Quando pensamos em jogos cooperativos, é fácil lembrar games mais simples que têm mecânicas fáceis de aprender em poucos segundos, como Overcooked. Só que na maioria desses jogos não demora para percebermos que o tal modo "cooperativo" costuma ser algo opcional, até porque é complicado oferecer um jogo que dependa tanto do gamer achar outra pessoa para jogar junto dele durante toda a duração.
Felizmente, esse é um risco que It Takes Two não tem medo de correr e é exatamente isso que torna a sua experiência completamente diferente, seguindo a fórmula de A Way Out, da mesma desenvolvedora. Ele realmente é um título feito para ser jogado somente de forma cooperativa, tanto que ao adquirir o game, ganha-se um passe para dar a um amigo. Assim consegue jogar com sua cópia localmente ou com o passe para partidas online a distância. Só que não é só essa tal experiência cooperativa que torna o jogo tão especial.
Uma narrativa contada com gameplay
Logo de início, o jogo começa a nos contar a história de Cody e May, um casal que está nas primeiras fases de um processo de divórcio após alguns anos de problemas não resolvidos em seu relacionamento. Quando a filha do casal, Rose, fica sabendo, ela pede ajuda a um livro de relacionamentos e chora em cima de dois bonecos que tinha criado em semelhança de seus pais.
As lágrimas acabam surtindo um efeito mágico que transforma Cody e May nesses bonecos por tempo indeterminado. Confusos com o que aconteceu, o casal é abordado pelo livro de Rose, que se apresenta como Dr. Hakim, um especialista em consertar relacionamentos problemáticos. Só que os métodos de Hakim para reaproximar o casal não são nada convencionais e ele simplesmente coloca os dois em situações adversas para que aprendam a importância da colaboração, respeito e parceria.
A história em si é bem simples, mas é familiar o suficiente para a maioria das pessoas se sentirem realmente envolvidas com seu desenrolar. O intuito realmente parece ser entregar uma comédia romântica em forma de jogo, o que funcionou muito bem nesse caso.
O interessante é que sempre que nós ouvimos falar de um game que conta com uma narrativa mais desenvolvida, há aquele medo da trama se sobrepor e acabar tomando mais espaço que o gameplay em si. Esse acaba até sendo um dos principais pontos de crítica de games, como The Last of Us Part II, que perdem a chance de usar os métodos únicos dos video games para contar a história e só tentam emular o que já vemos em filmes e séries há anos.
A cada fase, o jogo surpreende mais o gamer.Fonte: Electronic Arts/Reprodução
It Takes Two tem sim uma história a contar, mas as cenas e os diálogos convencionais estão ali similares a um bônus para sabermos mais detalhes dos personagens e da situação em que se encontram. O resto vai realmente se desenvolvendo na jogabilidade, nos cenários, nos puzzles que precisam resolver e nas mecânicas novas que vão sendo apresentadas.
Isso é exatamente o que deixa o jogador mais envolvido com os personagens, já que é ele quem realiza todas as ações manualmente e nada é deixado só para ser visto em cutscenes. Não estamos nem falando só do que diz respeito aos personagens principais, mas também aos secundários, que vão aparecendo ao longo da história.
Há muitos momentos que Cody e May precisam realizar ações que os deixam felizes, com medo, desconfortáveis ou tristes. Por serem os jogadores que controlam tudo isso, eles também provavelmente sentem as mesmas emoções de forma genuína. Não ficando aquela sensação de que é preciso se importar com algo porque um diálogo aleatório mostrou que os protagonistas se importam.
Carisma é o que não falta
Não temos dúvidas que o Dr. Hakim também vai conquistar players.
Fonte: Electronic Arts/Reprodução
Já que mencionamos um pouco sobre como é fácil se deixar envolver com os personagens de It Takes Two, é mais do que válido se aprofundar no assunto. Logo de início, os jogadores terão noção de como todos conseguem ser carismáticos, especialmente o nosso querido Dr. Hakim, cuja captura de movimentos corporais foi realizada pelo próprio diretor do jogo, Josef Fares.
