Outriders foi revelado oficialmente durante a conferência da Square Enix na E3 2019 mas, desde então, pouco se ouviu falar sobre o novo jogo da People Can Fly. A veterana desenvolvedora polonesa usou esse tempo de mistério e silêncio para polir sua nova IP até que, em fevereiro de 2020, fomos convidados a conferir em primeira mão o resultado de seu trabalho. A Square Enix nos levou até Los Angeles, Estados Unidos, onde pudemos jogar pouco mais de duas horas do jogo e conversar com seus desenvolvedores.
Com lançamento previsto para o final de 2020, Outriders terá versões para PC, PlayStation 4 e Xbox One, mas também dará as caras no PlayStation 5 e Xbox One Series X. Ainda que a nossa build de teste estampasse o tempo inteiro os dizeres “Pre-release, content not final” (versão de pré-lançamento, o conteúdo não é final) na tela, jogamos em um computador top de linha e era bem claro que essa versão já estava mais próxima dos consoles next-gen que da atual geração pelo escopo do cenário e quantidade de detalhes presentes na tela.
Ação e RPG dividem espaço
Criar tiroteios empolgantes está no DNA da People Can Fly, responsável por jogos como Bulletstorm, Painkiller e Gears of War Judgement. Desta vez, os poloneses foram um pouco mais longe e, além da adrenalina de ver balas voando por todos os lados, temos ainda muitas mecânicas de RPG, como árvores de habilidade com poderes ativos e passivos destrancáveis, ataques com cooldowns, itens para equipar com diferentes tiers de raridade e uma história rica com lore cheio de detalhes interessantes para quem quiser se aprofundar no universo do game.
Outriders é jogado completamente em terceira pessoa, então boa parte de sua ação consiste em recriar o tradicional esquema de correr e atirar por trás de coberturas. Sua ideia não é reinventar a roda de forma alguma, então leva apenas alguns minutos para se acostumar com suas mecânicas de ação e sair correndo de um muro para o seguinte em busca de abrigo, ou mesmo abusar dos rolamentos laterais para escapar dos inimigos mais próximos.
Tudo isso é ensinado no breve prólogo do jogo, que estabelece sua trama e ensina as dinâmicas de tiro ao mesmo tempo. Apesar de necessário, esse foi o segmento mais fraco da demonstração, já que sua estrutura era extremamente linear, e volta e meia era preciso seguir algum personagem passivamente pelo minúsculo acampamento inicial enquanto ele realizava um monólogo sobre a importância da sua missão e sobre como deveríamos nos importar com os eventos narrados. Há formas mais interessantes, imersivas e divertidas de fazer isso, então a melhor coisa que se pode dizer do prólogo é que, felizmente, ele termina bem rápido, e logo somos apresentados a um mundo mais interessante.
Em busca de um novo lar
Na mitologia de Outriders, em 2032 a Terra se tornou um ambiente inóspito graças à intensas e inexplicáveis atividades sísmicas, com terremotos ficando mais fortes e frequentes a cada dia. O problema foi se agravando até que, em 2048, centenas de milhares de pessoas morreram com um terremoto de escala global. Entre as várias iniciativas idealizadas pelos humanos para escapar do desastre, a última esperança de sucesso é encontrar um lar no fictício planeta Enoch e, lá, construir um novo lar para a humanidade. É aí que você e os demais Outriders entram, desbravando um novo mundo e tentando estabelecer uma colônia segura para os humanos.
Como qualquer um que já viu um filme de ficção científica e aventura deve ter imaginado, é claro que as coisas dão errado bem rápido na missão e o planeta se revela um território hostil. Além das ameaças ambientais, os próprios humanos brigam entre si e seu acampamento vira um completo caos. Vamos evitar spoilers para não estragar as surpresas do prólogo, mas o jogo começa para valer após um salto de 31 anos no tempo, quando seu protagonista desperta no futuro em meio a rostos familiares e desconhecidos.
Há um modesto criador de personagens que permite configurar seu herói entre alguns modelos de homens e mulheres, com dezenas de cortes de cabelo e algumas cicatrizes e etnias diferentes. Não é o criador mais profundo já visto, mas ele quebra um galho de forma competente e você provavelmente conseguirá criar um personagem que o deixe confortável e imerso o suficiente. Só lembre que, como o Geralt de Rivia em The Witcher 3, o herói tem personalidade própria e volta e meia faz comentários ácidos, então não espere um protagonista caladão sem personalidade.
Ocasionalmente você vai esbarrar com pequenas escolhas de diálogo aqui e ali, mas elas não ramificam a história de forma alguma e não há qualquer espécie de sistema de moral ou diferentes recompensas narrativas por papear. Optar por esticar as conversas serve apenas para aprender mais sobre o lore do jogo ou para recusar uma side quest que você não esteja a fim de fazer no momento. Se por um lado isso ajuda a narrativa a ficar mais coesa, por outro, é frustrante jogar um RPG com tão pouca liberdade.
Luta de classes
Basta terminar o prólogo para que Outriders lhe apresente a escolha mais significativa de todo o jogo: qual será a classe de seu personagem. É possível escolher entre Pyromancer, Trickster e Devastator. Há ainda uma quarta classe, mas ela estava trancada e oculta na demonstração. Cada classe possui suas próprias forças e estilo de jogo, então é bom pensar bastante antes de fazer a sua escolha.
O Pyromancer é recomendado para combates de média distância, pois pode conjurar fogo e queimar os rivais, recuperando sua energia sempre que alguém marcado por suas habilidades é morto. Já o Trickster funciona melhor à curta distância no estilo bater e depois correr, pois pode dobrar as leis da física com pequenos teleportes. Toda vez que ele mata um inimigo de perto, sua energia é recuperada e a duração de seu escudo aumenta. Por fim, a classe Devastator se assemelha a um personagem Tank e também é melhor nas lutas de perto. Suas habilidades giram em torno de fortalecer seu corpo e causar dano de perto, o que também recupera seus pontos de vida ao acertar golpes em cheio.
