True Crime: histórias de crimes reais mexem com a mente do espectador?
Não tem discussão: poucos gêneros se tornaram mais populares nos últimos anos do que o chamado true crime. São incontáveis histórias que conquistaram milhares de fãs por conta de uma premissa meio mórbida: a de que todos os elementos de um crime que está sendo mostrado ou lido teriam de fato acontecido na chamada vida real.
Ocorre, contudo, que as narrativas de true crime, como o próprio nome sugere, baseiam-se na apresentação de crimes. Só que aqui não falamos de qualquer crime, mas sim aqueles com características brutais, que envolvem muita crueldade, assassinos terríveis e, quase sempre, muita exposição (bastante gráfica) de cenas violentas.
Tudo isso leva a muita gente (incluindo aqui pesquisadores sérios) a pensar: o que, afinal, leva uma pessoa a gostar de assistir a cenas terríveis de sofrimento alheio? Afinal, o que explicaria este nosso gosto coletivo pela violência?
Por que gostamos tanto de true crime?
(Fonte: Globoplay)Fonte: Globoplay
Obviamente, esta é uma questão complexa e que não dá margem a uma única resposta. Mas por mais que a febre dos livros, séries e filmes true crime tenha se intensificado nos últimos anos, é importante dizer que esta não é uma "onda" exatamente nova. Histórias de crimes e assassinatos, por exemplo, já apareciam nos relatos bíblicos – ainda que a discussão sobre a veracidade dessas histórias possa gerar alguma controvérsia.
Contudo, se retomarmos o começo da imprensa, veremos que o jornalismo sempre explorou essa pulsão pela violência ocorrida no mundo real. Desde os primeiros jornais impressos, a partir do século XV, já se explorava a descrição de assassinatos, trazendo detalhes com requintes de crueldade.
E, claro, mesmo antes disso, as execuções públicas solicitadas pelo Estado já eram expostas em praça pública, reunindo grandes grupos que compareciam para conferir in loco.
Ao adentrarmos em fenômenos mais recentes, podemos notar que a televisão sempre explorou a violência dos crimes reais de maneira muito incisiva. Basta ver, por exemplo, a cobertura de casos de crimes famosos, como o assassinato de Isabella Nardoni e dos pais de Suzane von Richthofen.
À época desses acontecimentos, os programas televisivos se dedicaram por meses (até anos) em um esforço de detalhar estes crimes, convocando peritos, testemunhas, fazendo reconstituições e trazendo todos os ângulos possíveis e imaginados às tragédias. Pouco importava se essa exploração era ou não de interesse das famílias envolvidas.
Ocorre que, diferente do que pode aparecer à primeira vista, tanto detalhe acaba não tendo a função necessariamente de esclarecer – ou seja, de revelar o que de fato aconteceu ali. Muitas vezes, o true crime serve mais para satisfazer algum tipo de prazer mórbido que não sabemos explicar bem de onde surge.
True crime, um gosto que vai além da explicação racional
(Fonte: Amazon Prime)Fonte: Amazon Prime
Se você é um dos tantos adeptos das narrativas true crime, pergunte-se: afinal, qual é a graça em mergulhar nesses crimes? É possível que sua resposta passe pela ideia do controle: ver tanta desgraça alheia pode fazer nos sentir menos vulneráveis, ou pelo menos gratos por não termos passado por essas situações. Há quem esboce algum interesse científico, falando que gostaria de saber mais sobre o que a mente humana é capaz de fazer.
O mestre do terror Stephen King já escreveu que a maioria das pessoas costuma ter, na mesma medida, interesse, curiosidade e repulsa pelo macabro. E talvez possa se dizer que as narrativas true crime provocam essa espécie de atração controversa: gostamos dessas histórias à mesma medida que as odiamos – tanto que aquilo aconteceu de fato, tanto a constatação de aquilo nos atrai instintivamente.
Em entrevista ao portal GZH, o psicanalista Christian Dunker explicou que o gênero true crime aciona uma pulsão que vai além do que poderia ser explicado por nossa mente racional.
Segundo ele, trata-se de fascínio e medo da morte ao mesmo tempo, sendo que, ao assistir, o telespectador "tem uma satisfação indireta, que é: ufa, isso não aconteceu comigo, eu sobrevivi, ainda bem que foi com o outro'".
De alguma forma, para Dunker, essa espécie de "recompensa" provida pelo true crime acaba levando a uma certa dependência desse tipo de conteúdo. O que pode levar a outra questão, que é uma espécie de banalização da violência e da morte. "Por mais que a gente possa discutir se sim, se não, motivos, razões e causas, ainda há um morto", conclui.
A grande questão aqui, desse modo, é um excesso de consumo de true crime pode, de alguma forma, arrastar os crimes narrados para dentro da esfera da ficção: quanto mais acesso a histórias (e detalhes) de crimes reais, menos reais eles parecem. Em uma sociedade como a nossa, em que a violência já é tão banalizada, é bastante preocupante que isso aconteça.
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