A cada novo capítulo, ficam conhecidos ainda mais personagens secundários e nenhum deles decepciona ou dá a impressão de que estão ali só para ocupar um espaço vazio. Eles não só fazem a trama andar e dão chance para novos tipos de puzzles, como ainda dão detalhes importantes sobre a vida de Cody, May e Rose.
Um elogio importante a ser feito aqui é sobre a dublagem dos personagens, já que o elenco todo fez um excelente trabalho em dar vida e uma personalidade própria a cada um deles!
Sem hora para relaxar
Não dá para negar que há certos jogos que depois de um tempo deixam o jogador bem confortável quando ele já aprendeu todas as principais mecânicas. Dá até para dizer que muitos desses títulos acabam fazendo mais do mesmo do meio para o fim e o gamer só vai realizando as ações quase que no piloto-automático. Isso pode ser um ponto positivo quando só se quer relaxar e não ter que pensar muito no que fazer, mas não deixa de ser frustrante para quem quer algo mais complexo.
O que podemos garantir é que It Takes Two não dará um momento de paz no que diz respeito a sua jogabilidade. Cada cenário novo apresenta uma mecânica inédita e novos tipos de problema a serem resolvidos, e isso faz o jogador nunca atingir uma zona de conforto.
O melhor é que também não há a sensação de que se está só jogando diferentes coisas o tempo todo para impressionar. Realmente há um motivo por trás das mecânicas e elas fazem muito sentido com cada cenário apresentado, afinal, eles mudam bastante em cada capítulo.
Algumas dessas mecânicas são próprias de It Takes Two enquanto outras fazem uma homenagem bem legal a outros gêneros de jogos, como games de luta, ARPGs, plataforma e muito mais. Basicamente, nunca se sabe o que esperar e em muitos momentos a empolgação é descobrir que tipo de surpresa foi preparada para a próxima área.
Toda essa criatividade é um dos motivos pelos quais é difícil largar o game, mesmo quando se está na mesma partida há horas sem parar. Há quem possa achar ruim o fato de que esse seja um jogo difícil de dar vontade de repetir depois que é zerado pela primeira vez, afinal, não haverá mais surpresas ou nada de novo para fazer.
Só que considerando a sua experiência ininterrupta de conteúdo e uma duração que pode chegar até 15 horas, não vemos isso como um ponto negativo. Fora isso, é perfeitamente possível aproveitá-lo pela segunda vez e apresentá-lo a outra pessoa, assim como nós costumamos fazer com um filme que adoramos.
Puzzles, Puzzles e mais Puzzles
It Takes Two não deixa o gamer relaxar nem por 1 segundo.Fonte: Electronic Arts/Reprodução
Outro fator que não poderia deixar de ter uma menção mais profunda são os puzzles que o jogo apresenta a toda hora. Assim como as mecânicas, eles também são muito variados e criativos, dependendo bastante de cada cenário e situação que Cody e May se encontram.
Eles podem começar mais simples ao início de cada área, enquanto o gamer ainda está se habituando ao lugar e a seus novos poderes. Só que com o passar do tempo, eles vão ficando mais desafiadores e complexos, requerendo criatividade para resolvê-los.
O ponto positivo que podemos citar é que mesmo quando estão em um nível mais difícil, os puzzles nunca deixam a sensação de não saber o que fazer. O jogador sempre terá o conhecimento e a habilidade certa para não ficar muito tempo pensando em como deve agir em seguida, só é preciso ficar esperto, já que alguns desses enigmas podem exigir uma certa agilidade nas decisões.
O importante a se ressaltar é que esse não é o tipo de jogo para apresentar a alguém que não tem o costume com video games. Ele demanda uma certa maestria de como lidar com situações típicas de games, então alguém que não sabe controlar bem os personagens, não tem noção de mecânicas tradicionais ou sem facilidade para resolver puzzles pode se sentir bem perdido.
Exploração recompensada
Não tenha medo de explorar cada cantinho dos cenários.Fonte: Electronic Arts/Reprodução
Quem já está acostumado com jogos que oferecem algum nível de exploração de seus cenários sabe que sempre dá para esperar alguns colecionáveis ou itens escondidos para recompensar a curiosidade do jogador. Só que podemos afirmar que It Takes Two vai totalmente por outro caminho .
