Você já ouviu falar no ditado "A emenda é pior que o soneto"? Ele não serve apenas para músicas como também para jogos eletrônicos. El Hijo chamou atenção de todo o mundo quando venceu o prêmio de melhor jogo independente da Gamescom em 2019; desde as primeiras imagens, com um visual cartunesco, ele cativou principalmente por ter como pano de fundo o Velho Oeste.
Com o lançamento no início de dezembro, tivemos a possibilidade de jogá-lo. Uma aventura furtiva, que coloca como personagens principais uma mãe e um filho tentando sobreviver no meio de um problema cada vez mais relevante: o trabalho infantil.
Viver ou morrer, eis a questão
O enredo começa com a mãe e o filho chegando a um túmulo, provavelmente do patriarca da família — "provavelmente" porque o game não tem narrativa, lembrando os filmes mudos da história do cinema.
A casa deles é invadida por um grupo de bandidos, e só resta fugir. A mãe decide que o melhor a fazer é mandar o garoto para um tipo de mosteiro com senhores de batas marrons gigantes que parecem monges. Ali o filho estaria protegido, poderia estudar. Isso foi o que ela pensou. Ledo engano.
Neste momento, a história se divide em duas. De um lado, o garoto, que percebe a enrascada em que entrou e faz o possível para fugir do local sem ser visto pelos religiosos; do outro lado, a mãe tenta sobreviver fugindo de bandidos armados e perigosos.
Como dito, El Hijo tem como premissa a furtividade. É necessário utilizar as sombras e principalmente a inteligência para não ser notado pelos inimigos. Alguns itens ajudam na aventura, como o principal aliado, o estilingue, com o qual é possível jogar pedras para destruir vasos e desviar a atenção dos adversários.
Mas não pense que parou por aí. Outros artefatos estão à disposição, como brinquedos de corda e sapatos que tornam a vida mais fácil. Infelizmente, com menos de meia hora de jogatina, o game se torna repetitivo ao extremo e pouco desafiador.
Trabalho infantil
Se tem algo que pode segurar até o fim das 5 horas de jogo (tempo que levamos para terminá-lo) é o verdadeiro pano de fundo de El Hijo. Ao longo do esconde-esconde, nota-se crianças que trabalham para os monges e bandidos, algumas delas em condição análoga à escravidão, com pedras amarradas nas pernas.
Para se ter uma ideia da gravidade da situação, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 2016 havia 152 milhões de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos de idade em situação de trabalho infantil no mundo. No Brasil, esse número chegava a 2,7 milhões, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) feita em 2015.
É lógico que esses números não precisam ser mostrados ao se jogar El Hijo. Por mais que a imersão não seja das melhores, para um jogo que se intitula um spaghetti western, basta ter um pouco de sensibilidade para perceber que o problema acontece.
Foco nas crianças
Percebe-se claramente que a intenção de El Hijo é escancarar todo o problema existente no trabalho infantil. Por mais que o jogo não tenha bugs, é notória a dificuldade de mover os personagens e esperar uma resposta imediata dos comandos; diversas vezes fomos notados pelos inimigos devido à falta de sensibilidade das ações.
A câmera também não ajuda muito, já que não tem movimentação em 360 graus e impede algo importante no jogo: o fator exploração. Muitos itens ficam pelo caminho caso não se analise minuciosamente todo o cenário da aventura. Por mais que a otimização seja excelente, mesmo jogando em 4K em certos momentos é difícil ter uma noção do espaço e para onde se deve ir.
O mesmo pode ser dito da arte. Os desenhos não conseguem cativar ou criar a identidade necessária para vincular ainda mais ao trabalho infantil — geralmente, artistas criam adaptações com cenários mais pesados e em preto e branco para ajudar na imersão. A trilha sonora segue o mesmo problema, longe de ser das mais agradáveis; a música alegre e brincalhona contrapõe o sentido de El Hijo, que tenta abrir os olhos para um dos graves problemas da humanidade. Ambos caminham em uma direção totalmente distinta do propósito do jogo.
Ao longo dos últimos anos, excelentes games trouxeram a reflexão como proposta. Inside foi um deles e mexeu com nossa cabeça de uma forma que quase largamos os video games. Abzu chegou a mostrar a importância de se fazer o bem para os outros. Por último, mas não menos importante, o excelente FAR: Lone Sails escancarou a depressão, conhecida como a doença do século.
Vale a pena?
El Hijo traz pontos importantes para fazer refletir sobre o mundo. Falha ao tentar direcionar todos os ingredientes presentes no game para o ponto central do trabalho infantil. Tem puzzles simples, pouco desafiadores e muito repetitivos. Vem munido de uma arte simples e sem criatividade. Vale como proposta artística, mas não como diversão.
Achamos válida qualquer forma de expressão, ainda mais sobre um tema tão delicado, mas seria legal repensar muita coisa para que o título pudesse beber de todas as mecânicas e fontes que os jogos eletrônicos oferecem.
"Alguns jogos não têm como objetivo divertir, mas sim nos fazer refletir"