É essencial gerenciar os cooldowns dos poderes únicos de cada classe e pensar na melhor abordagem para utilizá-los em combate, pois eles são bastante criativos. Outriders diverte tanto nas batalhas em larga escala contra hordas de inimigos como nos combates contra os chefões das missões. Na luta final da demo, por exemplo, um imponente inimigo tinha o poder de invocar ondas de raios, e sua área de impacto crescente ficava marcada no chão, então era preciso ficar sempre em movimento para não ser atingido.
Como o dano causado pelo chefão era muito alto, de tempos em tempos era preciso pensar na melhor forma de recuperar energia através da habilidade passiva de classe. Jogamos a demo com a classe Devastator, então o jeito era esperar sua onda de raios terminar para só então arriscar um ataque de curta distância. Já nas arenas mais abertas contrá vários rivais, foi muito satisfatório mandar um pequeno terremoto passando direto até o outro lado do muro de cobertura, e então ativar a armadura golem de proteção extra para aguentar o chumbo grosso dos lacaios inimigos.
Entre tudo que Outriders faz de certo, nada é mais satisfatório que seu sistema de combates baseado em cooldowns, especialmente porque o jogo tem um inteligente sistema de dificuldades que é ajustado organicamente conforme você progride na campanha. A seleção de desafio é feita pelo World Tier, que começa no nível 1 e vai escalando conforme você cumpre as missões sem morrer, o que indica ao jogo que você está bem forte. Quanto mais alto o World Tier, mais e melhores recompensas você consegue colher, mas não precisa ter medo, pois o sistema de ajuste automático de desafio pode ser desligado a qualquer momento, caso você queira jogar sempre no nível mais fácil e apenas curtir a história numa boa.
Ainda falta variedade
Segundo Bartek Kmita, o diretor do jogo, a ideia do projeto é distanciar ao máximo Outriders dos “jogos como serviço” onipresentes na geração. Isso significa que você não encontrará loot boxes, microtransações ou serviços de assinatura quando o jogo chegar às lojas perto do Natal. Trata-se de uma experiência fechada que pode ser jogado tanto offline como online com mais dois amigos simultaneamente, e o jogo funciona bem das duas formas.
Em nosso teste, primeiro terminamos a demonstração jogando totalmente solo. Conseguimos escalar até o nível 6 de dificuldade sem morrer, mas chegando bem perto disso algumas vezes, e era claro que o desafio estava escalando aos poucos, então era questão de tempo até esbarrar com o primeiro game over. Depois jogamos cooperativamente com os outros jornalistas presentes no evento e tudo ficou consideravelmente mais fácil, a ponto de parecer fácil demais, então a People Can Fly ainda tem um bom trabalho de balanceamento de dificuldade pela frente.
Outro problema é que, mesmo em um computador de ponta, a versão multiplayer não parecia estar rodando a 60 FPS e ainda sofria com algumas engasgadas nítidas. Não é algo tão preocupante considerando o estágio atual de desenvolvimento, mas seria bom resolver isso, especialmente pensando no quanto os consoles mais antigos devem penar para conseguir rodar Outriders, então ainda há uma boa otimização a ser feita.
Normalmente, saber que um produto não será vendido como serviço, sem microtransações invasivas, seria uma boa notícia. No entanto, a natureza linear de Outriders talvez não baste para segurar os jogadores no longo prazo. Revisitar as missões solo ou com amigos não garante maiores recompensas além de subir de nível e tentar colher mais loot, e não há qualquer modo PvP para competir um pouco depois de terminar a jornada. O objetivo é apenas terminar a campanha e é isso aí.
O que o futuro reserva?
Segundo o Designer de Fases Rafl Pawlowski, a campanha, sem se alongar demais com sidequests, deve durar pouco mais de 40 horas ao todo. Em um gênero cujos concorrentes garantem centenas ou milhares de horas de gameplay online com amigos, essa talvez não seja a abordagem mais atraente para o consumidor. Outro agravante é que, já nas primeiras duas horas de jogo, a natureza das fases ficou um tanto repetitiva, pois o ciclo das missões consiste sempre em andar do ponto A ao ponto B, matar os inimigos pelo caminho, matar o chefe da área, e então voltar ao ponto original para avisar que a missão foi completada.
Há um sistema bem funcional de viagem rápida que permite navegar de forma simples por locais já visitados ao fincar bandeiras em pontos chave, mas isso não mitiga a sensação de estar fazendo sempre a mesma coisa, só alivia um pouco a burocracia. Indagado sobre a possibilidade de Outriders contar com outros tipos de missão, Rafl disse que haverá sim outros desafios, mas não deu qualquer exemplo de quais seriam eles, então vamos torcer para que essa variedade realmente apareça mais adiante na campanha.
Como suas mecânicas de tiro são bastante funcionais, e a chance de mergulhar em um novo universo de ficção científica é sempre interessante, Outriders possui um potencial gigantesco. Ele não deve ter grandes concorrentes no fim de vida da atual geração e começo da próxima, o que também deve ajudar a Square Enix a conquistar um bom espaço nas prateleiras. Mas suas chances de sucesso aumentariam bastante se, na janela entre a publicação deste texto e o lançamento do jogo, a People Can Fly conseguisse tornar o gameplay mais variado e trouxessem mais atrativos para os jogadores revisitarem a campanha após seu fim. Vamos torcer para que o futuro dos Outriders não seja apocalíptico.
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