqueles que você normalmente não telefonaria, mas aí você os vê online e quem sabe até joga um pouco com eles? Então eu acho que, de várias formas, somos sortudos por ter os videogames hoje em dia!"
O primeiro Psychonauts já fazia um trabalho muito bom em explorar as inseguranças e desafios de ser uma pessoa. Podemos esperar um mergulho ainda mais profundo no tema na sequência?
"Ela certamente continua os temas de encontrar alguém que é um personagem bem fora do comum, que se comporta de forma inesperada, ou quem sabe até mesmo ameaçadora, até que você entra na mente dessa pessoa através da projeção astral. E aí você vê que ela também é um ser humano e, assim como você, está lidando com vários problemas. Então você pode ajudá-las a superar isso e enfrentar os seus demônios interiores.
Em Psychonauts 1 tínhamos bastante traumas antigos para resolver, tipo o relacionamento com o seu pai e coisas assim, mas no 2 vamos ainda mais fundo no tema e tratamos de coisas ainda mais complexas como vícios e diferentes tipos de ansiedade e síndrome do pânico. As tornamos realistas, e você pode ajudar os personagens a tentar resolver isso."
Os seus jogos nunca foram alvo de controvérsia, mas é inegável que a forma de fazer humor mudou bastante nas últimas décadas. Você acha mais difícil fazer piadas hoje em dia, quando muita gente parece pisar em ovos ao discutir temas sensíveis?
"Esse é um ponto interessante. Para mim, é diferente escrever ou criar coisas agora porque eu sou mais velho do que 20 anos atrás, obviamente. E de certa forma, quanto menos você sabe sobre a vida, mais fácil é escrever sobre ela, porque você simplesmente passa por cima de um monte de coisas que nem sabia que estavam lá.
Quando você envelhece, fica mais ciente de como foram as experiências de outras pessoas, e eu acho que precisa levar isso em conta ao tratar de tópicos que dizem respeito a elas. No passado, você não sabia que certas coisas as machucavam, mas aí você amadurece e passa a reparar mais nisso. Então idealmente é quando você passa a abordar o assunto com mais empatia e sabedoria.
Algumas pessoas podem achar isso mais desafiador, mas isso só acontece porque você tem mais informação, então passa a estar mais ciente do efeito que o seu trabalho gera. Acho que é sempre positivo pensar nisso quando se está criando uma história."
E falando em desafios, como o trabalho remoto impactou o trabalho de vocês? A equipe conseguiu lidar bem e de forma saudável com a transição?
"Foi um ano bem longo, e cada um aqui lidou com isso de uma forma diferente. Tem gente com filhos pequenos, mais velhos, ou mesmo sem filhos, então você pode morar num espaço pequeno com muita gente, ou num espaço que não tem gente o suficiente.
Tentamos ser bem flexíveis ao falar com o nosso time e ver quem precisava de ajuda, sejam elas coisas simples como precisar de hardware ou internet melhores, até providenciar comida extra ou suporte às crianças. Acho incrível que a gente tenha conseguido continuar trabalhando em Psychonauts 2 mesmo hoje em dia!
Isso só foi possível porque o time é muito dedicado não só ao projeto, mas a ficar juntos e se apoiar. É um grupo de gente muito especial que se sente feliz por ter uns aos outros, então tentamos manter os aspectos sociais do escritório mesmo remotamente. Está todo mundo doido para que isso acabe logo, claro, mas o time foi bem resiliente e ficou junto o tempo todo."
Tem algum jogo que você experimentou recentemente e admirou a forma como a história trata do tema da saúde mental, quem sabe até mesmo o inspirando um pouco para o novo Psychonauts?
"Acho que Hellblade é um ótimo exemplo, porque mesmo antes de estarmos conectados aos estúdios da Xbox eu já admirava bastante esse jogo. Desde os créditos de abertura eles falam sobre a importância da saúde mental e do seu trabalho consultando especialistas, o que eu achei bem inspirador.
Tem um monte de jogos, especialmente indies, que eu acho que tratam muito bem do tema e de suas várias nuances. Gosto bastante de Celeste, por exemplo, mas cada jogo tem a sua própria abordagem. Psychonauts é, antes de tudo, uma obra de entretenimento, foi feito para ser divertido e tenta ser mais leve e engraçado.
Só que as estruturas e ideias que o cercam giram todas ao redor de empatia, curar uns aos outros e celebrar a nossa humanidade, e eu acho que é isso que torna o nosso jogo especial e o destaca."
Muito obrigado por conversar com a gente, Tim, sei que muita gente aqui no Brasil joga os seus trabalhos há décadas, assim como eu.
"Nós sempre tivemos um suporte incrível do Brasil, desde os tempos da LucasArts quando trabalhamos com a Brasoft para traduzir Grim Fandango para português. Foi incrível visitar o país e todo mundo foi tão gentil comigo que é difícil ouvir sobre como as coisas andam difíceis por aí... Mas eu espero de coração que tudo melhore e que eu possa visitá-los de novo, porque aguardo ansiosamente por isso. Muito obrigado e espero que gostem do jogo!"
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