O próprio Josef Fares já tinha mencionado em entrevistas que o game não teria nada de colecionável e que outros motivos fariam os jogadores explorarem os cenários do título. O interessante é que não demora muito para o gamer mesmo ter noção disso, já que cada área é rica de detalhes e isso naturalmente atiça a vontade de sair olhando tudo.
A história do jogo é contada em capítulos que também fazem uma divisão dos cenários a serem explorados por Cody e May enquanto eles tentam voltar aos seus corpos originais. Só que enquanto estão na forma de bonecos, o mundo à volta deles consiste em simples objetos presentes no terreno onde o casal mora. Seja na cabana com ferramentas, seja na grande árvore no jardim, seja no quarto de criança ou mesmo no globo de neve. É claro que pelo tamanho diminuto dos personagens, tudo parece enorme em uma forma bem similar ao que víamos nos filmes da franquia Toy Story.
Só que It Takes Two leva tudo a um nível acima e não se contenta em só fazer versões grandes de objetos do dia a dia. O jogo realmente cria cenários superinteressantes e cheios de caminhos para serem explorados. Como mencionamos, não há itens para colecionar, mas o gamer terá vontade real de ver tudo simplesmente pelos detalhes ricos.
Além de te recompensar com esse nível de detalhamento, é claro que Fares também preparou algumas surpresas interessantes em forma de minigames e easter eggs em cada fase. Esses jogos rápidos quebram o ritmo cooperativo, já que os jogadores precisam se enfrentar em desafios superdivertidos e bem diferentes um do outro. É uma ótima chance de ter uma rivalidade saudável com a pessoa que se está jogando o It Takes Two.
A única coisa que pode incomodar certos jogadores é que alguns capítulos acabam durando mais do que outros. Isso não chega a ser um problema, mas há a sensação de que alguns destes poderiam ser levemente menores. Felizmente, nenhum dura tanto a ponto de chegar a se tornar cansativo.
Uma experiência que realmente precisa de dois
Recomendamos não ignorar os minigames que forem sendo encontrados.Fonte: Electronic Arts/Reprodução
No fim da nossa aventura com It Takes Two,estávamos realmente surpresos por tudo o que um jogo à primeira vista despretensioso havia entregue. Não só é uma experiência cooperativa como também um dos melhores games multiplayer que jogamos em anos.
Em nenhum momento sentimos que era possível fazer tudo só com um player. Sempre foi necessário que pensássemos juntos e realizássemos ações em conjunto para prosseguir.
O engraçado é lembrar que em uma sessão de perguntas e respostas com Josef Fares e alguns jornalistas no início do ano, o diretor comentou tudo o que o jogo teria a oferecer e garantiu que realmente acreditava em seu projeto e tinha certeza de que as pessoas gostariam de It Takes Two. Ele até disse a seguinte frase: "Jogue o game e, se não gostar, pode vir falar comigo!".
Normalmente, promessas tão ousadas costumam ser difíceis de cumprir, mas o jogo surpreendeu tanto que realmente não há nada para reclamar ou falar com Fares. Só podemos dar o mesmo conselho que ele: jogue It Takes Two que não terão arrependimentos, senão pode até vir falar com a gente.
It Takes Two foi gentilmente cedido pela Electronic Arts para a realização desta análise.
Pontos positivos
- Cenários muito variados e ricos em detalhes que atiçam a exploração.
- Minigames que quebram o ritmo cooperativo de forma divertida.
- A trama realmente é envolvente e se desenrola com o gameplay.
- Os personagens são todos memoráveis e cativantes.
- Criatividade nas mecânicas e nos puzzles apresentados a cada novo capítulo.
- Uma verdadeira experiência cooperativa que não se encontra em outros jogos atualmente.
Pontos negativos
- Algumas fases se estendem por mais tempo do que o necessário.
- Pode ser difícil para pessoas sem costume de jogar video game.
Nota do Voxel: 95
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